No final de março, a Minerva Foods, empresa do ramo de alimentos, foi ao mercado externo buscar recursos para refinanciar parte de sua dívida. Na teoria, o momento não era dos melhores. O Brasil tinha acabado de ter a sua nota de crédito rebaixada pela agência de classificação de risco de crédito Standard & Poor’s e havia a expectativa de aumento do custo de captação para as empresas brasileiras. Mas não foi isso que aconteceu. Após uma apresentação (road show) a investidores, feita em quatro dias e em diferentes países, a companhia conseguiu US$ 300 milhões em uma operação inédita para ela, que foi a emissão de títulos perpétuos (sem data de vencimento) pelo custo de 8,75% ao ano.

A opção por esses papéis ocorreu após a empresa constatar que o custo para uma operação similar à anterior, de janeiro de 2013, havia caído entre 0,25 e 0,45 ponto percentual. O diretor financeiro do frigorífico, Edison Ticle, conta que a demanda chegou a US$ 1,1 bilhão, mostrando o apetite dos investidores. “O rebaixamento da nota do Brasil não teve qualquer impacto”, disse. “Não fomos questionados por isso.” Trajetória parecida ocorreu com outras empresas brasileiras que foram ao mercado externo após o rebaixamento da nota do Brasil, em 24 de março. A avaliação é de que a redução já estava no preço das captações.

Além disso, ao mudar de negativo para estável a perspectiva do rating do Brasil, ou seja, indicando que não haverá mudanças na nota em curto prazo, a diretora para a América Latina da Standard & Poor’s (S&P), Lisa Schineller, deu um sinal aos investidores de que o Brasil continuaria no grupo dos países considerados seguros para investir. Os recentes posicionamentos das agências de rating Moody’s e Fitch sobre a qualidade da gestão financeira das empresas brasileiras ajudaram a reverter as expectativas para o ambiente econômico do País e têm contribuído para o fluxo positivo de dólares. “Essa visão positiva não estava na conta do mercado e acabou por realçar a qualidade creditícia das empresas brasileiras”, afirma Leandro Miranda, diretor de renda fixa do Bradesco BBI.

Outros fatores têm contribuído para esse cenário. Um deles é a migração de recursos de fundos de mercados emergentes considerados mais arriscados. Muitos gestores estão saindo de locais com problemas políticos, como o Leste Europeu, palco das disputas entre Rússia e Ucrânia, e buscando rendimentos mais seguros. Nos Estados Unidos, porto seguro dos investidores, os juros dos títulos públicos só devem começar a subir em 2015, o que ajuda a canalizar recursos para títulos de emissores brasileiros. “Atualmente, a oferta de ativos é menor do que a demanda dos investidores”, diz Miranda. “Quem acessar o mercado agora vai encontrar melhores condições.”

Apesar do cenário positivo, há um perfil de emissão no Exterior que encontra mais garantia de êxito. São as operações de maior volume e de empresas com bom risco de crédito. Nesse perfil, enquadram-se as recentes operações do Banco do Brasil (US$ 1,4 bilhão) e da Gerdau (US$ 500 milhões), feitas também após o rebaixamento da nota do Brasil. Outro caso é o da Votorantim Cimentos, que captou o equivalente a quase US$ 900 milhões e alongou o prazo de sua dívida, com mudanças nas garantias oferecidas. Há também aquelas que não possuem a classificação de grau de investimento, mas que possuem um histórico de emissões, como a própria Minerva.

Para o chefe de captações externas do BTG Pactual, Sandy Severino, o cenário atual e o esperado para os próximos meses estão melhores do que os encontrados pelas empresas brasileiras em janeiro e fevereiro, quando a avaliação era negativa para os emergentes em geral. “A liquidez está boa, embora o mercado esteja concentrado em emissões maiores”, diz Severino. No entanto, pelo lado dos clientes, o clima ainda é de cautela. “As empresas não acreditam que esse cenário seja para sempre e, por isso, estão antecipando operações.” Outras instituições financeiras que coordenam esse tipo de operação também veem clientes menos otimistas do que os investidores lá de fora.

“A imagem interna do País parece muito pior do que a externa”, diz Renato Otranto, superintendente do BES Investimentos. Essa diferença de humores também tem reflexos na cotação do dólar. No início do ano, a expectativa era de que a moeda norte-americana pudesse chegar a R$ 2,45 ou a R$ 2,50. Mas houve uma reversão nas últimas semanas e, agora, o dólar está abaixo dos R$ 2,25. Parte desse movimento se deve à entrada de recursos das captações externas. Além disso, os investidores estrangeiros estão aplicando mais no Brasil, uma vez que a alta da Selic para 11% ao ano – era 7,25% há um ano – elevou a rentabilidade da renda fixa. O diretor da corretora Pionner, João Medeiros, lembra que os títulos do Tesouro americano de dez anos estão pagando 2,70% ao ano.

Para ele, mes­mo com os custos que recaem sobre o investidor estrangeiro no Brasil, é possível ter um rendimento de pelo menos 7% ao ano. “É uma boa diferença em relação ao que se consegue nos Estados Unidos e isso aumenta a atratividade”, afirma Medeiros. E, se ainda não está claro como será o fim do ano, é certo que até as eleições de outubro o cenário deverá ser positivo para as movimentações das empresas. Bruno Lavieri, economista da Tendências Consultoria especializado em câmbio, lembra que a recuperação mais lenta da economia dos Estados Unidos deve ajudar no fluxo de dólares para cá. “Não devemos ter grandes reviravoltas por aqui, apenas um pouco mais de volatilidade perto das eleições”, diz.