19/08/2022 - 0:05
Imagine-se na posição de CEO de uma empresa de condimentos prestes a lançar um produto no mercado. Qual canal escolheria para apresentá-lo ao consumidor? Talvez uma campanha maciça de degustação em pontos de venda pelo maior número possível dos 5,8 mil municípios brasileiros. A Kraft Heinz Brasil pensou nisso, mas escolheu caminho diferente para divulgar sua maionese sabor alho tostado com ervas. A comercialização ocorreu com exclusividade por mais de uma semana na Amazon, a gigante americana do e-commerce. O resultado foi um sucesso. Todo o estoque disponível esgotou.
Esse exemplo ilustra o atual momento da Heinz no País. A empresa tem crescido tanto organicamente quanto por aquisições. Fez investimentos para aumentar a produção e o portfólio, ampliou o poder de distribuição e tem se aproximado de hamburguerias e influenciadores digitais para fortalecer o branding. Tudo isso sem negligenciar o potencial das vendas on-line, como no caso da ação na Amazon.

A operação brasileira foi uma das que mais recebeu atenção e recursos da matriz nos Estados Unidos nos últimos anos, em uma estratégia de expansão da companhia para países emergentes. O Brasil está no Top 10 dos maiores mercados da empresa, que faturou globalmente US$ 26 bilhões ano passado, com lucro líquido de US$ 1,012 bilhão — aumento em relação ao ano anterior de 184%. Fora da América do Norte, a líder nacional em ketchup e molhos prontos vendeu US$ 5,6 bilhões, crescimento de 6,5%. “Começamos a ganhar força no País, com uma expansão importante, e o Brasil passou a ser relevante para a companhia”, disse à DINHEIRO Fernando Rosa, presidente da Kraft Heinz Brasil.
A fusão da Kraft com Heinz, em 2015, criou a quinta maior do mundo no setor alimentício. Depois da chegada do português Miguel Patrício como CEO global, em julho de 2019, a companhia passou a fazer aquisições. Duas delas no País: a Hemmer, de Blumenau (SC), especializada em alimentos em conserva, condimentos, azeites e bebidas, e 65% da BR Spices, de Jandira (SP), com mais de 70 produtos para categorias como churrasco, gourmet e fit. “O Brasil é protagonista na estratégia de avançar em mercados emergentes e vem ganhando bastante força”, afirmou Rosa, sem revelar os valores das duas aquisições.
A Hemmer tem papel importante nos planos da companhia em dois aspectos. Primeiro, para que o grupo amplie sua atuação geograficamente. Os produtos Heinz devem chegar em maior volume no Sul do País e os itens da Hemmer devem ganhar as prateleiras do Sudeste e outras regiões. Há inclusive perspectiva de aumentar as exportações da marca catarinense, de 107 anos, que hoje são pouco relevantes. O segundo aspecto é a complementariedade. Será lançado em outubro um molho de tomate Hemmer. Assim, o grupo fecha um ciclo do segmento com molhos Heinz para um mercado premium, Hemmer para o intermediário e Quero, de característica popular. Adquirida em 2011, a Quero marcou o início da produção da Heinz no Brasil. Até então, tudo o que ela vendia aqui era importado.
A BR Spices também possui função importante na estratégia da companhia. Além de inserir a Heinz na categoria de temperos, a empresa paulista funciona como uma startup de alimentos e ensina a bilionária americana a se movimentar de maneira mais ágil, com inovação e insights. “As trocas têm sido ricas”, disse Rosa. Uma das contribuições da BR Spices é a maior rapidez na formulação de novos produtos. A maionese saborizada com alho, citada no início desta reportagem, é um exemplo. Entre o surgimento da ideia até o produto chegar às gôndolas foram pouco mais de seis meses. Normalmente, levaria o dobro do tempo. Os sabores (alho tostado com ervas ou páprica defumada) são exclusivos para comercialização no mercado brasileiro, prova de que a Heinz prioriza a operação local. A maionese, inclusive, é um capítulo à parte nessa trajetória. As novidades, que incluem o lançamento de um sachê de 7g de maionese da Hemmer em breve, visam combater a atual líder de mercado Hellmann’s, da Unilever.

DIFERENCIAIS Segundo Rodrigo Catani, head de potencializar vendas da AGR Consultores, havia alguns anos a marca Hellmann’s reinava absoluta, até que a Heinz entrou no jogo. “A briga é grande, principalmente pelos melhores espaços nas gôndolas dos supermercados”, disse. A busca agora é por diferenciais. Toda a linha de maionese da Heinz passou a ser produzida a partir de ovos caipiras. Alguns fornecedores foram trocados e outros requalificados, processo que levou dois anos para ser concluído. Com isso, garantiu o selo Certified Humane, da organização internacional Humane Farm Animal Care (HFAC), que atesta compromissos de boas práticas de bem-estar animal.
Além das aquisições de empresas, em 2018 foram aportados US$ 150 milhões na construção de uma fábrica em Nerópolis (GO). Antes dos avanços em M&A e da nova planta, eram 170 itens no portfólio da Heinz no mercado nacional. Agora são aproximadamente 400. Para o consultor Catani, “o caminho da Heinz parece muito bem estruturado” em um mercado bastante competitivo. “Eles têm marcas com posicionamentos distintos para atender diferentes segmentos”, afirmou o especialista em go-to-market, redesenho de modelos de negócios e reestruturação organizacional.
Para suportar o atual crescimento e fazer com que os produtos da marca Heinz cheguem à despensa do consumidor assim como estão as latas de milho da marca Quero (com 80% de share), o trabalho será intenso na melhoria da distribuição. O CEO Fernando Rosa usou seu know-how e networking das suas passagens por Danone, McCain Foods e PepsiCo para fechar contratos de entrega com os principais distribuidores de cada região do País. “Começamos essa jornada em 2019. De lá para cá, triplicamos os pontos de venda do grupo. Apenas da marca Heinz quintuplicamos”, disse. O segundo movimento importante do executivo, que está na empresa desde junho de 2018 e assumiu o comando em dezembro de 2020, foi fazer com que o consumidor conhecesse de forma mais massiva a Heinz, que até então estava presente na mesa das classes mais altas.

Essa penetração exige forte investimento emmarketing. Depois de grandes ações de publicidade, como a de 2018, quando foi montado na cidade de Boituva (SP) um rótulo do ketchup Heinz do tamanho de um campo de futebol — considerado o maior do mundo — a empresa tem apostado em outro modelo para ganhar visibilidade. O projeto intitulado Heinz Selection elege algumas hamburguerias para que sejam assinadas pela marca. Placas são colocadas no ambiente, o uniforme dos funcionários leva o logotipo da marca e os molhos Heinz estão na mesa dos clientes. “É uma chancela nossa”, afirmou o presidente. O Heinz Selection começou em São Paulo e foi ampliado para Minas Gerais e Rio de Janeiro e vai ganhar espaço em outras regiões. São 50 estabelecimentos parceiros até agora.
Há ainda ativações de marketing com influenciadores. Uma das mais recentes foi com Casimiro, um dos maiores streamers do Brasil. Ele fez uma live em que os seguidores enviavam fotos de hambúrgueres para sua aprovação. Foram escolhidos três lanches que posteriormente entraram no cardápio do Ia Dentro Truck, lanchonete móvel da Heinz que ficou alguns dias de julho no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, e no Bar da Calçada Lagoa, no Rio de Janeiro.
Esse apetite por negócios no Brasil tem um motivo. Em 2018, a empresa teve prejuízo de US$ 10,2 bilhões, no mesmo momento em que era investigada pela Securities and Exchange Commission (SEC), órgão de controle do mercado de capitais nos Estados Unidos. Problemas foram detectados na área de compras, sobre as políticas contábeis, procedimentos e controles internos. No ano seguinte, voltou ao lucro: R$ 1,9 bilhão. Controlada pela Berkshire Hathaway, do megainvestidor Warren Buffett, a Kraft Heinz tem como segundo maior acionista o 3G Capital, do brasileiro Jorge Paulo Lemann. E o Brasil tem contribuído para manter a companhia no azul. Vermelho mesmo só o dos molhos e ketchups da marca.
ENTREVISTA: Fernando Rosa, presidente da Kraft Heinz Brasil
“Com pressão de custos, inflação, temos de repassar preços, não tem jeito”

Qual o atual momento da empresa?
É o melhor momento. Estamos crescendo bastante, ganhamos musculatura. Temos uma boa distribuição, uma marca conhecida, colaboradores conectados. Agora precisamos melhorar a eficiência operacional. No meio de alta das commodities, conflitos globais, pandemia e inflação alta, quem não tem a melhor cadeia de supply chain vai perder o jogo.
Como passaram pela pandemia?
Os restaurantes ficaram prejudicados, mas a demanda do varejo explodiu. Passou melhor pela pandemia quem estava mais preparado. E nós estávamos. O consumidor passou a acessar marcas de credibilidade. A Heinz e a Quero entraram nessa agenda. Nossa distribuição e nosso market share aumentaram. Montamos o e-commerce no fim de 2019 para atender as vendas B2B de forma mais especializada. Aí vem a pandemia. Estávamos preparados. O Magalu não tinha relação nenhuma comercial com a gente. Hoje é um dos clientes mais importantes. A venda de alimentos pelos canais digitais começou a fazer sentido.
Quais os desafios pela frente?
Com pressão de custos, inflação, temos de repassar preços, não tem jeito. Alguns optam por piorar o produto. A gente tomou a decisão de não abrir mão da qualidade. Um desejo forte do consumidor é comprar conscientemente, saber de onde vem o produto, com o que a marca se preocupa.
Está nos planos construir mais uma fábrica?
Agora estamos integrando as três companhias (Quero, Hemmer e BR Spices). Até alguns meses atrás nós tínhamos duas fábricas. Hoje temos quatro: uma em Blumenau (SC) da Hemmer, uma em Jandira (SP) da BR Spice e duas em Nerópolis (GO). Com isso a gente tem potencial de crescer e ganhar mais relevância e escala no Brasil.
Estar atento a inovações e lançar produtos tem sido uma característica da empresa nos últimos anos…
Nós promovemos ainda mais o ketchup tradicional e também novos produtos. O sabor picles, lançado ano passado, foi sucesso absoluto. O sabor bacon, em 2018, também foi bem. Descobrimos que o consumidor de ketchup foi buscar novos sabores, como também o consumidor que não saboreava ketchup foi experimentar e adorou. A categoria cresceu e ganhamos em share. Esperamos que aconteça agora com a maionese. E estamos tomando a decisão de entrar na categoria de molhos com a marca Hemmer.
Como é o acompanhamento da produção de tomates?
Existe parte do tempo que gastamos no campo. Assim temos garantia de qualidade. Mandamos a semente, controlamos tudo. É o primeiro passo da sinergia e potencial da companhia. Isso agora é levado também para a Hemmer. Nossa grande conta é 1 + 1 virar 3.