Na última década, a China protagonizou a mais espetacular história de desenvolvimento já vista. O país cresceu a um ritmo superior a 10% com um modelo econômico ancorado num pilar: a moeda desvalorizada. O país aprendeu a produzir todo tipo de mercadoria em escala global. Graças a isso, acumulou reservas de US$ 2,5 trilhões e se tornou uma espécie de grande fábrica do mundo.

 

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Este modelo, no entanto, também gerou distorções e, na semana passada, talvez tenha chegado ao esgotamento. Na segunda-feira 21, o Banco Popular da China anunciou novas regras para o yuan, que poderá se valorizar frente ao dólar. Uma boa notícia. A decisão era uma antiga cobrança do presidente americano Barack Obama, da premiê alemã Angela Merkel e até mesmo de autoridades econômicas brasileiras, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

A flexibilização também tira a China da linha de tiro do G-20, que se reúne na próxima semana e afina o coro para pressionar economias que têm enfrentado melhor a crise, como Brasil e China, a estimular seus mercados internos para puxar a recuperação da atividade mundial.

Esse novo equilíbrio chinês pode ser especialmente bom para o Brasil, cuja participação no comércio mundial caiu de 3% para 1,5% em 15 anos, em razão principalmente da concorrência chinesa. Com uma moeda mais valorizada, os chineses tendem a turbinar o consumo interno, tanto de produtos locais como de importados. E eles têm um trunfo que nenhum outro país possui: um mercado de 1,4 bilhão de pessoas, o equivalente a sete vezes a população brasileira.

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Essa fome de consumo deve ser boa para o Brasil. No ano passado, a China assumiu a posição de principal parceiro do País ao promover uma corrente de comércio de US$ 36,1 bilhões, dos quais US$ 20,2 bilhões corresponderam às exportações brasileiras e os US$ 15,9 bilhões restantes aos produtos e serviços made in China adquiridos pelo Brasil. “Inicialmente, o impacto pode não ser pequeno. Mas no médio prazo abre-se um novo ciclo na economia mundial e, em especial, para nós”, diz o professor da PUC-SP, Silvio Miyazaki.

O afrouxamento do câmbio chinês significa muito para a economia global e, no Brasil, algumas atividades serão duplamente beneficiadas. É o caso do setor calçadista. O encarecimento da moeda chinesa reduz a grande vantagem de custo da China, que agora, pressionada pela alta dos salários e pela valorização de sua moeda, deixa em situação mais confortável os concorrentes nacionais.

Por outro lado, a China se torna mais sedutora aos exportadores brasileiros. “Vamos multiplicar por quatro nossas vendas nos próximos dois anos”, afirma Moema Pimentel, diretora da Anatomic Gel, empresa brasileira de calçados de luxo fabricados em Franca, interior paulista.

A marca já é a vice-líder no mercado britânico e enxerga a China como a grande aposta para multiplicar as vendas no mundo. “Já vamos embarcar para a China em julho para fechar novas parcerias”, completa a executiva. O movimento é o mesmo definido pela direção da Via Uno, marca gaúcha de calçados que possui mais de 100 lojas no exterior. “Agora vamos acelerar nossa ida para o mercado chinês”, garante o diretor Paulo Kieling.

O medo dos empresários brasileiros com a concorrência chinesa também deve começar a diminuir. “Contra a Ásia, existiam três alternativas: se entrincheirar, se adaptar ou se transformar. A primeira alternativa é a pior delas”, diz o presidente da Asia Pulp & Paper Brasil, Geraldo Ferreira. “Ainda mais agora, a China produzirá para nós mais oportunidades do que ameaças.”

Existem, no entanto, temores de que a decisão possa gerar uma inflação em escala global, diante do encarecimento dos produtos chineses, que respondem por 43% de toda a produção industrial do planeta. “A valorização do yuan deverá acontecer milimetricamente calculada para não levar o mundo ao buraco”, diz o economista Roberval Sampaio, da Fundação de Sociologia e Política de São Paulo. “Mas se for bem feita, poderá fazer muito bem à economia mundial”, completa.