27/12/2013 - 21:00
O economista e engenheiro Luiz Carlos Mendonça de Barros ingressou em 2013 no mercado automotivo. Virou sócio de uma operação de caminhões chineses no Brasil da marca Foton. A língua afiada do ex-ministro das Comunicações continua a mesma. Em entrevista à DINHEIRO, Mendonça de Barros não poupou críticas nem aos tucanos. “O apagão foi o grande erro do Fernando Henrique”, afirma ele, que finalizou a desestatização da Telebras iniciada por Sérgio Motta e ainda fica ouriçado quando o assunto é privatização. “O governo do PT sempre vai dizer que a privatização do FHC era entregar tudo para a iniciativa privada e que a dele é diferente, mas não tem diferença alguma.”
Qual a grande lição do Plano Cruzado para o Plano Real?
Apenas uma pessoa, um político, entendeu a mensagem das ruas durante o Cruzado: Fernando Henrique Cardoso. Qual era ela? A euforia do brasileiro com a inflação baixa. Eu vi uma fotografia de um negro em uma escada rolante com um “velotrol” em cada mão. Quando bati o olho, pensei: “Vai dar m., esse cara não pode comprar duas coisas ao mesmo tempo.” E deu. Viagens de avião sendo adquiridas, virou uma euforia. Por quê? Porque a renda cresceu 40% imediatamente. Era como se alguém tivesse conseguido um aumento de 40% no salário. O Fernando Henrique viu isso e percebeu duas coisas: que a inflação era um grande problema nosso e quem resolvesse a inflação viraria o presidente do Brasil.
Por que o Plano Real não teve o mesmo efeito “velotrol”?
Não teve, pois os juros foram lá para cima. O Plano Real procurou corrigir tudo aquilo que deu errado no Cruzado. A coisa mais importante: em vez de congelar preço, se fez a URV.
Se o Plano Real foi um sucesso, como o então candidato Lula conseguiu vencer o PSDB em 2002?
No governo FHC, por uma série de razões, a renda estabilizou e ficou constante. Então, na eleição de 2002, a sensação da sociedade era de que fazia oito anos que a renda não crescia. Com isso, decidiram mudar e votaram no Lula. Só que o Lula manteve a mesma política macro, pôs o (Henrique) Meirelles para cuidar de tudo, pegou o vento de popa, que é o termo de troca do Brasil, e a economia voltou a crescer. O Lula foi muito esperto, viu que daria certo e não mexeu em nada.
No período FHC, faltou o vento externo?
Sim, mas tem outra coisa: o FHC estava fazendo transformações. Ele estava mexendo na parte fiscal e toda a energia do governo estava focada em arrumar estruturalmente o País e evitar o que aconteceu com o Sarney. Ele fez reformas. O Lula não reformou coisa nenhuma.
Então o presidente Lula deu sorte?
Sim, mas aí está o problema: o Lula não fez mais reformas. Quando o Lula tomou posse, o desemprego era de 12%. Sobrava mão de obra para contratar, sem mexer no salário. A Dilma pegou o osso. Pegou o desemprego lá embaixo, com pressão de salário, e pegou os termos de troca lá embaixo, com pressão sobre o PIB, e o crédito no teto, com o brasileiro tendo de pagar dívidas.
Qual foi o erro do governo Dilma Rousseff? Pensar que era infinito esse consumo?
O grande erro da equipe econômica do PT foi não ter olhado isso. Não estamos à beira de um precipício. O nosso termo de troca já começou a subir. O crescimento chinês está reorganizado e isso vai ajudar o PIB brasileiro em 2014.
O presidente Fernando Henrique não cometeu nenhum erro?
O apagão foi o grande erro do Fernando Henrique e poderia ter sido evitado com uma política energética. O problema foi que ele estava tentando transformar o setor energético em um setor privado e segurar os investimentos das estatais. O Brasil tem dois polos de chuva: o Norte e o Sul/Sudeste. E tem grandes parques de geração de energia, que não estavam ligados um com o outro. Então, quando faltava chuva aqui e sobrava lá, você não conseguia unir. Era um investimento vagabundo que poderia ter sido feito.
E o câmbio? O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco diz que o câmbio dele era tão valorizado quanto o câmbio de hoje…
Isso aí não tem a menor importância. Tem importância para ele tentar mudar a história dele. É uma pessoa muito inteligente, mas foi um erro danado, e o erro foi do Fernando Henrique, afinal o Gustavo era novo. E havia economistas, como o Zé Roberto (José Roberto Mendonça de Barros), que sempre foram críticos disso. Não é que estava errado valorizar o câmbio, mas foi longe demais.
Qual foi a importância do Proer?
O Proer foi fundamental e mostra que o mercado bancário brasileiro agora é sólido. Quebra um banco ou outro como em qualquer lugar do mundo e isso foi muito importante. E teve a privatização da Vale, da Telebras. Imagine se tivéssemos a Telebras até hoje? Não teríamos nada do que temos hoje. Falam que a Vale foi vendida a preço de banana. Realmente, a Vale foi vendida barato porque não valia nada. Mas se você pegar o que ela gerou de imposto…
A privatização das telecomunicações sempre está nos debates eleitorais. O tema pegou nas últimas eleições…
Pegou, mas agora eles (a oposição) estão tendo de tratar de maneira diferente. Fazem privatização de estradas, mas mudaram os nomes. O Sérgio Motta sempre dizia: “Não podemos ver a privatização da seguinte forma: o governo é uma porcaria e o setor privado é um santo.” Se você deixar o setor privado solto, ele vai roubar até as calças. O segredo é ter as agências reguladoras. Se não fazem esse papel, deveriam fazer. De certa forma, até que fazem isso.
Como vê as concessões de infraestrutura?
Agora estão acertando. Eu tinha uma cozinheira na família e, quando tínhamos que matar um frango, ela primeiro jogava um milho para chamar todo mundo, escolhia o melhor, matava e comia. Privatização é a mesma coisa. Tem que dar o preço mínimo, que representa uma rentabilidade gorda, acima do mínimo necessário. Ao fazer isso, você chama empresas que concorrem entre si e aumentam a proposta. Eles vão sempre espernear e inventar uma desculpa, “porque naquela época estava errado”. Errado nada.
Olhando para a frente, qual deveria ser o Plano Real do Brasil?
O Brasil precisa de uma gestão macroeconômica adequada. Nos últimos 17 anos, nós crescemos 4,7% ao ano. Isso é um sucesso. Não dá para separar: não é tucano nem petista. É um sucesso partilhado pelos dois em cima de uma sociedade e de uma imprensa que sempre pressionaram. Só que isso acabou. Por quê? Porque acaba. Estamos com a demanda muito à frente da oferta. A crítica é a falta de investimento, principalmente do governo Lula. Mas deixa para lá, isso passou.