27/06/2012 - 21:00
As exaustivas e inoperantes negociações entre diplomatas e chefes de Estado, na Rio+20, realizada no Riocentro, no Rio de Janeiro, terminaram sem motivos para comemorações. Mas, enquanto o documento oficial da conferência das Nações Unidas não trouxe avanços, nem metas concretas de redução das emissões que determinam o aquecimento global, boas notícias vieram dos eventos do setor privado. Centenas de empresas aproveitaram o para anunciar passos concretos no sentido de tornar seus negócios mais sustentáveis, mediante a celebração de compromissos voluntários. A chamada “economia verde”, apesar de novidade nos textos oficiais, já está se tornando realidade.
Reciclagem de ideias: instalação feita de plástico reciclado alerta para os danos econômicos
e ambientais da poluição.
Não apenas nos gigantescos números de investimentos em energia renovável, mas também na mudança de modelos de negócio e práticas em diversas companhias. “Temos que trabalhar mais porque os governos não cumprem sua parte”, afirmou o bilionário britânico Richard Branson, dono do grupo Virgin. Isso já ocorre em diversas áreas, inclusive na indústria automobilística, uma das vilãs de emissões de gases. A alemã BMW, por exemplo, que já vende modelos híbridos, deve lançar no ano que vem sua primeira linha de carros totalmente elétricos, a BMWi, que terá os modelos i3 (compacto) e i8 (esportivo). A companhia trouxe para demonstração na Rio+20 o Mini Cooper elétrico, que vem sendo testado há dois anos com 600 consumidores em todo mundo.
Reciclagem de ideias: o tema foi debatido por empresários, chefes de estado,
como a presidenta Dilma, e Ban Ki-Moon, secretário-geral da ONU.
A última fábrica construída pela BMW, em Tiexi, na China, utiliza 50% menos energia do que a média das outras unidades industriais. A companhia já se prepara para um futuro de mais restrições à circulação de automóveis, não apenas por emissões, mas também pelo trânsito. Alguns de seus serviços na Europa até estimulam a redução do uso de seus carros. “Se a BMW quiser continuar existindo por mais 100 anos, vai se transformar numa empresa de mobilidade e não apenas de automóveis”, afirma o vice-presidente de estratégia corporativa da montadora, Rainer Feurer. Em Berlim e Dusseldorf, por exemplo, o projeto “Drive Now” permite que motoristas aluguem BMWs apenas por algumas horas.
O serviço “connected drive”, que orienta os motoristas de carros da marca, pode recomendar, dependendo do trânsito, que o cliente estacione o carro e vá de trem ao seu destino. Num evento paralelo à Rio+20, um grupo de 226 empresas da seção brasileira do Pacto Global – grupo das Nações Unidas para o avanço de práticas sustentáveis, que reúne sete mil empresas de 135 países – anunciou compromissos em favor da economia verde. Apesar de genérico, o texto traz a promessa das empresas de definir metas de sustentabilidade e relatar seu progresso, além de pressionar os governos por legislação favorável à sustentabilidade. Para Carlos Fadigas, presidente da Braskem, uma das signatárias, o Brasil pode ser um dos líderes da economia verde no mundo.
Richard Branson (à dir.) debate com Kumi Naidoo, diretor do Greenpeace, e a atriz Kucy Lawless.
A petroquímica do grupo baiano Odebrecht reduziu, nos últimos três anos, a emissão de gás carbônico em 12%, e a geração de efluentes, em 36%, desde 2004. Segundo Fadigas, os produtos sustentáveis poderiam ser incentivados pelo governo com redução tributária. “Uma diferenciação para produtos sustentáveis estimularia as empresas a investir em produtos como o bioplástico”, afirma o executivo. A Braskem produz 200 mil toneladas anuais de plástico derivado da cana-de-açúcar, um percentual ainda modesto diante de sua produção total de 16 milhões de toneladas de resinas. Assinaram o compromisso brasileiro companhias energéticas como Neoenergia, Chesf , Eletrobras e Itaipu, além de grupos como BRFoods, Whirpool, Votorantim, Santander e Pão de Açúcar.
Índio faz protesto em frente à sede do bndes, no centro do rio.
A fabricante de pneus Pirelli comprometeu-se a medir o rastro total de carbono (carbon footprint) no ciclo de vida completo de um pneu da marca, o Cinturato P7, produzido em sua fábrica de Campinas. Além de extrair sílica para a fabricação de pneus da casca de arroz, com impacto ambiental menor que o tradicional, a empresa estuda usar energia solar na produção. “Precisamos ser pioneiros e não esperar exigências oficiais para implantar práticas de sustentabilidade”, afirma o diretor de sustentabilidade da Pirelli, Filippo Bettini, para quem os problemas relacionados com a crise dificultaram o desempenho dos governos dos países desenvolvidos.
Segundo Bettini, a Pirelli se comprometeu a reduzir globalmente sua emissão de gás carbônico em 15%, até 2015, e o consumo de água em 70%, em relação aos níveis de 2009. No evento de responsabilidade corporativa no Rio de Janeiro, que contou com a participação de quase três mil executivos, outro compromisso foi anunciado por 45 multinacionais: criar metas para economia de água em suas operações, e contribuir para reduzir a crise de suprimento em várias regiões do planeta. Cerca de 800 milhões de pessoas em todo o mundo não têm acesso a água potável de boa qualidade. Entre as empresas signatárias estão a AB Inbev, Unilever, Coca-Cola e Stora Enso. Várias delas anunciaram redução no consumo de água, no ano passado, como a AB Inbev (8,2%) e Carlsberg (5,6%).
Rainer Feurer, vice-presidente mundial da BMW, apresenta o mini cooper puramente elétrico.
A Coca-Cola promete que até 2020 suas operações terão um impacto neutro. Pressões pelo lado financeiro, como a promovida por bancos e bolsas de valores, também podem ajudar as empresas a adotar critérios sustentáveis. O presidente da BM&FBovespa, Edemir Pinto, afirma que, em até dois anos, a bolsa brasileira exigirá a publicação de relatórios de responsabilidade social de empresas interessadas em listar suas ações no Novo Mercado. Hoje, apenas 20% das empresas listadas na Bovespa publicam esse tipo de relatório. O presidente da Bovespa é favorável a que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o órgão regulador do mercado de capitais, exija a publicação. “É preciso dar prioridade a essa questão e transformar boas práticas em obrigação”, afirma Pinto.
Enviada especial ao Rio