02/11/2011 - 21:00
Na madrugada da quinta-feira 27, enquanto manifestantes protestavam contra a ganância dos banqueiros e de Wall Street e acampavam em centros de cidades como Nova York, Oakland, Chicago e Londres, presidentes e primeiros-ministros da zona do euro se congratularam mutuamente, depois de dez horas de reunião para decidir o futuro da dívida grega. Eles se comprometeram a capitalizar e adotar regras mais rigorosas para o sistema financeiro e jogaram para os bancos privados parte da fatura da crise que paralisa o Velho Mundo: credores de boa parte da dívida grega, os bancos serão obrigados a aceitar um calote de E 100 bilhões (R$ 240 bilhões) ou metade do que deveriam receber. As vozes das ruas foram ouvidas? Pode ser. O resultado, sem dúvida, foi influenciado pelo desorganizado e barulhento movimento global contra o socorro dos governos ao sistema financeiro desde 2008, num momento em que a população dos países em crise paga o alto preço do desemprego e do desalento. Os bancos, afinal, tiveram de dar sua cota de sacrifício nesta segunda etapa da crise. “Os credores privados farão um esforço voluntário de 50%”, anunciou, animado, o presidente francês Nicolas Sarkozy ao fim da reunião em Bruxelas.
Ocupem Wall Street: indignação contra ajuda aos bancos alastrou-se pelo mundo
“Não chamamos os bancos para negociar, mas para informar nossa posição.” A alternativa para os banqueiros seria o calote de 100%, acrescentou o presidente francês. “É uma nova era que se abre para a Grécia”, afirmou o primeiro-ministro, Georges Papandreou, que sinalizou com a estatização temporária de bancos gregos. Com a medida, a dívida grega, estimada em € 350 bilhões, cai para € 250 bilhões e deve diminuir dos atuais 165,6% em relação ao PIB para 120% em 2020. “Ficamos à altura das expectativas e fizemos o que era preciso pelo euro”, disse a chanceler alemã, Angela Merkel. Sem saída, os bancos negociaram arduamente com as autoridades europeias, mas aceitaram, resignados, os termos do acordo. Charles Dallara, diretor do Instituto de Finanças Internacional, disse que o pacote era bem-vindo e, em nome dos investidores privados, concordou em desenvolver um acordo voluntário com a Grécia e aceitar o calote de 50% do valor da dívida. “O objetivo é estabilizar a Europa, fortalecer o sistema bancário europeu e apoiar o esforço da Grécia para as reformas”, afirmou.
Protestos: manifestantes em Atenas e em Nova York (parte debaixo) contra a assistência social aos banqueiros
As tensões nas ruas e nos gabinetes oficiais, no entanto, estão longe de acabar. Embora represente um alívio, o acordo já começa a ser considerado ambicioso demais para ser efetivado em pouco tempo. Além disso, vai exigir mais sacrifícios dos gregos, que terão que conviver com os cortes nos gastos públicos exigidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no pacote anterior de ajuda, de € 110 bilhões. Num primeiro momento, a notícia do acordo foi bem recebida pelo mercado financeiro, como um sinal importante da disposição da Europa em atacar o problema fiscal das economias mais frágeis do continente. As bolsas subiram na Europa, na Ásia, nos Estados Unidos e no Brasil, onde o dólar também caiu 2,93% e fechou na quinta-feira 27 a R$ 1,70. Mas a falta de definição sobre como implementar as ideias acordadas deixou até o ministro da Fazenda, Guido Mantega, sem saber direito se já podia comemorar uma luz no fim do túnel.
“É uma proposta, mas carece de detalhes”, disse ele na mesma quinta-feira. “Na ausência desses detalhes, o mercado está comemorando o aceno para um consenso entre as autoridades europeias”, diz o estrategista-chefe da América Latina do banco WestLB, Luciano Rostagno. O problema é que persiste o ceticismo sobre a capacidade de a Grécia colocar suas contas em ordem e ao mesmo tempo voltar a crescer. O país está em recessão desde 2008, quando o PIB contraiu 0,2%. Nos anos seguintes, a queda foi de 3,3% em 2009, 3,5% no ano passado e a previsão é de que o número se repita neste ano. “Não tenho certeza se esse acordo será suficiente para restaurar a viabilidade da Grécia, já que não vejo a fonte de um crescimento futuro”, afirmou à DINHEIRO o economista John Williamson, pesquisador do Instituto de Economia Internacional, sediado em Washington. “O problema fundamental é a falta de demanda por produtos da Grécia e de outros países vulneráveis, como Portugal, e não acho que seja possível fazer alguma coisa para mudar isso”, avalia Williamson.
Para o economista Marcio Sette Fortes, professor de Relações Internacionais do Ibmec-Rio, o acordo é “uma tentativa de consertar algo que não tem conserto”. Ele lembra que, mesmo caindo para 120% do PIB, a dívida grega ainda é o dobro do previsto no Tratado de Maastrich, que criou a União Europeia e os critérios macroeconômicos para os países que desejassem se integrar à moeda única. O problema, diz ele, é que o bloco criou critérios de responsabilidade fiscal, mas não um órgão para fiscalizar a sua aplicação. “O risco é o comprometimento do euro. Uma moeda reflete a saúde da economia – ou a falta dela, como está acontecendo agora com vários países europeus”, afirmou à DINHEIRO. O ministro Guido Mantega diz que é preciso tempo para que as medidas sejam colocadas em prática, mas alerta que o tempo também pode jogar contra o sucesso do plano. “Não sei se eles terão tempo antes que haja deterioração da economia mundial. As medidas são boas, mas não sei se são suficientes”, afirmou o ministro.
No dia anterior ao acordo, Mantega havia descartado a participação do Brasil na compra de títulos europeus, como chegou a ser considerado entre autoridades europeias. “Acredito que os países europeus não precisam de ajuda no mercado da dívida”, disse. O ministro não descartou um novo aporte de recursos brasileiros ao sistema internacional, mas disse que, se ocorrer, será feito através do FMI e somente se a instituição mantiver o programa de aumento das cotas dos emergentes e aumentar a participação brasileira no capital – e no poder de voto – do Fundo. O próximo passo será dado num foro com participação brasileira, a reunião do G-20 em Cannes, na França, nesta semana. A presidente Dilma Rousseff vai reiterar sua posição de que é preciso buscar soluções em conjunto e que o Estado tem um papel importante na reativação das economias. Dilma vai defender mais pacotes de estímulo para os países que ainda estão patinando e afirmar que é preciso destravar negociações comerciais – como a Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, nunca concluída – para estimular o comércio. Como em poucas vezes se viu, mesmo com a economia desacelerando e num ritmo mais próximo de 3% para este ano, o Brasil estará no seleto grupo dos que podem ostentar contas em ordem e crescimento econômico.
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“Estamos todos no mesmo barco”
Zaki Laidi, diretor de pesquisa do Centro de Estudos Europeus, falou à DINHEIRO:
O economista francês Zaki Laidi, diretor de pesquisa do Centro de Estudos Europeus do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Science-Po), vê com otimismo a situação dos países emergentes na economia mundial, mas alerta que eles não vão conseguir crescer se houver o colapso dos países desenvolvidos. Ele espera que a reunião do G-20, nesta semana, na França, traga uma nova liderança para começar a resolver a crise.
Para onde a economia mundial está indo no momento?
É tudo muito incerto. Ninguém sabe direito o que vai acontecer, a não ser que os países emergentes estejam tendo um bom nível de crescimento.
A crise pode ser uma oportunidade para os emergentes, principalmente o Brasil?
Há, claro, oportunidades para o Brasil porque os países desenvolvidos estão dependendo dos emergentes para “salvar” o crescimento mundial. Não é apenas uma oportunidade, é uma responsabilidade, de liderar o crescimento e também de alertar os Estados Unidos e a Europa para agir de forma a evitar um colapso. E o melhor local para isso é o encontro do G-20.
Nesse cenário, os Brics estão mais protegidos?
Eles não estão blindados, embora estejam numa posição relativamente forte. Mas sabem que, se houver um colapso na Europa ou nos Estados Unidos, onde o crescimento é fraco, haverá um impacto sobre suas economias. Ou seja, estamos todos no mesmo barco. Os Brics têm um importante papel político a desempenhar, pois há um problema crucial de falta de liderança na Europa. Precisamos fazer mais para evitar uma nova crise.