07/11/2014 - 20:00
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é, depois do Banco Central (BC), a autarquia mais temida pelos participantes do mercado de capitais. Com analistas e executivos dedicados a esquadrinhar o funcionamento da bolsa e dos fundos de investimento, a movimentação das ações das empresas abertas e a lisura das aberturas e dos fechamentos de capital para defender os acionistas minoritários, o xerife é, frequentemente, alvo de críticas por parte dos agentes de mercado. No passado recente, os questionamentos mais estridentes vieram dos minoritários das empresas do Grupo X, do empresário Eike Batista, especialmente daqueles que compraram papéis da petrolífera OGX.
Após a débâcle do império de Batista, a CVM foi acusada de não ter sido rigorosa o suficiente com os indícios de manipulação do mercado e de excessos na divulgação de fatos relevantes da OGX. Na segunda-feira 3, um desses questionamentos à atuação da CVM veio de uma fonte tão inesperada quanto gabaritada: Leonardo Pereira, o ex-diretor financeiro da empresa aérea Gol, que preside a Comissão desde julho de 2012. Na época de sua indicação, o nome de Pereira foi criticado por segmentos do mercado. A transferência do cargo para um executivo oriundo de uma empresa privada traria o risco de tornar a CVM uma entidade dócil com o mercado, mais preocupada com o bem-estar das empresas do que com a segurança dos acionistas.
No início da semana, em entrevista ao jornal Valor Econômico, Pereira colocou o dedo numa das feridas que mais incomodam o mercado: a falta de preparo dos funcionários que ficam na linha de frente da fiscalização. Sua conclusão é que a CVM precisa capacitar melhor seus servidores para evitar acusações impróprias de má conduta. Casos mal fundamentados pelos escalões mais baixos da autarquia atrapalham o dia a dia das companhias abertas, atormentam executivos, elevam os gastos das empresas com advogados e, ao fim e ao cabo, acabam sendo considerados improcedentes pelo Colegiado, o órgão máximo da comissão.
Isso, quando não viram processos na Justiça, que podem se arrastar por longos períodos, prejudicando a vida e as atividades profissionais dos envolvidos. “Minha maior preocupação daqui para a frente é a qualidade da instrução, para evitar, por exemplo, o que vimos num julgamento recente que envolvia BTG Pactual e CCX”, disse Pereira. O processo inadequado a que ele se refere envolve a acusação de que, em junho de 2013, um fundo administrado pelo banco BTG Pactual teria se aproveitado de informações privilegiadas em uma proposta de fechamento do capital da CCX, empresa mineradora que explorava jazidas de carvão no Brasil e na Colômbia.
A proposta de Eike Batista, que vinha sendo assessorado pelo próprio BTG Pactual, era trocar as ações da CCX por papéis da OGX, mais líquidos e, naquele momento, mais valorizados. Perfeitamente legal, a permuta foi anunciada no início do ano passado, mas a CCX desistiu da operação em junho, devido à queda generalizada das cotações. O fato de o banco ter vendido as ações da CCX antes da desistência formal da permuta – que derrubou ainda mais os preços – fez a CVM suspeitar do uso de informação privilegiada. O BTG Pactual foi interpelado e apresentou sua defesa em fevereiro deste ano.
A área técnica da CVM não se convenceu e o processo foi remetido ao colegiado. O caso foi apreciado em setembro pela diretora Ana Novaes e, em seu voto, ela demonstra que a acusação não se sustenta nos fatos. “Sequer há necessidade de tal discussão, uma vez que os investimentos foram realizados pela carteira própria”, afirmou (veja fac-símile da decisão). Questionada sobre a mudança de opinião no caso do BTG Pactual, a CVM afirmou à DINHEIRO, em nota, que, “no momento do julgamento, a diretora relatora Ana Novaes discordou, legítima e fundamentadamente, do posicionamento adotado pela área técnica acusadora, no que foi acompanhada pelos demais membros do colegiado participantes da sessão”.
Para a CVM, isso é “algo perfeitamente natural em situações dessa natureza”. O banco foi absolvido e não comenta o caso. Há outros casos polêmicos em discussão. Na terça-feira 4, a autarquia julgou cinco acionistas da Brasil Brokers por terem negociado ações antes da divulgação dos resultados da empresa. Cada um deles foi multado em R$ 300 mil e a denúncia será encaminhada ao Ministério Público. A diretora Luciana Dias foi voto vencido pela absolvição.
“No meu entender, esses acusados são empresários que pagam impostos e geram empregos e foram, no máximo, descuidados, mas estão agora diante de processos penais que ameaçam sua liberdade”, afirmou Luciana. Procurada pela DINHEIRO, a CVM diz em nota que “a afirmação mencionada é uma opinião apenas da própria diretora” e que “a modificação administrativa da decisão poderá, eventualmente, ocorrer se os condenados pela CVM no caso concreto recorrerem ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional”. Procurada, a Brasil Brokers não deu entrevista.