Sentando no canto da primeira fileira do auditório do Tribunal de Contas da União (TCU), no início da tarde da quarta-feira 7, o advogado-geral da União, ministro Luis Inácio Adams, ficou espremido por uma maioria de parlamentares de oposição que ocupavam as cadeiras ao lado para assistir, de camarote, ao julgamento das contas de 2014 da presidente Dilma Rousseff. No plenário, Adams extrapolou os 20 minutos a que tinha direito para tentar defender o governo das acusações de que descumprira a Lei de Responsabilidade Fiscal no ano das eleições presidenciais.

De volta ao seu lugar, porém, o advogado-geral da União parecia ainda mais encurralado. Ouviu os ministros do TCU rejeitarem, por unanimidade, a tese de suspeição contra o relator do processo, Augusto Nardes, e recomendarem, também de forma unânime, a rejeição das contas da presidente, fato só ocorrido em 1937, na era Getúlio Vargas. Conversas e risos trocados ao longo do julgamento entre Nardes e o deputado Paulinho da Força (SD-SP) escondiam a dura batalha que ambos os lados devem travar nos próximos meses.

A rejeição das contas da presidente ajudará a embasar o esforço da oposição pelo impeachment da presidente Dilma. O relatório do TCU revela irregularidades que somam mais de R$ 100 bilhões, entre as quais as chamadas pedaladas fiscais, com o uso de bancos públicos para financiar despesas da União. Ministros justificaram a reprovação citando a consistência do relatório. “É o conjunto da obra que me impactou”, afirmou o ministro Benjamin Zymler. Em seu voto, Nardes alegou um cenário de desgovernança fiscal e de falta de planejamento.

“O TCU mostrou que está à altura da posição que a sociedade lhe confiou de guardião das finanças públicas”, afirmou Julio Marcelo de Oliveira, representante do Ministério Público no TCU. A defesa do governo se concentrou em demonstrar a falta de critério sobre o tempo que caracteriza o uso de recursos dos bancos públicos como operação de crédito e a insegurança jurídica que a rejeição poderia causar. Criticou, ainda, o caráter político do julgamento. “O jogo não acabou”, afirmou Adams ao deixar a Corte.

O parecer do TCU será apreciado pelo Congresso, que pode acatar ou ignorar a recomendação. O processo deve ficar para 2016. A oposição não pretende esperar. Quer aproveitar a fragilidade política da presidente para dar prosseguimento ao processo de impeachment antes da apreciação das contas. “O Congresso tem o aval técnico para avaliar o impeachment”, afirmou Mendonça Filho, líder do DEM, na Câmara. Após a decisão do TCU, parlamentares da oposição se reuniram com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

“Não vai ser um embate rápido, pois o trâmite é lento”, disse Cunha na quinta-feira 8. “Provavelmente, não será apreciado neste ano na comissão mista.” Uma manobra avalizada pelo peemedebista provocou novas derrotas ao governo no Congresso, na semana passada. Na terça 5 e na quarta 6, um grupo de deputados não confirmou presença nas sessões que apreciariam vetos da presidente Dilma sobre a chamada pauta-bomba, que onera as contas públicas. Foi o terceiro adiamento da matéria, que deve voltar à pauta nos próximos dias.

Também sinalizou que a última reforma ministerial pouco contribuiu para aliviar a pressão no Congresso. “Vimos um reforço da fragilidade do governo em termos de governabilidade”, disse Mendonça. Publicamente, o governo minimizou a decisão do TCU. “Foi um julgamento político e não técnico”, afirmou o deputado cearense José Guimarães, líder do PT na Câmara. Reservadamente, porém, os petistas não escondem a preocupação com o desenrolar dos acontecimentos e com o clima de beligerância que persiste em Brasília.

Um novo racha foi aberto com a dissolução do bloco do PMDB na Câmara, que perdeu apoio de quatro partidos e 82 deputados. Segue indefinida também a situação de Cunha, que resiste à pressão para que renuncie diante de novas evidências de que mantinha quantias milionárias em contas secretas, na Suíça. A decisão do TCU coincide com reabertura do processo, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pede a impugnação dos mandatos da presidente Dilma Rousseff e do vice Michel Temer, por suposto abuso de poder político e econômico na eleição de 2014. No começo do mês, o governo publicou um decreto proibindo o Executivo federal de ficar devendo para qualquer instituição financeira por mais de cinco dias.

A medida pode eliminar erros futuros, mas não apaga as pedaladas que continuam sendo executadas em 2015. No primeiro trimestre, o Tesouro acumulou R$ 19 bilhões em dívidas com a Caixa e o Banco do Brasil. No contexto, o parecer das contas terá uma recepção no Congresso nada calorosa, ao contrário do ministro Nardes que, ao deixar a sessão do TCU, foi recebido por um grupo de 30 integrantes do movimento VemPraRua aos gritos de “guerreiro do povo brasileiro”. Saudação idêntica à dispensada ao hoje enrolado Cunha, no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, em agosto passado.