09/05/2014 - 20:00
Na tarde do dia 1º de maio, enquanto os trabalhadores brasileiros comemoravam o seu dia e as centrais sindicais promoviam festas e manifestações nas principais capitais do País, o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri, teve uma longa conversa telefônica com a presidenta Dilma Rousseff. Neri já havia enviado, por e-mail, um estudo de 40 páginas com dados sobre a melhoria de renda e das condições de vida da população brasileira nas últimas décadas, especialmente entre os mais pobres. Economista da Fundação Getulio Vargas que se dedica a pesquisas socioeconômicas há duas décadas, Neri faz periodicamente estudos desse tipo.
E a presidenta Dilma, que também é economista e gosta de números, viu ali uma oportunidade de construir um discurso para se contrapor às críticas dos economistas e empresários, cada vez mais disseminadas, sobre o fraco desempenho da economia. Em 2013, a expansão do PIB foi de apenas 2,3%, metade do índice inicialmente previsto pelo governo, e neste ano as projeções do setor privado e de organismos internacionais variam entre 1,5% e 2%. Na segunda-feira 5, o ministro levou o estudo ao terceiro andar do Palácio do Planalto. Além de Dilma, estavam presentes 20 ministros, o presidente da Caixa, Jorge Hereda, e o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sergei Soares.
A lista era formada principalmente por ministros fora da área econômica, como a titular do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, o dos Esportes, Aldo Rebelo, mas incluía também o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, e a do Planejamento, Miriam Belchior. “Existe um descolamento entre os dados econômicos que são utilizados pelo mercado e os dados sociais”, disse à DINHEIRO o ministro Marcelo Neri, no dia seguinte à apresentação aos colegas da Esplanada dos Ministérios. A intenção do governo é mostrar que nem tudo é explicado pelos indicadores econômicos e que, nos últimos 11 anos, durante o governo petista, os mais pobres tiveram ganhos de renda acima da média e mais gente entrou no mercado de consumo.
“Como houve uma desaceleração da economia nos últimos três anos, esse é um resultado que surpreende um pouco”, afirmou o ministro. A intenção de Dilma, ao divulgar essas informações à equipe, é dar a eles munição para rebater as críticas ao baixo crescimento econômico. “2012 foi um ano excepcional para a redução da desigualdade, mesmo com o pibinho”, disse Neri, citando a forma como ficou conhecida a expansão de apenas 1% da economia brasileira naquele ano. O problema é que, mesmo que o governo prefira ignorar os indicadores mais tradicionais da economia, eles continuam influenciando a vida nacional.
Futuros investidores ainda se preocupam em analisar a solidez das contas públicas, querem garantias de que irão receber o dinheiro aplicado em títulos públicos e, claro, querem ver o crescimento de seus negócios. “Se o PIB não cresce, é sinal de que alguma coisa está errada”, diz o economista Flavio Serrano, do BES Investimentos. “O crescimento é o resultado da conjuntura”, afirma. Na terça-feira 6, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziu a projeção de crescimento da economia brasileira neste ano para 1,8%. Os primeiros indicadores de produção já mostram uma atividade mais fraca.
A produção industrial cresceu apenas 0,4% no primeiro trimestre e as vendas do comércio já não crescem no ritmo asiático do início da década. “O emprego ainda é a âncora do comércio, mas a alta do preço dos alimentos prejudica o restante do varejo”, diz o economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes, chefe da divisão de economia da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Ainda assim, o setor espera uma expansão em torno de 4,5%. Mesmo o desemprego de 5%, no menor nível histórico, também tem um lado negativo, na avaliação de economistas, já que a alta real dos salários vem aumentando o custo das empresas.
“Não dá para comemorar o mercado de trabalho se o resto não está bom”, diz a economista Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas. “Distribuir a renda é uma coisa boa. Mas, sem crescimento, vamos matar a galinha dos ovos de ouro”, afirma a economista. O governo tem o direito de propagandear seus feitos na área social, mas precisa encontrar uma maneira de torná-los sustentáveis. Ao afinar o discurso entre os ministros e dar um toque de Midas na realidade, a presidenta espera garantir a reeleição em outubro e, assim, ganhar mais tempo para colocar a casa em ordem.
A boa polêmica no IBGE
O menor índice de desemprego da história recente do Brasil está com os dias contados. A adoção de uma nova metodologia de cálculo vai piorar os dados oficiais de desemprego no próximo ano. Ao contrário do que parece, porém, a notícia é boa. Significa que o governo voltou atrás em sua tentativa inicial de esconder as estatísticas quando elas não agradam e está aprimorando a coleta de dados econômicos, tornando-os mais abrangentes e representativos da realidade nacional. A Pesquisa Mensal de Emprego (PME), calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em seis capitais, será substituída a partir do próximo ano pela Pnad Contínua, de abrangência nacional. No ano passado, o desemprego ficou em 5,4% pelo PME e em 7,1% pelo Pnad.
A nova pesquisa também terá novos dados de renda familiar, que serão usados para atualizar a parcela de cada unidade da Federação no Fundo de Participação dos Estados, e foi alvo de reclamação de alguns senadores. No dia 10 de abril, a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, comunicou que a divulgação havia sido suspensa, alegando falta de tempo hábil para coletar e divulgar os dados no calendário previsto. Ficou a suspeita de que o governo temia o uso político de um índice de desemprego maior. A diretora da área pediu demissão e alguns técnicos também ameaçaram sair. Na semana passada, Wasmália voltou atrás e confirmou a publicação dos dados do primeiro trimestre no dia 3 de junho. “Tivemos uma crise de comunicação entre a diretoria e o corpo técnico, mas acho que não é nada inconciliável num prazo mais longo”, afirmou.