01/07/2016 - 20:00
É manhã de uma quinta-feira, fim de junho, na pequena Primavera, cidade de 11 mil habitantes a 194 quilômetros de Belém (PA). O mormaço típico da região contrasta com o céu nublado e os resquícios de chuva no asfalto da PA-446, rodovia que leva à zona rural do município paraense. Em 2013, quando o americano Walter Dissinger percorreu esse caminho pela primeira vez, as margens da estrada eram pontuadas apenas por propriedades e lavouras familiares. Três anos depois, esse cenário abriga a nova fábrica da brasileira Votorantim Cimentos, companhia liderada pelo executivo e dona de uma receita de R$ 14 bilhões, responsável por mais de 40% dos negócios do Grupo Votorantim. Assim como os silos de 60 metros de altura do empreendimento, o investimento de R$ 860 milhões na unidade chama atenção em meio ao momento nebuloso do setor, que reportou 23,2 milhões de toneladas de janeiro a maio no Brasil, uma queda de 13,9% na comparação com igual período de 2015.
Com capacidade anual de produção de 1,2 milhão de toneladas e geração de 165 empregos diretos, a fábrica de Primavera é o mais novo passo na estratégia de diversificação geográfica da Votorantim Cimentos. Mas em função da crise, o foco do plano de investimentos de R$ 5 bilhões da companhia até 2018 vai muito além da cidade paraense e dos limites do mercado brasileiro. “Vamos investir cada vez mais em internacionalização”, diz Dissinger. “Nosso negócio é multilocal. Estamos trabalhando para atuar em diferentes mercados e reduzir os riscos de ficar a mercê dos ciclos da economia de cada país.” Hoje, a Votorantim Cimentos ocupa a 10ª posição no ranking mundial do setor, publicado pela consultoria Global Cement. No Brasil, a empresa lidera com uma participação de 36%, segundo dados mais recentes do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), à frente da InterCement, controlada pelo grupo Camargo Corrêa.
Em um contraponto ao momento pouco favorável do Brasil, as operações internacionais da Votorantim Cimentos, que já respondem por 44% do seu faturamento, trazem perspectivas mais positivas. A principal é a operação da América do Norte, que apurou uma receita de R$ 3,54 bilhões em 2015, alta de 54,8%. “Depois de anos difíceis, nossos negócios estão deslanchando por lá”, diz Dissinger. A partir do reaquecimento da demanda, a empresa reativou sua fábrica em Dixon, nos Estados Unidos, que estava paralisada desde 2008. Outro projeto em andamento é a expansão da unidade de Charlevoix, no Michigan, que saltará de uma capacidade produtiva anual de 1,3 milhão de toneladas para 1,9 milhão de toneladas.
Mesmo em um ambiente político conturbado, a Turquia é mais um país no radar, em função do crescimento dos projetos de infraestrutura. Após atingir 100% de sua capacidade produtiva na fábrica de Sivas, instalada na região da Anatólia, a empresa está investindo € 140 milhões em uma nova linha de produção da unidade, que, em 2017, passará a ter uma capacidade de 1,2 milhão de toneladas por ano. A Espanha também abre boas oportunidades, depois de um período de forte instabilidade. “A crise espanhola foi brutal. O mercado de cimento chegou a cair 80%”, diz Dissinger, que ressalta o reaquecimento no país. “Esperamos um crescimento até maior que em mercados emergentes por lá e temos capacidade produtiva para levar vantagem nessa retomada.” O roteiro internacional passa ainda pela América Latina, com novas fábricas e a expansão de unidades na Bolívia e na Argentina.
No Brasil, a expansão está restrita, a princípio, à fábrica de Primavera. Inicialmente, a unidade vai abastecer o mercado paraense. No médio prazo, a ideia é escoar parte da produção para o Amazonas e o Amapá, além de estados do Nordeste. Até o fim do ano, a projeção é operar com 60% da capacidade instalada. “O Norte e o Nordeste têm um déficit habitacional e de infraestrutura mais elevado do que outros mercados no País”, diz Dissinger. Dados de uma pesquisa do Departamento da Indústria da Construção da Fiesp apontam que a região Norte lidera o déficit habitacional no País, com 11,9%, seguida pelo Nordeste, com 10%.
A jazida de minério disponível na nova fábrica foi outro fator que pesou na escolha. Em termos de logística, o modal rodoviário será predominante na operação, que terá o apoio de um centro de distribuição instalado em Marituba, cidade na região metropolitana de Belém. A nova unidade reúne o que há de mais moderno nas demais 27 fábricas da companhia. “Um dos exemplos é a adoção de moinhos verticais, que consomem 30% menos energia”, afirma Cristiano Brasil, diretor de operações da Votorantim Cimentos nas regiões Centro e Norte. Dissinger ressalta que a eficiência operacional será justamente a prioridade no País nos próximos anos, com destaque para a modernização do parque industrial. Sob essa abordagem, em 2015, a empresa criou uma unidade de negócios para impulsionar a diversificação de sua matriz energética e os projetos de coprocessamento, que usam resíduos industriais para substituir matérias-primas e combustíveis na fabricação do cimento. Em outra frente, a empresa está reforçando a aposta em produtos como argamassas e cal agrícola. “Estamos investindo em integração vertical, pois esses produtos têm maior valor agregado”, afirma o CEO.
Em função da crise, a Votorantim Cimentos foi obrigada a adotar outras medidas. Desde julho de 2015, as operações das fábricas de Ribeirão Grande e Cubatão, ambas em São Paulo, estão suspensas e sem previsão de retomada. A empresa também adiou a expansão de duas fábricas no Ceará, instaladas em Pecém e Sobral. “A economia instável e as investigações da Lava Jato paralisaram os projetos de infraestrutura e, ao mesmo tempo, o segmento imobiliário suspendeu lançamentos”, disse Dissinger. “Hoje, o nível de consumo de cimento no mercado equivale aos números de 2011. Ainda não é possível enxergar o fundo do poço”, diz José Otávio Carvalho, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento, que prevê uma queda entre 12% e 15% nas vendas do setor em 2016. Outro fator de atenção da Votorantim Cimentos é a condenação por formação de cartel, em decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), divulgada em 2014. A empresa recebeu uma multa de R$ 1,56 bilhão, entre outras sanções. Questionado pela DINHEIRO, Dissinger disse apenas que a companhia entrou com uma liminar contestando a condenação e que ainda não há uma definição do caso. Ou seja, nada de concreto.