16/08/2013 - 21:00
Quando a Alemanha era dividida em duas, os soldados do lado oriental, responsáveis pela guarda no Muro de Berlim, atiravam para matar aqueles que tentavam cruzar a fronteira. Em 1994, cinco anos após a queda do muro, a Corte alemã condenou à prisão os soldados pela morte de cidadãos em tentativa de fuga do regime comunista. A sentença, em todo caso, foi estendida a seus comandantes. Afinal de contas, os líderes dos batalhões tinham domínio do fato, ou seja, sabiam dos crimes que seus subordinados cometiam, possivelmente sob suas ordens. A tese sobre o Domínio do Fato pode ser aplicada no processo sobre o cartel de empresas que forneceu material rodante para o Metrô de São Paulo, num esquema fraudulento, entre 1998 e 2008, confessado pela multinacional Siemens ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica.
Mendroni: “As penas brandas transformam o Brasil
no paraíso dos cartéis”
A estratégia está sendo avaliada pelo promotor Marcelo Mendroni, membro do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (Gedec), do Ministério Público de São Paulo. Mendroni terá de reunir provas para responsabilizar os presidentes das empresas suspeitas de terem combinado previamente os resultados de licitações, além de terem superfaturado o valor do material rodante e dos serviços prestados ao metrô paulista. “Não há como dizer que esses CEOs não tenham domínio do fato, da criação dos chamados aparatos de poder em situações como essa”, diz Mendroni. Entre as empresas arroladas no caso estão a Alstom, a Bombardier e a CAF.
“Todas as provas serão analisadas.” O xerife dos cartéis deve se debruçar sobre os processos ao longo de um ano para chegar ao veredito final. A tese jurídica adotada por Mendroni foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para condenar alguns dos envolvidos no julgamento do mensalão, como o ex-ministro José Dirceu. O promotor tenta, ainda, reunir evidências sobre mais de um crime. “Há cinco momentos diferentes nesse caso. Eles configuram cinco crimes de formação de cartel e cinco de fraude e licitação”, explica. Sob investigação, estão as combinações prévias entre as empresas para vencer os leilões e a prática de preços superfaturados na extensão das Linhas 2 e 5 do Metrô, bem como a compra de vagões, um contrato de manutenção e outro de reforma de trens.
Leilão adiado: o governo federal adiou o certame do trem-bala entre São Paulo e Rio
que deveria ocorrer em setembro, pois só uma empresa faria proposta
Se os desvios forem confirmados, seria possível chegar a uma pena um pouco mais severa para os envolvidos, uma vez que as leis de punição a cartéis no Brasil são muito brandas. “São dois a cinco anos, que inclusive podem ser cumpridos em liberdade, algo que transforma o Brasil no paraíso dos cartéis.” Mendroni, que fez pós-doutorado na Itália, onde estudou as medidas de contenção de organizações criminosas, como a máfia, também foi responsável pela denúncia contra empreiteiras por outro cartel formado em torno do Metrô de São Paulo. Desde o ano passado, a Justiça analisa o processo sobre a responsabilidade de executivos de 12 empresas – entre elas, Andrade Gutierrez, Mendes Junior, Camargo Corrêa, Odebrecht e Queiroz Galvão – por fraude em licitações.
“Dentro de um ou dois meses, serão marcadas audiências para o julgamento”, diz o promotor. Por ironia do destino, Mendroni estava de férias na Alemanha, terra natal da Siemens, quando veio à tona o escândalo do cartel do Metrô. Mas o promotor não estava exatamente a passeio. Ele aproveitava seus dias de folga para aprofundar os estudos sobre a atuação de cartéis, no Instituto Max Planck, na cidade de Freiburg, que conta com uma biblioteca riquíssima de direito penal. Pelo jeito, os advogados das empresas envolvidas nas fraudes do Metrô terão de passar por lá se quiserem conhecer a estratégia adotada pelo promotor.