16/05/2012 - 21:00
Em 2008, quando era diretor de marketing da Telecom Italia, o executivo italiano Luca Luciani fez um discurso para motivar os funcionários da operadora de telefonia. Em sua apresentação, que já foi vista por centenas de milhares de pessoas no YouTube, Luciani cita, de forma equivocada, a vitória do imperador francês Napoleão Bonaparte em Waterloo, em 1815, na Bélgica, como um exemplo de determinação, de força e de genialidade. “Napoleão fez sua obra-prima em Waterloo”, disse Luciani. A batalha nas redondezas da aldeia de Waterloo, vencida pelo inglês Duque de Wellington, na verdade, marca a pior derrota de Napoleão. Vencido, o imperador voltou a Paris e abdicou ao trono.
Ex-imperador: Luciani, para quem Napoleão Bonaparte venceu a histórica
batalha de Waterloo, na Bélgica, em 1815.
Considerado inimigo da França, o grande corso foi exilado e enviado para a Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde passou seus últimos anos de vida. Não por acaso, a renúncia ao cargo de presidente da TIM Brasil, no sábado 5, vem sendo chamada ironicamente pelos jornais italianos de o Waterloo de Luciani, que será substituído interinamente por Andrea Mangione, vice-presidente financeiro da Telecom Italia. A chacota da imprensa italiana não é gratuita. Assim como Napoleão, Luciani pode estar enfrentando seu ato final como executivo de uma empresa de prestígio. Sua queda foi informada em comunicado lacônico de apenas 63 palavras, sem explicar as razões para a renúncia do executivo.
O texto foi negociado com Antonio Migliardi, diretor de RH da Telecom Italia, que esteve no Rio de Janeiro, tratando também dos detalhes financeiros da demissão de Luciani. Sua saída, no entanto, está vinculada a uma investigação que está sendo feito na Itália pelo Ministério Público de Milão, sede da empresa de telefonia. Segundo os procuradores, mais de seis milhões de SIM cards, os chips dos celulares que não estavam mais ativos, foram artificialmente mantidos na base da operadora de telefonia celular através de uma recarga inexistente de um centavo. Essa fraude era realizada por meio de um sistema de tecnologia denominado “reequilíbrio”. Com esse recurso, os chips não eram desativados após o 13º mês da última recarga.
Desastre anunciado: em março de 2011, DINHEIRO alertava para os problemas
enfrentados por Luciani na Itália.
As investigações preliminares concluíram que três executivos da Telecom Italia estariam envolvidos na fraude: além de Luciani, os diretores Ricardo Ruggiero e Massimo Castelli. “Observamos as conclusões do inquérito e concluímos que Luciani não era compatível conosco”, disse Franco Bernabè, presidente da Telecom Italia, em entrevista ao jornal La Stampa. “Uma grande empresa precisa ser como a mulher de César: não basta ser honesta, tem de parecer honesta.” O executivo disse também, durante a divulgação de resultados, na quinta-feira 10, que espera ter uma solução para o comando da TIM no Brasil em, no máximo, três meses. As palavras de Bernabè indicam que, em princípio, Luciani não deve esperar compreensão, carinho e apoio da antiga empregadora.
Circulam informações no mercado, não confirmadas oficialmente, de que a Telecom Italia não arcará com os custos de advogados do executivo para se defender das acusações do Ministério Público de Milão. Após a queda de Luciani, surgiram suspeitas de que a TIM Brasil também teria inflado artificialmente sua base de assinantes. O jornal econômico italiano Il Sole 24 Ore, de Milão, publicou alguns e-mails potencialmente embaraçosos para Luciani, que fazem parte da investigação do Ministério Público de Milão. Eles dão a entender que o executivo italiano usava do mesmo expediente no País. Em um deles, de 16 de junho de 2010, o diretor de marketing da subsidiária brasileira, Rogerio Takayanagi, sugere uma limpeza da base de assinantes, após a companhia divulgar bons resultados.
“Acho que agora podemos limpar um pouco a base. Como você vê?”, diz a mensagem. A resposta de Luciani, quatro horas mais tarde, indica que a operadora não tomaria nenhuma atitude. “Não precisamos limpar a base”, dizia ele. “Por enquanto, continuamos a empurrar.” Em nota enviada à DINHEIRO, a TIM negou que adote práticas artificiais de crédito para manter chips pré-pagos ativos. “Lembramos que, no interesse de proteger créditos residuais dos usuários, a empresa adota regras de desconexão das linhas compatível com o limite mínimo estabelecido pela Anatel e com a prática de mercado”, informa a nota. Durante os mais de três anos que esteve à frente da TIM Brasil, Luciani provocou uma reviravolta na companhia.
Novo tempo: Bernabè (à esq.), o CEO mundial da Telecom Italia, escolheu Mangioni
como o presidente interino da TIM.
Quando assumiu a operação local, em janeiro de 2009, a empresa havia perdido a segunda colocação no mercado de celulares para a Claro, do grupo mexicano América Móvil. Um mês depois, segundo a consultoria Teleco, especializada em telecomunicações, limpou sua base de assinantes, o que fez com que perdesse 823 mil clientes em fevereiro daquele ano. A partir daí, estabeleceu uma estratégia de crescer com planos de voz. Criou, então, um plano batizado de Infinity, com chamadas locais e nacionais entre celulares TIM, ao custo de R$ 0,25. Com ele, conquistou 31,1 milhões de novos clientes nos últimos dois anos, mais do que a Vivo, líder do mercado nacional, que aumentou sua carteira em 29,1 milhões no mesmo período.
A participação de mercado, que era de 23,5% no primeiro trimestre de 2009, aumentou para 26,8% três anos depois, recuperando a vice-liderança. O crescimento acelerado, no entanto, cobrou seu preço. A TIM passou a enfrentar problemas com a qualidade de sua rede e foi obrigada a suspender as vendas de suas linhas em diversos Estados, como Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Alagoas. No ano passado, a operadora italiana também ficou à frente da Telefônica no ranking de reclamações da Fundação de Defesa e Proteção do Consumidor de São Paulo (Procon-SP). Mangioni, o presidente interino, não é exatamente um desconhecido na operação brasileira. Em 2010, ele assumiu o cargo de diretor no Comitê de Governança Corporativa e Controle Interno da TIM Participações.