Depois de uma longa preparação e expectativas catastrofistas, a Olimpíada do Rio de Janeiro caminha para o seu término sem incidentes. O Rio de Janeiro que se temia, com legiões de turistas e atletas olímpicos vítimas da violência, deu lugar a uma cidade pacífica e acolhedora para a grande maioria. O curioso é que dois incidentes protagonizados por estrangeiros perturbaram o cenário olímpico. Um deles foi o desvio de cerca de mil ingressos por uma empresa ligada a Patrick Hickey, presidente do Comitê Olímpico da Irlanda. Outro foi um assalto a nadadores dos Estados Unidos, que começou como uma quase tragédia e acabou como uma farsa – orquestrada pelos americanos. 

O caso de Hickey é clássico e grave. O cartola de 71 anos é um dos 15 membros da Comissão Executiva do Comitê Olímpico Internacional e amigo pessoal do presidente, Thomas Bach. Os Comitês possuem cotas dos valiosos ingressos para as competições, e os irlandeses receberam mil entradas para a abertura e para o encerramento do evento. Elas foram desviadas, e seriam vendidas por até US$ 8 mil cada, como se Hickey fosse um cambista na porta do Maracanã em dias de Fla-Flu. O irlandês foi preso na quarta-feira 17 na Barra da Tijuca.

Outro caso foi o dos nadadores americanos, que foram assaltados – só que não. O que parecia um exemplo de como o Brasil não tem jeito tornou-se uma prova de que, quando o calo aperta, os gringos também recorrem ao jeitinho. Os fatos divulgados na quinta-feira 18 são claríssimos. Quatro atletas da delegação americana passaram a noite do domingo para a segunda-feira 15 na farra. Na volta para a Vila Olímpica, eles pararam em um posto de gasolina. Tendo atravessado uma piscina de caipirinhas e cerveja, começaram a fazer arruaça, urinando pelos cantos e quebrando uma placa. Os funcionários do posto, corretamente, chamaram a polícia, que tardou a chegar. Nesse meio tempo, um cliente, policial à paisana, sacou da arma para colocar a turma nos eixos. Os atletas deixaram R$ 160 para pagar os prejuízos, chamaram um táxi e voltaram, ainda festivos, para a Vila Olímpica.

Teria acabado por aí exceto que Ryan Lochte, um dos nadadores, resolveu mentir para a mãe. Dona Ileana Lochte ficou preocupada com a demora do filho em atender o telefone na segunda-feira cedo. Ryan explicou para a mamãe que o perdido não foi culpa dele, mas sim da violência carioca. Zelosa, a mãe ligou para quem de direito e pediu providências para o caso do seu pimpolho de 32 anos. Confrontado pela polícia, Lochte transformou a história em um assalto, e a cada narrativa os detalhes ficavam mais mirabolantes.

Desconfiados, os investigadores cariocas perceberam que a história não parava em pé. Como resultado, na noite da quarta-feira 17, os nadadores Gunnar Bentz e Jack Conger foram retirados do avião com destino aos Estados Unidos em que já haviam embarcado, e foram convocados para prestar esclarecimentos sobre a falsa comunicação de crime. Isso é contra a lei no mundo todo. Por aqui, é infração sujeita a até seis meses de detenção ou multa.

O mais relevante dessas histórias é a diversidade de seus protagonistas. Na Olimpíada, o povo mal-afamado por seu jeitinho e pela predileção por burlar as regras e por buscar atalhos comportou-se de maneira exemplar. O fato memorável do torneio de 2016 foi que o trambique, desta vez, veio de fora.