31/07/2015 - 20:00
Quem teve a oportunidade de conversar recentemente com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, notou um certo grau de inquietude no comandante da economia brasileira. Embora jamais perca a serenidade em suas declarações, Levy aparenta estar abatido fisicamente e emocionalmente. E decepcionado com os resultados obtidos até agora. Ele não concorda com a análise de que o ajuste fiscal jogou o País em uma recessão – por sinal, o pacote proposto no início do ano nem sequer foi votado na íntegra no Congresso Nacional.
Na sua avaliação, a queda do PIB decorre dos erros da política econômica adotada nos últimos anos. Nesta altura do ano, o angustiado Levy imaginava que o “serviço sujo” estaria concluído, e que já seriam captados os primeiros sinais de retomada da confiança de empresários e consumidores. O plano era repetir os ajustes feitos em 1999 e 2003, que geraram frutos rapidamente. Mas, desta vez, não deu certo. O fracasso momentâneo do pacote fiscal derrubou ainda mais o ânimo do setor privado, colocou o grau de investimento do Brasil na marca do pênalti e deu início a uma onda silenciosa entre os empresários apelidada de “Feliz 2017”, o que significaria, desde já, considerar 2016 perdido.
Como num jogo de xadrez, Levy sabe que os primeiros movimentos das peças podem definir o xeque-mate. E os movimentos iniciais da economia brasileira, em 2016, serão dados agora, com o esboço do planejamento estratégico e do orçamento das empresas. Para o êxito desse trabalho, alguns indicadores econômicos são fundamentais, como Produto Interno Bruto (PIB), inflação, câmbio e juros. O difícil é encontrar alguma bola de cristal confiável. No começo deste ano, diante do iminente ajuste fiscal, os analistas do mercado financeiro projetavam um crescimento de 1,8% do PIB, em 2016.
Desde então, a deterioração do ambiente político e econômico tem derrubado as estimativas para perto de zero, com algumas instituições prevendo até mesmo um novo resultado negativo. “O cenário para 2016 é de corte de gastos públicos, adiamento do investimento e consumo estável”, afirma Antonio Carlos Machado, presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). “Só a exportação pode salvar a economia.” Se confirmado o resultado negativo do PIB em 2016, será a primeira vez, desde 1930, que o País registrará dois anos seguidos de recessão.
“A política e a economia estão interligadas”, diz Rômulo Dias, presidente da Cielo. “O cenário para 2016 é muito desafiador.” O estado de espírito do empresariado pode ser mensurado pelos resultados de uma pesquisa da consultoria global de gestão de negócios Hay Group, com 301 empresas, publicada com exclusividade pela DINHEIRO. O otimismo que havia no início do ano simplesmente evaporou (leia quadro abaixo). “Está se provando que 2015 é mais complicado do que se imaginava”, diz Gustavo Tavares, diretor do Hay Group.
Para projetar 2016, é preciso acrescentar o potencial destrutivo da atual crise política. Com essa interrogação na cabeça, cerca de 500 empresários e executivos participaram, na segunda-feira 27, de um almoço com o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), em São Paulo. No evento, promovido pelo Grupo de Líderes Empresariais (Lide), ficou clara a guerra política entre Cunha e a presidente Dilma Rousseff. “Covardia não faz parte do meu vocabulário”, afirmou Cunha, que acusa o governo de vazar denúncias de corrupção contra ele no âmbito da Operação Lava Jato, da Polícia Federal.
“Foi uma interferência do Poder Executivo, que todo mundo sabe que não me engole.” Cunha não chegou a ser aclamado pela plateia, mas foi aplaudido algumas vezes. “O nosso aplauso a ele é, na verdade, uma vaia velada à presidente Dilma”, afirmou à DINHEIRO um executivo presente ao encontro. Nesse contexto, o debate sobre um possível impeachment da presidente Dilma deixou de ser um tabu. No cafezinho do evento, o tema era discutido com a mesma naturalidade com que se comentavam os resultados do Campeonato Brasileiro.
Na verdade, a angústia dos empresários sobre a letargia econômica é tanta que a prioridade é resolver logo a crise política. “Estou bastante preocupado”, afirma Carlos Tilkian, presidente da Estrela. “Espero que 2016 não nos deixe com saudades de 2015.” A avaliação unânime do setor produtivo é a de que a execução plena do ajuste fiscal corre sérios riscos diante de um Congresso cada vez mais hostil ao Executivo. “Essa crise política terá reflexo na economia brasileira por muitos anos”, diz Besaliel Botelho, presidente da Bosch.
A temperatura da turbulência política ainda pode aumentar após as manifestações populares previstas para 16 de agosto. “O governo será colocado contra a parede no dia 16”, diz João Doria, presidente do Lide. “Nos últimos 25 anos, nunca vi um clima de tanta desesperança.” O risco de que o Parlamento aprove uma “pauta bomba”, recheada de gastos públicos levou a presidente Dilma a reunir 26 governadores e um vice-governador, em Brasília, na quinta-feira 30, para pedir ajuda. “Temos propostas legislativas de grave impacto, já votadas pelo Congresso, e outras estão em processo de discussão”, afirmou a presidente aos governadores. “Todos nós, em maior ou menor grau, enfrentamos dificuldades fiscais.”
No mesmo dia, o Tesouro Nacional anunciou um rombo de R$ 1,6 bilhão nas contas da União, no primeiro semestre, inédito na série histórica iniciada em 1997. “O resultado ainda se mostra bastante negativo, por isso o governo está tomando as medidas que considera necessárias”, disse Marcelo Saintive, secretário do Tesouro, referindo-se ao novo corte de R$ 8,6 bilhões nas despesas orçamentárias. Para desespero dos empresários, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sofrerá o maior contingenciamento. “Alguma coisa drástica precisa acontecer rapidamente no País”, afirma José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors do Brasil. “O governo não tem um plano para sair da crise.”
GRAU ESPECULATIVO O fracasso fiscal, no primeiro semestre, levou a agência de classificação de risco Standard & Poor’s a revisar, na terça-feira 21, a perspectiva para os ratings da dívida em moeda estrangeira do Brasil de “estável” para “negativa”. Na prática, o País está a um passo de perder o grau de investimento, uma espécie de selo de bom pagador, ingressando no grupo de nações que têm grau especulativo. Os economistas são unânimes em prever que haverá uma fuga de investidores estrangeiros se duas das três principais agências rebaixarem o Brasil, com impacto no câmbio, na bolsa de valores e na taxa de juros pagas por empresas que captam recursos no exterior.
No mesmo dia, o ministro Levy ligou para investidores estrangeiros com o objetivo de reafirmar o compromisso do governo com uma trajetória declinante da relação entre a dívida pública e o PIB. Sobre o impacto no dólar, que se aproximou da casa dos R$ 3,40, o maior patamar em 12 anos, o ministro afirmou que “a turbulência é passageira”. Será? A volatilidade cambial é apenas mais um dos elementos que embaralham o planejamento empresarial. “Sem regras econômicas claras, o cenário para 2016 continuará nebuloso”, afirma Tarcisio Gargioni, vice-presidente da companhia aérea Avianca. Com larga experiência e diversas crises econômicas superadas no currículo, o presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito (Acrefi), Érico Ferreira, acha mais prudente traçar dois cenários.
“No cenário mais provável, com o Congresso jogando contra o ajuste, a economia não se recupera em 2016”, diz Ferreira. Mas há, segundo ele, a possibilidade de os parlamentares se unirem a favor do País, auxiliando o ajuste fiscal. “Nesse caso, já é possível vislumbrar uma recuperação no fim do ano que vem.” É com esse olhar mais otimista que alguns (ainda poucos) empresários preferem traçar seus planos. “É prematuro falar em recuperação em 2016, mas nós enxergamos oportunidades”, diz Luis Gonçalves, diretor-geral da Dell, que assumiu no primeiro trimestre a liderança no mercado de PCs brasileiro.
“Eu não aposto contra o Brasil”, afirma Fernando Heller, sócio da TOV Corretora. “Há grandes pechinchas no mercado de ações.” Apesar das derrotas no Congresso e da pífia meta fiscal, o ministro Levy ainda goza da credibilidade do setor produtivo. “Se o governo quiser consertar o Brasil, nós, empresários, estamos aqui com boa vontade para que isso aconteça”, diz Sonia Hess, presidente da Dudalina. O Brasil necessita que essa disposição se transforme em realidade. Caso contrário, o reinado da incerteza manterá o País na escuridão.