26/02/2016 - 20:00
Para explicar sua decisão de apoiar a saída do Reino Unido da União Europeia, o prefeito de Londres, Boris Johnson, mostrou como algumas convenções do bloco podem ser irritantes e estúpidas: os padrões europeus proíbem a reciclagem de sacos de chá e limitam a potência de aspiradores de pó. Embora nem tão precisos e relevantes, os exemplos tentam traduzir a insatisfação dos britânicos com decisões tomadas em conjunto com os demais países e não necessariamente de acordo com aquilo que pensam.
A única maneira de mudar isso, segundo Johnson, visto como o principal sucessor do premiê David Cameron, seria garantir que o país deixasse o bloco no referendo a ser realizado em julho. O manifesto do líder londrino, publicado na segunda-feira 22, seguiu a confirmação por Cameron, contrário à saída, da data da consulta pública e escancarou o nível de divergências sobre o tema no país – Johnson e Cameron são do mesmo partido – provocando uma nova onda de incertezas na economia.
Na quarta-feira 24, a libra esterlina alcançou o menor valor em sete anos em meio aos alertas do Fundo Monetário Internacional (FMI) de que uma vitória do “sim” pode interromper a recuperação do Reino Unido. Como Johnson, os que defendem o rompimento minimizam os alarmes sobre a economia e sustentam a tese de que é possível se relacionar com o bloco com a mesma intensidade fora dele, com mais independência e autonomia. Não é o que pensa a maioria dos britânicos. Numa das pesquisas recentes sobre o tema, 60% disseram estar insatisfeitos com os termos da União Europeia.
Mas só 30% afirmaram que isso é razão suficiente para justificar o rompimento – 10% ainda estão indecisos. Ou seja, preferem sustentar a visão de que o risco à economia é alto demais para uma experiência do gênero. Como o próprio Cameron colocou: a relação é uma questão complicada, mas é melhor adotar o lado da segurança. Um estudo da London School of Economics estimou que o impacto pode chegar a 3% do PIB em uma eventual ruptura. Os pesquisadores listaram uma série de efeitos negativos contra apenas um positivo, a redução de gastos com as contribuições para o bloco.
O coro sobre os impactos negativos foi engrossado nos últimos dias por grandes companhias britânicas. Presidentes de 36 das 100 maiores empresas do país apelaram, em carta, pela permanência, para não interromper a retomada em curso. No ano passado, o Reino Unido cresceu 2,9% e a expectativa, até então, era de um avanço de 2,2% do PIB neste ano. Os britânicos flertam com uma saída da União Europeia desde que entraram para o bloco, em 1973. Um referendo chegou a ser realizado em 1975, mas a manutenção ganhou por 70%.
O desejo voltou a se manifestar com mais força diante da crise recente dos imigrantes. O referendo, uma promessa de campanha de Cameron, tornou-se realidade após uma negociação de mais de 30 horas, no sábado 20, com membros do bloco para revisar cláusulas que pudessem ampliar a independência britânica. Trata-se de mais uma fissura no projeto de União, moldado há quase 60 anos, e um sinal da crescente onda nacionalista que se espalha pelos países do grupo. “O projeto europeu tendia para um aprofundamento, mas gerou-se um déficit de legitimidade”, afirma o professor da FGV Rio, Evandro Menezes de Carvalho. “Talvez a solução seja um processo mais democrático, para aproximar o processo decisório da população dos países.”
A união passou por teste recente na condução do calote grego, com origem na crise de 2008. A cartilha de austeridade causou revolta no país e quase forçou os gregos para fora da zona do euro. O tema dos refugiados abriu nova margem para o sentimento despertado ali, de que caminhar sozinho talvez possa compensar mais do que em bloco. Não à toa, a consultoria Eurasia colocou a Europa na lista dos maiores riscos à instabilidade política e ao desempenho econômico globais de 2016. O relatório faz um alerta especial ao Reino Unido: “o risco de uma saída está subestimado”. É uma mensagem que o prefeito londrino faz questão de ignorar.