23/12/2015 - 18:30
Recém-empossado ministro da Fazenda, Nelson Barbosa foi um dos 61 economistas, pesquisadores e empresários que assinou uma carta, em setembro de 2014, em repúdio à atitude do Banco Central (BC) em processar Alexandre Schwartsman. Doutor em economia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, e ex-diretor de assuntos internacionais do BC, ele foi acionado judicialmente pelas suas opiniões contra a autarquia. A queixa-crime foi rejeitada pela Justiça Federal. Desde então, Schwartsman não aumentou nem diminuiu o peso de suas palavras. Continua crítico às falhas do presidente Alexandre Tombini e de sua equipe, que são classificados por ele como fracos. Sócio fundador da consultoria Schwartsman & Associados, o que ele mais detesta é ficar em cima do muro. Sua análise, por mais dura que seja, vem acompanhada de bons argumentos. Concordando ou não, vale a pena ler o que ele disse nesta entrevista à DINHEIRO.
DINHEIRO – O que esperar de 2016?
ALEXANDRE SCHWARTSMAN – Um ano bastante difícil. Temos encomendada uma nova queda do Produto Interno Bruto (PIB), que deve ficar na casa de 2,5% a 3,0%. A inflação deve ceder relativamente aos quase 11% de 2015. Mas ela vai superar novamente o teto da meta, ficando entre 7% e 7,5%, com risco de ser maior, apesar da recessão. A verdade é que, troca de ministro da Fazenda à parte, o nó político persiste e, com ele, também as dificuldades de atacar as reformas necessárias, em particular previdência e vinculações orçamentárias. Se não forem alterados os gastos obrigatórios, a questão fiscal perde o controle e a saída será inflação ainda mais alta.
DINHEIRO – O novo ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, tentou convencer o mercado que vai manter o ajuste fiscal, quase contrariando o seu histórico de desenvolvimentista. É possível acreditar nas promessas feitas por ele? E, mais, há chances de dar certo?
SCHWARTSMAN – Bom, para manter alguma coisa, seria necessário, em primeiro lugar, tê-la, e a verdade é que não há e nem houve ajuste fiscal este ano. Por mais que o governo se vanglorie de cortes de despesas, até agora houve uma modestíssima redução delas na comparação com o ano passado, na casa de 3%. Sabemos que o próprio Orçamento não dá muita margem para isso, porque menos de 10% das despesas são sujeitas a alguma espécie de redução. O que sobra é a inflação para dar conta das despesas obrigatórias, o que não está funcionando. Apenas para pegar as duas maiores, a de pessoal e da previdência, há aumento superior à inflação. E esse quadro deve prevalecer. A regra do salário mínimio implicará elevação na casa de 11% a 12% em 2016, com impactos devastadores sobre a previdência. Neste sentido, não devemos acreditar no Ministro, mesmo que ele tenha sido sincero; embora eu ache que não foi, o que não faz a menor diferença. O quadro fiscal de 2016 deve se agravar.
DINHEIRO – O que evitaria uma catástrofe na economia?
SCHWARTSMAN – O que pode segurar as pontas são receitas extraordinárias, como os R$ 16 bilhões de concessões e uma possível, mas pouco provável, volta da CPMF. Restariam propostas de reforma da previdência, em particular a idade mínima e a indexação do salário-mínimo, assim como alteração das vinculações. Ocorre que boa parte requer alteração da Constituição, assim como a CPMF, ou seja, a maioria de 308 votos na Câmara e 49 no Senado. E isso para um governo que ainda não tem certeza de conseguir 171 votos para evitar a abertura do processo de impedimento.
DINHEIRO – O governo ignora os números ruins da economia e não consegue diminuir os gastos públicos. Qual é a saída para essa miopia?
SCHWARTSMAN – A saída, impraticável hoje, seria uma grande coalizão, em que os principais atores de situação e oposição acordassem uma agenda mínima, reconhecida como sendo do interesse de qualquer um que venha a se sentar na cadeira presidencial a partir de 2019. Na ausência dela, a inflação acabará fazendo o serviço sujo. Em algum momento ficará claro que o Banco Central (BC) não terá mais condições de perseguir a meta de inflação e terá que abrir mão do controle. Aí teremos inflação elevada até alguém conseguir formar uma maioria sólida o suficiente para criar uma nova base fiscal no país.
DINHEIRO – Há quem pense que o Brasil não está à beira do precipício, ou seja, não teríamos como ter três ou quatro anos de recessão, algo que só aconteceu com países em guerra. O sr. concorda com essa visão?
SCHWARTSMAN – Três ou quatro anos de recessão é muito improvável. Neste sentido, se alguém quiser se vangloriar, que o faça. O problema não é este, mas sim que, depois de dois anos de recessão, o país volta a crescer muito pouco, algo como 1% em 2017 e 2% em 2018. É um contraste imenso com nossa história recente. Houve episódios recessivos em 1999, 2003 e 2009, mas em 2000, 2004 e 2010 o PIB voltou a crescer forte, mais do que compensando a recessão. Agora não se espera sequer que retornemos ao nível de PIB de 2014. Em 2018, devemos ter um PIB semelhante ao de 2012. Em termos de renda per capita, regrediremos a um nível menor do que o registrado em 2010. É uma nova década perdida.
DINHEIRO – Qual é a parcela de culpa da crise política e dos desvarios de Brasília nos problemas econômicos do País?
SCHWARTSMAN – Muito grande, sem dúvida, mas a crise política não veio do nada. Acusações de corrupção afetando partidos políticos próximos ao centro do poder não impediram o ciclo de crescimento de 2006-2010. A grande responsável foi a alteração voluntarista da política econômica, a tal da “nova matriz econômica”, a mesma que hoje gente que participou de sua elaboração finge não ter existido. Segundo Belluzzo [o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que encabeçou o “Manifesto dos economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social”, lançado em 2014 contra a austeridade e o ajuste fiscal] “foi uma tentativa de manter o ciclo de consumo e só”. Não foi. Em primeiro lugar, houve uma política deliberada de expandir a demanda mesmo sob condições claras que se tratava de irresponsabilidade, com inflação alta e déficit externo crescente, seja pelo gasto público, seja pelo gasto público disfarçado, com empréstimos ao BNDES e aos demais bancos públicos, seja pela redução na marra da taxa de juros mesmo com a inflação rondando o teto da meta. Em segundo lugar, intervenções microeconômicas não menos desastradas. Controles de preços para evitar que a inflação passasse o topo da meta; redução também voluntarista de preços de energia em condições adversas, que não só causaram grande dano às distribuidoras, como um salto na inflação deste ano, mas também sinalizaram quebra de contratos.
DINHEIRO – Quais são os exemplos dessas escolhas desastradas? 
SCHWARTSMAN – Escolha de “campeões nacionais”, canalizando recursos para empresas menos produtivas. Protecionismo, por exemplo, construindo navios-sonda no Brasil a um múltiplo do preço internacional. Isso derrubou o crescimento da produtividade de 2% ao ano para menos de 1%. Colhemos, agora, esses frutos. E a crise política faz parte dos frutos, mas realimentando o problema ao impedir a adoção de soluções.
DINHEIRO – O impeachment é a solução para acabar com a crise política e recolocar a economia em ordem?
SCHWARTSMAN – Acredito que não. Afastaremos uma presidente incompetente e impopular, é verdade, mas ainda assim estaríamos longe de formar a coalizão requerida para atacar os problemas fiscais e demais reformas.
DINHEIRO – Nas últimas crises que o Brasil passou, sempre havia uma perspectiva, seja com as eleições ou o retorno da confiança, como após a carta ao povo brasileiro, de 2002. Desta vez parece não haver uma saída. Estamos “condenados” a esperar as próximas eleições? 
SCHWARTSMAN – Da forma como vejo, sim. Eu tenho fé na democracia. Para usar uma frase de Churchill [o ex-primeiro ministro do Reino Unido, Winston Churchill], na verdade parafraseando o que ele disse dos americanos, a democracia sempre chega à solução certa, mas não sem antes tentar todas as alternativas anteriores. Face ao desastre do governo Dilma, há uma chance de uma agenda mais adequada acabar sendo a escolhida. E se alguém se eleger com base nela, e não com base em estelionato eleitoral, o Congresso, com todos os seus problemas, tende a ser mais generoso no que se refere às reformas.
DINHEIRO – Sempre se discutiu a manutenção do presidente Alexandre Tombini à frente do Banco Central. A troca seria mais pela recuperação da credibilidade do que pela incompetência técnica. Quais os custos e benefícios dessa troca?
SCHWARTSMAN – Tombini se mostrou um condutor fraco e incompetente para o BC. Seu histórico mostra isso. A inflação média superior a 6% no seu mandato até 2014 e bem mais alta até agora. Desconfio, porém, que nas atuais circunstâncias não haveria como atrair um competente banqueiro no BC. Credibilidade não é um dom divino, mas resultado de trabalho. Ninguém que fosse colocado à frente do BC hoje teria condições de sozinho (ou sozinha) mudar o jogo. Por conta disso e pelo meu prazer pessoal de ver o Tombini ter que assinar duas (ou mais) cartas justificando inflação além do limite da meta, prefiro que ele fique lá para limpar o que fez.
DINHEIRO – A Operação Lava Jato pode ser um marco de limpeza dos desmandos, desvios e corrupção no País?
SCHWARTSMAN – Contávamos com isso com o impedimento do Collor, o escândalo dos anões do orçamento e com o mensalão. Nosso histórico não é bom, mas a extensão da Lava-Jato, assim como o aprisionamento e provável condenação de empresários de peso e políticos me dão um tanto de esperança. Espero não me equivocar de novo.
DINHEIRO – Qual é a dica para um pequeno ou grande investidor que quer apostar no Brasil? 
SCHWARTSMAN – Pesquisa e paciência. Não entrar nas modas, permanecer fiel a suas idéias, mas sempre as colocando em xeque quando nova evidência se mostrar, e ter em mente que investimento não é um jogo de curto prazo. No curto prazo, a gente ganha dinheiro sem saber bem por que e o perde do mesmo jeito. Com boas ideias, disciplina e paciência, as chances de ganhar dinheiro aumentam bem.