O executivo americano Tim Cook comemorou, no mês passado, cinco anos à frente da Apple com feitos notáveis. A empresa colecionou recordes de lucro, transformou-se na mais valiosa do planeta e manteve sua imagem de inovação quase inabalada, apesar das críticas constantes à falta de lançamentos de produtos revolucionários. É um feito e tanto para um homem que não tem o carisma de Steve Jobs, o fundador da Apple, morto em 2011. Mas de um tempos para cá, a lua de mel de Cook com o mercado está cada vez mais agridoce. Por um lado, a Apple ainda é uma empresa que apresenta lucros invejáveis. Por outro, há sinais de desaceleração de seu produto principal: o iPhone.

Essa relação bipolar ganhou um novo ingrediente, na terça-feira 30, quando a Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, mandou a Apple pagar US$ 14,5 bilhões (aproximadamente R$ 48 bilhões) à Irlanda. “A investigação da Comissão concluiu que a Irlanda concedeu benefícios fiscais ilegais para a Apple, o que lhe permitiu pagar substancialmente menos impostos do que outras empresas ao longo de muitos anos”, disse Margrethe Vestager, comissária antitruste da Comissão Europeia. Em uma carta aberta, Cook contestou as conclusões das investigações. “A Apple segue a lei e nós pagamos todos os impostos que devemos”, escreveu o executivo.

A Irlanda, que se beneficiará do pagamento dessa cifra bilionária, saiu também em defesa da empresa da maçã. O ministro das finanças irlandês, Michael Noonan, disse que discordava “profundamente” da decisão da Comissão Europeia e acrescentou que a Irlanda iria recorrer da decisão, a fim de “defender a integridade do nosso sistema fiscal.” O caso Apple é ilustrativo de como a Comissão Europeia deve tratar exemplos semelhantes. O alvo principal são empresas americanas, como Google, Amazon e McDonald´s, que já estão sendo investigadas por práticas fiscais parecidas em outros países da região.

Por essa razão, a decisão da Europa criou uma crise diplomática com os Estados Unidos. Um porta-voz do Departamento do Tesouro dos EUA disse que “autuações fiscais retroativas pela Comissão são injustas e contrárias aos princípios legais bem estabelecidos”. As preocupações chegaram até à Casa Branca. O porta-voz de Barack Obama, Josh Earnest, garantiu que o presidente americano acompanha os desdobramentos do caso e acrescentou que o democrata está comprometido em assegurar que as companhias americanas tenham tratamento justo.

A Apple irá recorrer da decisão da Comissão Europeia. Mas essa é a menor das dores de cabeça de Cook. Rasgar notas de dólares, ainda mais perder US$ 14,5 bilhões, nunca é bom, em qualquer circunstância. Mas a Apple não passará por dificuldades. As ações, por exemplo, ficaram estáveis diante da notícia – a queda foi inferior a 1% em dois dias. Além disso, a companhia conta com US$ 215 bilhões em dinheiro em caixa. Se perder a apelação, dinheiro não será problema para a empresa de Mountain View, na Califórnia. Os cofres e a imagem da Apple não devem também ser afetados. “Ninguém vai deixar de comprar Apple por conta disso”, diz Eduardo Tomiya, diretor-geral para a América Latina da Kantar Vermeer.

O que tira o sono do comandante da Apple são as vendas do iPhone, que representam mais de 70% do faturamento da companhia. Há dois trimestres consecutivos, elas estão em queda. Com isso, o lucro que crescia trimestre a trimestre, também diminuiu. A queda nos seis primeiros meses deste ano foi de 24,3%. Ainda assim, os ganhos da Apple somaram inacreditáveis US$ 18,3 bilhões neste semestre. A erosão, no entanto, pode ser ainda maior com o aumento dos impostos que deve recair sobre as vendas na Europa. O iPhone 7, que deve ser lançado no dia 7 de setembro (leia nota aqui), é a aposta de Cook para reverter essa queda e quem sabe engatar uma nova lua de mel com o mercado de capitais.