12/07/2023 - 17:28
Some as 147,4 mil empresas ativas, receita líquida de R$ 365,3 bilhões e 2,2 milhões de pessoas empregadas segundo a Pesquisa Anual da Indústria da Construção de 2021, com o crescimento do PIB de 6,9% no ano passado — contra 2,9% do País —, e a conclusão é que o setor brasileiro de construção civil poderia ficar acomodado e continuar tocando seu modelo de produção como sempre foi. Tijolo sobre tijolo.
Aos poucos, porém, a chegada de novas tecnologias começa a interessar a construtoras que enxergam no uso de materiais alternativos caminho para se modernizar, se adequar às boas práticas de sustentabilidade e conquistar clientes mais alinhados à agenda.
“As pessoas querem adotar comportamentos mais responsáveis e começam a pressionar a indústria”, disse à DINHEIRO Mateus Silveira, head de design da Dexco e líder da pesquisa O Futuro do Morar, que mostrou que 60% dos consumidores estão dispostos a mudar o estilo de vida para beneficiar o meio ambiente.
Tal preocupação com riscos ambientais associados ao setor encontra amparo em estudos de impacto da atividade: dos 2 bilhões de toneladas de resíduos urbanos gerados no mundo por ano, segundo o Banco Mundial, cerca de 50% do que chega aos aterros vem da indústria de construção e demolição.
Diante da pegada significativa, técnicas à base de materiais mais naturais e recicláveis ganham destaque em diversos países, incluindo o Brasil.
Caso do escritório tailandês Chiangmai Life Architects and Construction especializado em arquitetura ecológica. É deles o projeto da Biblioteca da Escola Secundária Panyaden em que a estrutura e o telhado feitos do caule da planta é um dos finalistas do prêmio Edifício do Ano da publicação ArchDaily.
Por suas características, disse o fundador do escritório, Marks Roselieb, o bambu é a base dos projetos da empresa. “Ele é carbono zero, reciclável e sua produção é local, não sendo necessários grandes trajetos para o transporte.”
A tecnologia já chegou ao Brasil onde, segundo o Ministério das Cidades, os resíduos de construção representam de 51% a 70% das 80 milhões de toneladas de sólidos urbanos gerados anualmente.
Danilo Candia, proprietário da Bambu Carbono Zero e sócio-fundador da TudoBambu, é um dos especialistas na técnica. “Ela associa aspectos de sustentabilidade, economia circular e beleza”, disse.
Alguns aspectos, porém, devem ser observados. Entre eles, a necessidade de conhecimento especializado e a questão de custo.
“No Brasil ainda é uma material caro”, afirmou Candia que acumula em seu portfólio obras como o Éllo Restaurante, em Jericoacoara (CE).
Lá, os bambus de sua empresa viraram esteiras trançadas para revestimento. Em São Paulo, o arquiteto e dono da pousada Casa Formosa, na praia da Baleia, é fã do material. “É flexível, forte, sustentável e funciona muito bem em diversas aplicações.”
Aço como alternativa
Nem toda alternativa para a redução dos resíduos precisa ter origem natural. Duas outras opções usam o aço. São elas a construção em contêineres e o sistema steel frame, em que as vigas tradicionais são substituídas por estruturas metálicas.
Uma das representantes do primeiro modelo é a Container Box, fundada em 2012 após a repercussão do projeto-piloto Casa Container construído no bairro Granja Viana, em São Paulo.
Segundo Adriana França, CEO e cofundadora da empresa, a ideia nasceu de um questionamento sobre a sustentabilidade da construção civil que os levou a procurar alternativas ao modelo convencional.
Observando os blocos de aço, perceberam a possibilidade de fazer um upcycling do material.
“Transformamos o que era um problema ambiental no pós-uso em um produto de valor agregado muito mais alto.”
Adriana França, CEO e cofundadora da Container Box
Hoje, a técnica construtiva é usada tanto em residências quanto em instalações comerciais. Em 13 anos de atuação, somam 300 projetos por Brasil, Estados Unidos e México.
Outro modelo de construção a seco com geração de resíduo marginal é o steel frame. Foi esse o sistema que o Grupo Steel Home, que tem Caroline Siqueira como sócia-fundadora e vice-presidente, importou dos Estados Unidos.
“Nos países de primeiro mundo a construção a seco já é bem representativa”, afirmou. “Aqui o mercado é incipiente.”
Nesse modelo, o projeto é fundamental porque as vigas, o teto e as paredes de chapas cimentícias são produzidos na fábrica e chegam ao terreno prontos para serem instalados como um grande lego.
“O processo é mecanizado evitando desperdício que geram aquelas caçambas lotadas na obra”, disse Caroline.
Além da questão ambiental, tem o tempo de obra — uma construção em steel frame de 150 m2 pode ser executada em prazo de 90 dias.
Para o consumidor, no entanto, o modelo é mais caro. A variação depende do tamanho e do padrão do empreendimento. Entre os clientes, a Arena MRV, estádio de futebol brasileiro, em Belo Horizonte, e a casa do empresário Roberto Justus.
Tradição
Mesmo empresas da cadeia da construção civil estão se modernizando para se tornar mais ambientalmente eficientes.
Produtora de uma das matérias-primas chave para a execução de obras, a Votorantim Cimentos adotou uma estratégia multidisciplinar para reduzir sua pegada ambiental.
Dentre as ações, novos usos para rejeitos de outras indústrias. O caroço do açaí que seria jogado fora pela comunidade do entorno da fábrica de Primavera (PA), por exemplo, é usado como gerador de energia na unidade.
Em 2022, a taxa de substituição do combustível fóssil por fontes alternativas foi de 26,5%. O resultado, redução de 3% das emissões globais de CO2 na comparação com 2021. Entre 1990 e 2022, a redução foi de 24%.
Álvaro Lorenz, diretor de Sustentabilidade, disse que a meta aprovada pelo Science Based Target Initiative (SBTi), será cumprida. “Seremos carbono neutro em 2050.” Hoje cada tonelada de cimento gera 579kg do gás.
Apesar dos esforços, Manuel Martins, coordenador executivo da certificação de construção sustentável AQUA-HQE da Fundação Vanzolini, afirmou à DINHEIRO que essas novas técnicas construtivas ainda são de nicho e devem demorar a escalar.
“Elas ainda precisam provar sua viabilidade econômica”, afirmou.
Com o respaldo da fundação que soma 801 edificações certificadas desde 2008, Martins defende que para uma obra ser sustentável, além de buscar novos materiais e processos, “ela tem que ter adequação, funcionalidade e relação com o entorno”, afirmou. Além de conforto para o morador.
Entrevista: Carlos Leal Villa, fundador da Solví
“As prefeituras não têm capacidade para subsidiar os serviços de coleta”
O novo marco legal do saneamento institui a cobrança de tarifa para a coleta de lixo. Quais as maiores dificuldades do setor para implementá-la?
É importante que a sociedade entenda que um grande legado para as próximas gerações diz respeito à forma correta quanto ao manejo de resíduos. Não podemos continuar com uma coleta feita de forma manual e com cerca de 3 mil lixões! Se pagamos por serviços de energia, água e esgoto, telefonia, gás, internet, por que ainda não aceitamos ter de pagar pelos serviços de coleta e tratamento dos resíduos que geramos?
Não haveria a percepção de que se trata de mais um imposto?
Não se trata de um novo imposto e sim da cobrança pela prestação do serviço de coleta e tratamento dos resíduos que geramos. Quem gera mais lixo, paga mais. A grande dificuldade é o enfrentamento do assunto junto à sociedade por parte dos prefeitos. As prefeituras não têm capacidade para subsidiar os serviços de coleta e, portanto, a sociedade tem que entender e concordar em pagar. Com a cobrança poderemos avançar, fazendo a coleta e carregamento de forma mecânica, com o fechamento dos lixões e a continuidade da implantação de aterros regionais, com a valorização dos resíduos.
Poderia citar um exemplo de município brasileiro em que a cobrança já existe e quais os resultados positivos para a atividade e para a população?
Já existem no Brasil mais de uma dezena de municípios que implantaram concessões ou PPPs. Um exemplo é Joinville, maior município de Santa Catarina, onde há cerca de 18 anos a população reconhece o sucesso desse modelo.