O imigrante libanês Abdu Hadi Mohamed Fares, fundador da loja de móveis Credi-Fares, no coração do bairro Vila Nova Cachoeirinha, da Zona Norte de São Paulo, costumava dizer ao primogênito, Adiel Fares, que cursava medicina: “um dia você abrirá a sua clínica nessa esquina aqui na frente”. Em 1978, quando o patriarca morreu, com apenas 48 anos de idade, foi a vez do filho e de seus três irmãos, Nasser, Jamel e Bahjet, assumirem o negócio, que possuía apenas duas unidades.

Juntos, criaram uma das maiores redes de varejo de móveis do País, depois, de rebatizarem o negócio para Lojas Marabraz, nos anos 1980. Na década seguinte, contrataram os cantores sertanejos Zezé di Camargo e Luciano como garotos-propaganda, e a empresa se tornou uma das marcas mais conhecidas do setor. Apesar de esconderem a sete chaves os seus números e evitarem entrevistas, o mercado estima que ela fature por volta de R$ 1 bilhão em suas 135 lojas. O sucesso, no entanto, não veio sem polêmicas.

Em 2005, o INSS pediu o bloqueio das contas da empresa por conta de uma dívida de R$ 100 milhões. E, atualmente, ela é uma das muitas empresas que fazem parte do nicho do varejo que mais sofre com a crise econômica. O IBGE registrou uma queda nas vendas de móveis e eletrodomésticos de 4,3% em janeiro, em comparação com o mesmo mês de 2015. Mas essas não são mais as preocupações do dia a dia de Adiel Fares. O primogênito deixou, há três anos, a gestão da Marabraz, colocando em seu lugar o seu filho, Nader Fares, de 25 anos.

Perguntado sobre a rede de móveis, diz que “não quer falar sobre aquela outra empresa”. O motivo é que ele tem um outro negócio a divulgar, e que tem relação com o seu sonho e o de seu pai décadas atrás. Há 28 anos, ele criou, timidamente, a Clínica Fares, a menos de 30 metros da loja Marabraz original, com um anexo na mesma esquina que o pai sonhava para ele. Durante todo esse tempo, enquanto permanecia longe dos holofotes, Fares tocou simultaneamente os dois negócios. Mas os esforços de crescimento estavam todos na Marabraz.

Ao conceder a entrevista para a DINHEIRO, o extrovertido e agitado empresário saiu do silêncio com a missão de tornar a sua empresa mais conhecida, e até propor uma solução para o problemático sistema de saúde brasileiro. “Percebi que o modelo que estava criando intuitivamente por anos faz todo sentido para o momento atual”, diz. É fácil entender os motivos da animação do empresário. O setor de saúde vive um momento crítico. Como 800 mil pessoas já perderam os seus planos de saúde desde o início da crise econômica, por conta de demissões e de falta de dinheiro, as empresas de saúde suplementar e hospitais tiveram os seus resultados afetados. 

Além isso, o já extenuado sistema público de saúde, o SUS, ficou ainda mais sobrecarregado. Dessa forma, todas as pontas da cadeia estão insatisfeitas: pacientes que pagam muito e não conseguem ser atendidos, instituições de saúde, laboratórios de exames, convênios, governos e até os médicos, que reclamam do pequeno repasse que recebem dos planos. Com isso, apenas quem cresce são as clínicas que optaram por cobrar um valor intermediário por exames e atendimentos, que ficam entre o preço pago pelos planos de saúde e o cobrado de clientes particulares.

“É um mercado virgem, de grande demanda e pequena oferta, mas que cresce assustadoramente”, diz Charles Lopes, professor de saúde suplementar da Ibmec-RJ. Com consultas e exames que custam menos de R$ 100, a Clínica Fares se destaca nesse cenário. Há cinco anos, ela deixou de atender pacientes de planos de saúde, focando em clientes particulares ou com seguros saúde, como os da Allianz, SulAmérica e Bradesco; e planos de autogestão, como os da Caixa e dos Correios. Outra parcela importante de clientes, que já representa 30% do total, é formada por pacientes que possuem planos de saúde, mas estão insatisfeitos por não conseguirem agendar consultas, ou que acabaram de perder os seus contratos.

Com a falência da Unimed Paulistana no começo deste ano, os médicos da Fares ofereceram descontos de 20% para quem foi afetado. Para dar conta desse potencial de expansão, a clínica precisou pensar mais alto. A sua segunda unidade, no bairro de Santo Amaro, foi aberta há apenas três anos. Hoje, os seus dois centros atendem 1 milhão de pessoas anualmente, por meio dos 300 médicos que são associados da clínica. O call center da empresa recebe, todo mês, 100 mil ligações, e outras 20 mil são perdidas.

Mas, em julho deste ano, deve entrar em operação uma terceira unidade, em Osasco, na Grande São Paulo, de 7 mil m², com investimento de R$ 20 milhões. Dessa forma, a Fares vai dobrar a sua área de atendimento, o que vai permitir chegar ao faturamento de R$ 120 milhões. Até o momento, 500 médicos se candidataram para atuar no novo centro. Mas os planos são muito mais ambiciosos do que isso. Fares quer chegar a 20 clínicas até 2018, o que vai exigir um investimento de R$ 200 milhões. A meta é atender 5 milhões de pessoas, por ano. Estão no radar bairros da Zona Leste de São Paulo, cidades do ABC paulista e da Baixada Santista, e Campinas.

“Qualquer cidade com, pelo menos, 200 mil habitantes comporta o nosso modelo de atuação”, afirma o empresário. A experiência de décadas em vender móveis para a classe C ajuda a saber como atingir parcelas maiores da população. Mas Papai Fares, como é conhecido por seus funcionários, não gosta da definição. “Não atendo a classes sociais, mas a quem quer ser bem tratado e por um preço justo”, diz. “Uma coisa com que a família Fares sempre se preocupou é em ajustar os sonhos das pessoas para o que possam pagar.”

O orgulho por seu negócio já atraiu um dos inspiradores do modelo. “Acredito em deixar os médicos satisfeitos para que possam praticar uma medicina humanizada, como defende o Patch Adams”, diz Fares. O médico e comediante Hunter Doherty Adams, que teve a sua vida transformada em filme de Hollywood, já visitou duas vezes as instalações da empresa. “Ele me disse que foi a melhor clínica que viu e que o presidente americano, Barack Obama, deveria conhecer o nosso modelo”, diz o empresário. Isso inspirou Fares a preparar uma proposta para o governo federal, que deve ficar pronta nos próximos meses.

Ele deseja pedir isenção de IPTU, por um período de uma década, para estimular a montagem de mais clínicas como as suas por todo o Brasil. Com isso, o SUS seria desafogado e a população teria alternativas aos planos de saúde, que já não fazem mais contratos com pessoas físicas e evitam atender pessoas idosas. “Hoje, 90% das ocorrências do sistema são de consultas médicas e exames, o que faço na minha clínica. Apenas 10% são cirurgias e tratamentos de câncer”, diz. “Podemos salvar o SUS com um sistema misto, entre público e privado.”