21/03/2012 - 21:00
Quem entra no quartel-general da Airbnb, a mais recente – e improvável – start-up bilionária a surgir no Vale do Silício, logo se depara com uma espécie de cabana em formato de cogumelo. Famosas pelas inovações que produzem, as companhias na área da baía de São Francisco, região que abriga algumas das principais empresas da era digital, são conhecidas também pelas extravagâncias. A Apple, por exemplo, constrói atualmente seu novo campus, um imenso prédio em formato de nave espacial. Já o Google exibe um escorregador dentro de um dos edifícios de sua sede. Mesmo em meio a esse ambiente, o escritório da Airbnb, em Potrero Hill, bairro de São Francisco, se destaca.
Os três amigos: (da esq. para a dir.) Nate Blecharczyk, Brian Chesky e Joe Gebbia, fundadores da Airbnb.
A tal cabana em formato de cogumelo é só uma das salas de reunião da Airbnb que foram feitas à imagem e semelhança de acomodações que a empresa dispõe para serem alugadas ao redor do mundo. São quatro exemplos entre os quase 200 mil espaços únicos (entre apartamentos, ilhas, castelos, iglus, barcos, cavernas, aviões e até quartos vagos em casas), que a Airbnb oferece em diversas faixas de preço e pelo tempo que o viajante quiser. Se o negócio de alugar casas para férias existe há um bom tempo, a ideia de que as pessoas abriririam suas próprias residências para hóspedes, inclusive homens de negócios – e que esses viajantes iriam pagar e querer ficar nelas – foi a novidade introduzida pela Airbnb, fundada em 2008.
“Os investidores falavam que estávamos loucos e que ninguém iria topar fazer isso”, disse Brian Chesky, cofundador e CEO da Airbnb, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “Felizmente, eles estavam errados.” Foi um erro e tanto: depois de um começo difícil, a Airbnb está avaliada em US$ 1,3 bilhão. E pensar que há pouco mais de um ano e meio, Chesky e seus sócios Nate Blecharczyk e Joe Gebbia tocavam o negócio na sala de estar do apartamento que dividiam em São Francisco. Recentemente, a revista americana Fast Company a elegeu como uma das empresas mais inovadoras do mundo por “transformar quartos vagos nas casas das pessoas na rede de hotéis mais quente do mundo”.
Ambiente informal: uma das salas de reunião da Airbnb.
Meio sem querer, esses amigos fundaram a empresa símbolo de um movimento bilionário que vem ganhando força em todo o mundo, inclusive no Brasil, e atraindo grandes empresas, como Peugeot e Ford, chamado de “economia do compartilhamento”. A ideia central aqui é a de uma nova forma de consumo em que o acesso a produtos e serviços supera a posse deles, sem as preocupações ligadas à propriedade. Enfim, quase tudo que se usa pouco e tem um custo alto pode ser compartilhado. Assim, não é necessário ser dono de uma casa na praia, de um carro, de uma bicicleta, de um escritório, de uma caixa de ferramentas, de uma bolsa de grife, por exemplo, para usá-lo.
É um fenômeno que promete impactar indústrias como a das montadoras, dos hotéis, do comércio e da cultura. Ao longo do último século, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, o mundo viveu um período de estímulo ao consumo, que levou a uma grande geração de resíduos, muito desperdício e escassez de recursos naturais. “O hiperconsumismo do século 20, aos poucos, está dando lugar a um consumo compartilhado e mais consciente no século 21”, disse Lisa Gansky, autora de Mesh, Porque o futuro dos negócios é compartilhar, em entrevista à DINHEIRO. Para Lisa e outros estudiosos, o planeta passa por um período de transição rumo a uma “nova economia” que floresce graças às conexões permitidas pelas redes sociais e os aparelhos móveis.
Guilherme Brammer, fundador do Descola aí.
“As novas tecnologias permitem a troca e o compartilhamento de bens e serviços de formas e em escala que nunca foram possíveis antes”, afirma Rachel Botsman, coautora de O que é meu é seu. A Airbnb, por exemplo, construiu uma plataforma online, integrada ao Facebook, em que reservar um quarto na casa de um completo estranho em mais de 19 mil cidades espalhadas por quase 200 países é tão fácil quanto encontrar um quarto em um grande hotel. As reservas podem ser feitas pela web ou por aplicativos para iPhone e Android. A crise financeira mundial de 2008 também está na gênese desse movimento. “A recessão fez com que milhões de consumidores repensassem a sua relação com o valor das coisas”, diz Lisa.
E os benefícios são reais. Se, por um lado, passa-se a fazer dinheiro com coisas que só serviam para juntar pó, por outro, pode-se resolver problemas gerados pelos excessos individuais. Caso do trânsito caótico nos grandes centros urbanos, bem como dos veículos parados por toda parte. Foi justamente ao observar isso que o californiano Shelby Clark resolveu criar o RelayRides, em 2010. A empresa, que tem o Google entre os investidores, permite às pessoas alugar seu próprio carro, umas para as outras, em períodos ociosos. Um automóvel médio consome cerca de 18% da renda de um americano. No entanto, fica parado 22 horas, em média, por dia. No Brasil, a Zazcar oferece veículos próprios para serem compartilhados, em São Paulo, desde 2009.
A mais bem-sucedida empresa desse setor, a americana Zipcar serviu de inspiração para montadoras, nos EUA, na Europa e na Ásia. Com a crise batendo à porta, elas não pensaram duas vezes em abraçar a tendência para estimular a demanda e o uso de carros novos. BMW, Ford, Peugeot, Mercedes-Benz, Toyota, Daimler e Audi oferecem serviços de compartilhamento de carros e caronas. “É um grande negócio para formar um novo vínculo com os clientes”, afirma Nadège Faul, porta-voz da Peugeot. Já William Clay Ford Jr., bisneto de Henry Ford e presidente do conselho da Ford, é fã de carteirinha do compartilhamento. “Esta é uma chance para participarmos das mudanças relacionadas à posse de um carro”, afirma.
Compartilhar um carro, dizem os especialistas da consultoria Frost & Sullivan, pode ser mais econômico do que manter um veículo próprio, além de bem mais simples. Afinal, você não precisa se preocupar em pagar seguro, impostos e revisão. Nos últimos anos, além de grandes empresas, várias start-ups surgiram ao redor do mundo replicando o modelo da Airbnb em diversas áreas (conheça alguns exemplos no quadro ao final da reportagem). “Apenas começamos a tocar a superfície desse negócio”, diz Chesky, da Airbnb. A sociedade passa pelo começo do processo de tornar o compartilhamento tão prático e simples quanto comprar algo.
“Mais e mais pessoas vão deixar de querer ter coisas não essenciais só para elas, na medida em que o compartilhamento evoluir, se tornando mais conveniente”, diz Guilherme Brammer, fundador do DescolaAÍ, que permite o aluguel de barracas de camping e bicicletas, entre outros itens. Aos poucos, a economia do compartilhamento está se tornando um negócio bilionário e em escala planetária. A Frost & Sullivan prevê que o compartilhamento de carros vai se tornar, até 2016, um negócio de US$ 6 bilhões. E não faltam investidores dispostos a financiar essa nova economia de olho, é claro, no lucro futuro. No ano passado, a Airbnb levantou US$ 129 milhões, entre os principais investidores do mundo, como o pai do Netscape, Marc Andreensen, o criador do Linkedin, Reid Hoffman, e até o ator Ashton Kutcher.
É fácil entender tanto interesse. Apenas no ano passado, as transações realizadas no site movimentaram mais de US$ 500 milhões, contra um décimo desse valor, em 2010. “O céu é o limite para a Airbnb”, declarou Hoffman, do Linkedin. Na lista de prioridades de Chesky para 2012 está a expansão internacional. E o Brasil é fundamental nessa estratégia. “Provavelmente, o Brasil será um dos nossos cinco maiores mercados no futuro”, diz Chesky, que planeja abrir um escritório no País ainda neste semestre. Atualmente, ele está selecionando o gerente-geral da operação. Mais uma boa notícia para quem se entusiasmou com a possibilidade de fazer um dinheirinho com aquelas tranqueiras esquecidas no armário.
Enviado especial a São Francisco