O livro Arte da Guerra, uma das cartilhas militares mais estudadas de todos os tempos, escrita pelo chinês Sun Tzu há dois mil anos, afirma que o maior erro que se pode cometer em um confronto é subestimar o inimigo. Ao imaginar que o oponente é mais fraco, o suposto mais forte cairá em uma armadilha. Foi o que aconteceu com o Brasil. Se o conselho de Tzu tivesse sido acatado pela presidente Dilma Rousseff e sua equipe, uma catástrofe teria sido evitada.

De acordo com estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1,5 milhão de brasileiros se contaminarão com zika vírus neste ano, e outros cerca de 16 mil bebês nascerão com microcefalia, doença que resulta em deficiência mental, causada pelo subdesenvolvimento do crânio e do cérebro do feto durante a gestação. “Estamos perdendo feio a batalha para o mosquito”, admitiu o ministro da Saúde, Marcelo Castro, na segunda-feira 25, em uma das poucas declarações feitas por um integrante do governo federal nos últimos meses. “Nós já estamos com esse mosquito há três décadas no País.”

Uma prova de que o Brasil, de fato, negligenciou o perigo do Aedes aegypti, o mesmo transmissor da dengue e da febre chikungunya, e de que demorou para perceber a gravidade da situação que se aproxima, foi a repercussão mundial da proliferação da doença. A OMS já cogita declarar o alerta de pandemia, elevando ao mais alto nível de atenção. Na semana passada, o presidente americano Barack Obama reconheceu publicamente que está preocupado que o zika se torne um problema nos Estados Unidos no verão, especialmente nos Estados do Sul.

Um dia depois, na quinta-feira 28, sete casos foram confirmados em Nova York. Houve um registro confirmado também na Dinamarca. Em Moscou, o presidente Vladmir Putin classificou o zika como “uma porcaria vinda da América Latina”, e alertou turistas russos para o risco de contaminação em visitas à região. A preocupação faz sentido. O Brasil espera receber 1 milhão de turistas estrangeiros durante os Jogos Olímpicos do Rio. “O nível de alerta do zika passou de moderado, no início deste ano, para alarmante”, disse a diretora-geral da OMS, Margaret Chan. 

A entidade credita que apenas o gelado Canadá e o isolado Chile, blindado pela cordilheira dos Andes e o Oceano Pacífico, ficarão livres do vírus nas Américas. Todos os demais países do continente terão aproximadamente 4 milhões de casos durante o ano. A contaminação do zika à economia será inevitável. Embora não existam dados oficiais a respeito do impacto do surto nos negócios, companhias aéreas internacionais estão autorizando o cancelamento de passagens para o Brasil por mulheres grávidas e familiares.

Alguns países europeus, como Noruega, França, Suécia e Holanda, já estão orientando seus cidadãos a evitar viagens a locais onde a doença está fora de controle. A revista britânica The Economist publicou uma reportagem em que mostra o Brasil como o principal exportador da doença na América Latina. Tardiamente, o governo determinou, na quarta-feira 27, a atuação de 220 mil militares no combate ao Aedes aegypti. Os soldados visitarão 356 municípios em todos os Estados em busca de focos de proliferação do inseto.

Numa primeira etapa, eles entregarão panfletos com orientações para evitar a procriação do mosquito e visitarão casas para fazer inspeções. A ofensiva do exército ganhou status de urgência. Entre dezembro de 2015 e janeiro deste ano, o Brasil registrou 3.893 casos de microcefalia, sendo 87,4% das ocorrências no Nordeste. Pernambuco lidera o ranking, com 1,3 mil casos. O Sudeste tem 240 casos suspeitos, dos quais 122 são no Rio de Janeiro. “O Brasil já está utilizando todos os instrumentos possíveis para combater o mosquito”, disse o diretor de Vigilância de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde do Brasil, Cláudio Maierovitch.

Como parte do esforço contra a pandemia de zika, o governo solicitou aos 30 maiores laboratórios fabricantes de repelentes no País que informem sua capacidade de produção. A ideia é distribuir o produto gratuitamente a 400 mil grávidas beneficiárias do Bolsa Família. As mães de crianças diagnosticadas com microcefalia também terão acesso a um auxílio mensal de um salário mínimo, benefício que já vem sendo chamado de Bolsa Microcefalia. “A situação é trágica”, afirma a especialista em medicina fetal da UFMG, Regiane Nunes.

“Se o governo quis economizar nas ações de combate ao mosquito, agora terá de enfrentar um custo político e social irreparável.” Os números provam que o surto de zika não é falta de sorte, mas incompetência nas políticas públicas de combate ao mosquito transmissor. Em 2013, o governo federal repassou R$ 362,4 milhões aos municípios para ações de combates ao Aedes aegypti. Um ano depois, os recursos caíram para R$ 150 milhões. Em 2015, o dinheiro não passou de R$ 143,7 milhões.

“Essa redução orçamentária é calamitosa e limita qualquer ação efetiva de combate ao mosquito”, afirma Artur Timerman, presidente da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses. Na quinta-feira 28, Dilma fez um apelo aos 90 empresários membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o Conselhão, para que mobilizem toda a sua base no combate ao Aedes aegypti. “Um mosquito não pode ser, e não é, mais forte que um país inteiro”, disse. Está sendo, presidente.