03/10/2012 - 21:00
O próximo prefeito de São Paulo está prestes a assumir o comando da cidade mais rica do País, e a décima do mundo, que movimentou R$ 450 bilhões em 2011, quase 10% de toda a riqueza nacional. Trata-se de um PIB maior que o de muitos países latino-americanos, como o Peru, e um pouco menos que o de Israel ou Portugal. Os números superlativos, porém, trazem a reboque um gigantesco abacaxi. A dívida líquida da capital paulista, no valor de R$ 59 bilhões, é considerada a maior do País, e representa quase duas vezes o tamanho do orçamento da cidade de R$ 32 bilhões, empenhado em 2011. A maior parte do débito foi contraído com a União, que assumiu as dívidas dos municípios em 2000.
Na época, a dívida paulistana somava cerca de R$ 11,3 bilhões, menos de um quinto do valor atual. “Metade da explicação para o monstro que se tornou a dívida em São Paulo se chama Paulo Maluf, e a outra metade se explica pela taxa Selic”, diz o professor Amir Khair, de São Paulo, especialista em contas públicas e ex-secretário da Fazenda do município no mandato da ex-prefeita Luiza Erundina. Khair se refere à explosão da dívida durante a gestão de Paulo Maluf, sucessor de Erundina, entre 1993 e 1996, que além de deixar de pagar os compromissos existentes , emitiu títulos públicos para garantir caixa extra. Naquela época, a correção da dívida era atrelada à Selic.
José Serra: ”Não faz sentido que os Estados tenham um limite
de endividamento maior que o das prefeituras”
Seu sucessor, Celso Pitta, que governou até o ano 2000, arcou com a alta estratosférica da Selic, que chegou a 45%, em 1999, na esteira da crise da Rússia, que afetou o mercado financeiro internacional. Foi exatamente esse quadro que levou o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, a assumir, na época, os débitos dos municípios, e buscar um indexador mais razoável, elegendo o IGP-DI, mais 9% para reajustar o débito. O problema é que o tempo passou e agora esse indexador tornou-se um corpo estranho diante de um cenário de juros reais de 2%. Hoje a dívida paulistana é reajustada a 17% ao ano.
Fernando Haddad: “Vamos nos sentar com a Fazenda
para repactuar a díviida”
Os candidatos a prefeito admitem que se trata de um dos principais problemas a ser administrado, pois além de consumir mais de 10% do orçamento – no ano passado a cidade pagou R$ 3,5 bilhões como parcela da dívida – o tamanho do endividamento limita a capacidade da prefeitura para contrair novos empréstimos, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal. “É preciso renegociar com o governo federal para pagar uma parcela menor e garantir mais recursos para investir”, diz Celso Russomanno, candidato do PRB, que lidera as pesquisas de intenções de voto. O candidato tucano José Serra e o petista Fernando Haddad, tecnicamente empatados no segundo lugar, também admitem procurar a equipe econômica da presidenta Dilma para discutir o assunto.
Celso Russomanno: “Ações de recuperação de créditos
vão ajudar a garantir receita”
Haddad acredita que a proximidade com a presidenta, de quem foi ministro da Educação, facilite a negociação de uma repactuação do acordo em melhores condições. “Vamos nos sentar com a Fazenda para repactuar isso, sobretudo se houver disposição do governo federal”, diz Haddad. “E há disposição.” Serra, um dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, não vê problemas em revisar sua cria. “A dívida como tal está hoje, mostra-se impagável”, afirma. “O governo empresta a grandes grupos privados, via BNDES, a juros de 4% a 5%.” O candidato do PMDB, Gabriel Chalita, segue a mesma linha. “Certamente a presidenta será sensível à rediscussão do endividamento”, afirma Chalita.
Gabriel Chalita: ”A presidenta será sensível à rediscussão
do endividamento”
A situação não é tão simples quanto parece, pois um acordo com São Paulo abriria um precedente para que outros prefeitos se animem a bater na porta do Planalto, pedindo o mesmo tratamento. Além disso, explica Khair, os recursos pagos à União entram na rubrica do superávit primário, a economia feita pelo governo para o pagamento de juros das dívidas federais, e que se tornou um dos indicadores mais importantes para a credibilidade do País. A máquina pública paulistana, por sua vez, está quase totalmente comprometida por obrigações básicas. Só com a folha de pagamento dos servidores, a prefeitura gastou cerca de R$ 8,5 bilhões em 2011. Para cobrir a contratação de serviços de terceiros, foram outros R$ 10,5 bilhões (veja quadro ao final da reportagem).
No ano passado, a prefeitura investiu apenas R$ 3 bilhões em novos projetos. Diante da expectativa do eleitor de melhores serviços públicos, os candidatos a prefeito já discutem alternativas que permitam o aumento da arrecadação. Uma das propostas de Russomanno, por exemplo, é dar início a ações de recuperação de crédito junto a inadimplentes. “Se recuperarmos 10% dos R$ 55 bilhões que temos a receber, garantiremos um bom dinheiro”, afirma. O petista Haddad, por sua vez, aposta na “união de forças com o governo federal”, aproveitando programas que garantam a execução de projetos na área de educação e saúde. Serra, por outro lado, fala em renegociar, do custo, o teto do endividamento da cidade.
“Não faz sentido que os Estados tenham um limite maior que o das prefeituras”, diz. Há, ainda, outras possibilidades de aumentar receitas, como o estímulo à criação de empresas, ou ainda a revisão dos contratos de terceirização dos serviços municipais, que sempre guardam enormes gorduras. Há, ainda, as vendas de licenças de uso do solo que, segundo Amir Khair, representam uma mina de ouro para a prefeitura. Quaisquer que sejam as alternativas, a população da cidade tem urgência por ampliar benefícios. Uma pesquisa do Ibope constatou, por exemplo, que hoje o eleitor rejeita os candidatos que não mantiverem e ampliarem programas, como os Centros Educacionais Unificados (CEUs), e as unidades de Assistência Médica Ambulatoriais (AMAs), assim como a lei Cidade Limpa, que reduziu a poluição visual da capital paulista.
“As melhorias, a cada gestão, são percebidas como direitos adquiridos que não podem sofrer recuos”, diz Márcia Cavallari, diretora-executiva do Ibope. Quem fizer isso, lembra Márcia, paga um elevado preço político. O prefeito Gilberto Kassab, por exemplo, deixou de investir numa série de projetos, como a construção de hospitais e de novos CEUs durante sua gestão. A falta de investimento do gênero é uma das explicações para a avaliação negativa de sua gestão, o que acabou respingando em seu candidato, José Serra, às voltas com um índice recorde de rejeição, por mais de 40% do eleitorado.
Colaborou Luís Artur Nogueira