03/05/2013 - 21:00
O que a inflação tem a ver com a sua viagem de férias? Mais do que você imagina. No início da década passada, com o crescimento dos sites das companhias aéreas e do agendamento virtual nos hotéis, as agências de viagens pareciam condenadas à extinção. Afinal, as empresas aéreas davam descontos para quem comprasse online e era possível ver, do próprio computador, imagens de hotéis em todo o mundo, junto com a recomendação de viajantes que já haviam passado por lá. Pois o que aconteceu foi exatamente o oposto. Com o ganho de renda da população das classes C, D e E, o brasileiro da base da pirâmide engrossou a massa de turistas e os serviços das agências passaram a ser mais demandados do que nunca.
A CVC, há 40 anos no mercado e a maior operadora de viagens da América Latina, teve de ampliar sua rede para dar conta do recado. A nova estrutura permitiu aumentar em 50% o número de passageiros transportados entre 2009 e 2012, de dois milhões para 3,1 milhões. “Fomos muito beneficiados pela ascensão da classe média”, diz o vice-presidente de canais de vendas da CVC, Sandro Sant’Anna. Se no começo, o setor de eletrodomésticos foi beneficiado pela ascensão social de 30 milhões de brasileiros, na sequência foi o turismo. “Os aparelhos domésticos são trocados uma vez ou outra, mas as viagens são uma demanda constante.” O sucesso da CVC acompanha o fenômeno da expansão do setor de serviços na economia brasileira nos últimos anos.
Desde 2006, a atividade vem crescendo mais do que a média da economia brasileira. No ano passado, diante do pibinho de 0,9%, os serviços tiveram uma expansão de 1,7%. “O aumento de renda ampliou a demanda por serviços”, diz o economista Rafael Bacciotti, da consultoria Tendências. Em outras palavras, com mais dinheiro no bolso, os consumidores emergentes passaram a demandar mais viagens, começaram a mandar suas roupas para a lavanderia, passaram a frequentar mais os salões de beleza e matricularam os filhos nas escolas de inglês. Um termômetro dessa nova realidade é o setor de franquias. A maior expansão de unidades franqueadas vem das áreas de turismo e de serviços de limpeza – que tendem a crescer ainda mais com a nova legislação regulando o trabalho das domésticas.
Velocidade de cruzeiro: aumento da renda da população fez crescer o número de turistas,
que aceitam pagar mais pelos pacotes de viagens
No ano passado, o faturamento das franquias do setor de turismo aumentou 97,8%, para R$ 5,4 bilhões. No segmento de limpeza e conservação, o faturamento cresceu 44,5%, para R$ 1 bilhão. “O PIB cresce pouco, mas o comércio e a prestação de serviços estão muito bem”, diz Ricardo Camargo, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF). A 5àSec, rede de lavanderias, já tem no Brasil sua maior operação entre os 33 países nos quais atua, com 430 unidades. Somente neste ano, o plano é abrir 50 novas filiais, aproveitando a baixa penetração desse serviço por aqui. Apenas 3% da população utiliza lavanderias no Brasil, enquanto, na Europa e nos Estados Unidos, o índice chega a 80%.
“Os novos clientes usam com menos frequência, mas gastam mais, porque trazem roupas mais caras”, diz a diretora comercial da 5àSec, Meire Carvalho. E se o consumidor demanda mais serviços, as empresas precisam contratar mais mão de obra para atender os clientes mais endinheirados. Não por acaso, o setor tem liderado a geração de empregos nos últimos anos. No ano passado, do total de 1,3 milhão de vagas oferecidas pelas empresas brasileiras, 681 mil foram criadas no setor de serviços, uma proporção de 50,5%. No primeiro trimestre deste ano, já respondem por 55% dos novos postos de trabalho. Numa palestra em Porto Alegre, no início de abril, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, lembrou que, sem a expansão dos serviços que ocorreu nos últimos dez anos, a taxa de desemprego teria sido de 7% em 2012, e não de 5,5%.
Sandro Santana, da CVC: ”Os aparelhos domésticos são trocados uma vez
ou outra, mas as viagens são uma demanda constante.”
O círculo virtuoso dos serviços, entretanto, traz consigo um efeito colateral perverso. Com a expansão desenfreada da demanda, subiram também os preços cobrados pelas empresas da área, muitas vezes sem amparo num aumento real de custos. “Como a oferta dos serviços não acompanha a demanda e esse setor não pode ser equilibrado pela importação, os preços sobem”, diz o economista Constantin Jancso, analista econômico do Banco HSBC. Quando a alta de preços é verificada na indústria, por exemplo, o governo incentiva as importações de bens, que equilibram a concorrência e seguram a alta da inflação. Como não se importam agentes de turismo, sapateiros, cabeleireiros, cozinheiros e mecânicos, essa estratégia não pode ser replicada no setor de serviços.
Essa particularidade da inflação a partir da expansão da demanda ficou bem clara a partir de 2005, quando a economia começou a crescer em ritmo mais acelerado do que no início da década (veja gráficos abaixo). Desde então, o custo dos serviços tem subido bem mais do que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de inflação monitorado pelo Banco Central. Isso é verificado, na prática, por clientes de salões de beleza, de consertos domésticos e por alunos de escolas e cursos particulares. No ano passado, o IPCA fechou em 5,84%, enquanto os preços dos serviços subiram 8,75%. A proporção diminuiu um pouco no primeiro trimestre deste ano, com a concorrência de outro vilão da inflação: os alimentos. Mas, se o custo da comida já está caindo com a safra de grãos e o fim do verão, o dos serviços deve continuar subindo.
Outro efeito colateral desse crescimento é verificado na alta dos salários. “O mercado está muito favorável ao funcionário”, diz Meire Carvalho, da rede 5àSec, que percebe grande rotatividade com leilões de ofertas de vagas. Nem mesmo o treinamento oferecido aos novos colaboradores é suficiente para mantê-los no emprego. “Muitos mudam de uma franquia para outra, mesmo em áreas diferentes.” Dados da ABF mostram que o número de vagas no setor aumentou 12,3% no ano passado, com 103 mil novos empregos diretos. A conclusão de números como esse é que o setor de serviços dinamiza a economia, com criação de empregos e de renda, mas também colabora para manter o custo de vida em alta. É um dilema a mais para a equipe econômica do governo Dilma levar em consideração em suas estratégias de longo prazo.