23/01/2013 - 21:00
A crise de 2008, a mais severa e destruidora da economia globalizada, representou um duro golpe na credibilidade das agências de classificação de risco mundo afora. Por uma simples e boa razão: às vésperas da quebra do banco americano Lehman Brothers, que detonou o tsunami financeiro, elas haviam concedido aos títulos imobiliários de alto risco dos Estados Unidos a nota AAA, a classificação máxima, que assegurava a liquidez e a solvência desses papéis. A partir daí, a confiança dos investidores em empresas consagradas e até então acima de suspeitas, como Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch, começou a se deteriorar.
José Valter de Almeida, diretor da SR Rating: “As novas regras da CVM
vão separar as boas das más agências”
Ressabiados, eles passaram a questionar até que ponto as notas atribuídas a determinado título eram confiáveis ou se não esconderiam algum conflito de interesse, exigindo uma maior regulação e fiscalização dessas agências. Esse movimento, que ganhou corpo lá fora há quatro anos, está crescendo no Brasil. Preocupada em dar mais transparência ao setor, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que agora regula a área, editou a Instrução 521/12. As agências que atuam no País, sejam elas locais, sejam estrangeiras, tiveram até o dia 1o de janeiro deste ano para se adequar às novas regras, anunciadas em abril de 2012, envolvendo o registro na autarquia e a divulgação de informações periódicas.
Segundo Flávia Mouta, superintendente de Desenvolvimento de Mercado da CVM, o principal objetivo da regulação é disseminar a informação.“A meta é tornar as informações divulgadas por esses agentes mais acessíveis e claras aos demais participantes do mercado”, afirma Flávia. Atualmente, atuam no Brasil sete agências de rating, incluídas as grandalhonas internacionais. Todas terão de se enquadrar às normas. As estrangeiras Standard & Poor’s, Moody’s e Fitch estão com a documentação em ordem. Entre as nacionais, Austin e Liberum Ratings já estão autorizadas a atuar, enquanto que LF Rating e SR Rating ainda aguardam a análise da documentação. De acordo com Eduardo Baker, porta-voz da Moody’s, o trabalho da CVM é importante.
Leonardo Pereira, presidente da CVM: regulador quer tornar as informações
das agências mais acessíveis
“Esperamos que a nova estrutura contribua para uma maior confiança do mercado”, afirma Baker. Para as agências nacionais, a adequação às novas regras foi bem-vinda, apesar de mais trabalhosa no início. Para José Valter Martins de Almeida, diretor da SR Rating, o principal benefício da regulação, além da transparência, é a restrição da atuação das agências. “As novas regras da CVM vão separar as boas das más, permitindo que as análises sejam feitas apenas por empresas que realmente têm conhecimento para fazê-las”, diz. Rodrigo Indiani, sócio da Liberum Ratings, também vê a entrada da CVM no setor como positiva.
“A regulação assegura que alguns critérios sejam divulgados, de forma transparente, para que o investidor seja capaz de tirar suas próprias conclusões”, diz Indiani. Os potenciais conflitos de interesse entre empresas avaliadas e analistas de risco, como a participação relevante na receita da agência de rating, deverão ser destacados no relatório enviado à CVM. Para Joel Sant’Ana Junior, gerente-técnico da LF Rating, esse é um dos pontos cruciais da regulação. “Se o analista que está classificando uma empresa tem qualquer relacionamento com ela, sua visão vai ser distorcida”, afirma Sant’Ana Júnior.
Um exemplo desse tipo de distorção veio à tona no fim de 2012, com a notícia de que o presidente da Austin Ratings, Erivelto Rodrigues, estaria associado, numa empresa de meios de pagamentos móveis, ao Banco BVA, que está sob intervenção do Banco Central desde 19 de outubro passado, e cliente da agência. Segundo dados da própria Austin Ratings, as avaliações sobre o risco de crédito e operações estruturadas do banco BVA correspondem a 9,7% de suas receitas. Questionada sobre o assunto, a Austin respondeu, em nota, “que o potencial conflito encontra-se integralmente mitigado, uma vez que é vedado ao seu diretor-presidente opinar nas decisões do Comitê de Classificação de Risco”. A empresa afirma que, por duas vezes, rebaixou a nota do Banco BVA, antes da intervenção do BC.