30/09/2016 - 20:00
Contra o senso comum de que não se mexe em time que está ganhando, o executivo argentino Carlos Zarlenga, 42 anos, assumiu a presidência da GM do Brasil em setembro em um momento de ouro para a companhia. O Chevrolet Onix é o carro mais vendido no Brasil há dois anos e a montadora tem a maior participação de mercado da indústria automotiva (16,7%), seguida da Fiat (15,5%) e da Volkswagen (12,8%). O presidente anterior, Santiago Chamorro, foi guindado pela matriz em Detroit para cuidar da área global de conectividade e mobilidade urbana. E Zarlenga, um economista de formação que fez carreira na área financeira e passou pela GE antes de trabalhar na GM, tem diante de si o desafio nada trivial de manter a liderança da marca quando o mercado de automóveis sair do fundo do poço no Brasil. Neste ano, a previsão é de vendas inferiores a dois milhões de unidades. “O pior já passou“, diz ele à DINHEIRO. “Vamos crescer em 2017”. Confira a entrevista.
DINHEIRO – Qual é sua expectativa com relação ao Brasil e a indústria automotiva?
CARLOS ZARLENGA – O índice de confiança do consumidor, que é muito importante para a nossa indústria, está em alta. Uma pesquisa do Bradesco sobre o consumo daqui a seis meses mostra um crescimento impressionante. Antes, menos de 30% achavam que o consumo iria crescer. Agora, está acima de 80%. Essa expectativa, combinada com o número de consumidores que adiaram a compra de um carro novo nos últimos três anos, mostra que há uma demanda latente. É uma demanda pronta para voltar quando a confiança voltar. O pior da crise, para nossa indústria, aconteceu em algum momento de 2016. Agora, veremos a retomada do crescimento. Para 2017, estimamos a venda de 2,4 milhões de veículos no País, mas com volatilidade. Ainda tem muitas coisas para acertar. Nesse momento, dá para ser cautelosamente otimista sobre o futuro.
DINHEIRO – E sobre o futuro da GM no Brasil?
ZARLENGA – Como não vale a pena desperdiçar uma boa crise, fizemos a lição de casa. Primeiro, apostamos no cliente Chevrolet. Fizemos em dois anos uma das renovações de portfólio mais fortes da GM. O Onix virou líder de mercado e atingimos a liderança da indústria. Trabalhamos fortemente em eficiência, de olho no longo prazo. Investimos muito em produtividade, na melhoria dos processos. Isso vai fazer uma diferença muito grande na retomada.
DINHEIRO – Como ficam os investimentos no País?
ZARLENGA – Não esquecemos do futuro. Anunciamos investimentos de R$ 13 bilhões até 2019 e estamos fazendo. A primeira parte foi para renovar o portfólio, com o novo Onix, a nova S10. Outros lançamentos estão vindo. Quando o crescimento voltar, vamos estar em uma posição muito mais forte. Também focamos nas parcerias. Nas duas primeiras semanas, viajei pelo País para visitar as concessionárias Chevrolet. Em 2013, a indústria vendia 3,8 milhões de unidades e nenhum concessionário iria imaginar um ponto abaixo de dois milhões. Aconteceu e ainda estamos aqui.
DINHEIRO – A GM reduziu a rede?
ZARLENGA – Não tanto quanto a concorrência. Temos um relacionamento forte com as concessionárias. Produto, sempre podemos trocar. Mas relacionamento com a rede é uma coisa única. Venho para fortalecer este ativo, que é um patrimônio da marca GM. Há uma grande vontade de todo mundo para ganhar na retomada. Pode não ser no próximo mês, nem no outro, mas com certeza ela virá.
DINHEIRO – E quais são as perspectivas para a América Latina?
ZARLENGA – Temos uma expectativa de maior estabilidade das regras em vários países, sem muitas mudanças, sem esse para e anda.
DINHEIRO – Como avalia o Governo Temer? Foi golpe?
ZARLENGA – Não vamos fazer comentários sobre isso. O Brasil é um país com instituições fortes e todas as dificuldades estão sendo resolvidas historicamente dentro das instituições. É por isso que a GM está aqui e continuamos investindo no futuro. Sabemos que, por mais que tenhamos tempos difíceis, as instituições são sempre fortes. Com certeza estamos aqui, juntos com todo mundo, investindo fortemente. Ninguém é mais fã do Brasil do que a gente. Se o Brasil vai bem, nós também vamos. É isso que a gente quer.
DINHEIRO – Como está a relação entre a GM do Brasil e a da Argentina? O país passou por muitas dificuldades e teve uma relação conflituosa com o Brasil no governo de Cristina Kirchner. O que mudou com o presidente Mauricio Macri?
ZARLENGA – Como indústria, somos plenamente integrados com a GM da Argentina e trabalhamos juntos para superar os problemas, as dificuldades de regulação. Somos um só negócio e continuamos com muitas sinergias. Em 2016, crescemos cerca de 12% na Argentina, o dobro da indústria. Ganhamos dois pontos de market share, ficando em primeiro lugar no mercado total e em segundo, no varejo. É um resultado que não tínhamos há muito tempo. Lançamos o Chevrolet Cruze, que é produzido em Rosário e está sendo muito bem recebido. E os carros que fabricamos no Brasil estão fazendo grande sucesso na Argentina, como o Onix e a S10. A integração é ainda maior. As mudanças de política econômica do final do ano passado contribuíram muito para a normalização quase completa da indústria. As três principais foram a unificação cambial, a eliminação dos impostos de exportação e a eliminação das licenças de importação.
DINHEIRO – A indústria automobilística no Brasil tem uma grande capacidade ociosa. Muitas fábricas novas estão paradas, caso da Honda. Seria o caso de o governo mudar as políticas de incentivos fiscais e deixar o mercado funcionar livremente, abrindo inclusive para mais importações?
ZARLENGA – A capacidade ociosa no Brasil tem muito a ver com decisões de investimento tomadas entre 2008 e 2011. Naquela época, a indústria cresceu durante sete anos consecutivos e muitas empresas assumiram que as taxas de crescimento seriam as mesmas nos anos seguintes. Além disso, nos planos de negócio, todo mundo assumia que iria ganhar participação de mercado. Então, foi feita uma crise de excesso de investimento, foi gerada uma capacidade que nunca será necessária na indústria. Alguns desses investimentos não deram certo, com fábricas fechadas ou operando muito abaixo da capacidade. Nós tivemos sorte, porque lançamos produtos muito bem sucedidos. Nem todo mundo teve a mesma sorte. A demanda hoje é de 30% a 40% da oferta de produção. Não tem como ser rentável quando isso acontece. Para o futuro, a indústria precisa ter um pouco mais de preocupação na hora de fazer investimentos, para entender qual será realmente a demanda. Haverá demanda de crescimento, sem dúvida, mas não podemos pensar em taxas de crescimento da década passada, em um mercado que vai passar de cinco, seis milhões de unidades, em algum momento. Temos que ter mais cuidado com isso. Quanto às importações, o ciclo de investimento foi feito de acordo com as parcerias comerciais que temos com Argentina e o México, com algumas cotas.
DINHEIRO – Quando o Brasil conseguirá ser competitivo na exportação?
ZARLENGA – O Brasil pode ter competitividade se fizer as reformas trabalhista e da previdência, se investir em eficiência de energia e logística. Com o tamanho do mercado local, o Brasil deveria ser capaz de exportar, de ter participação global. Isso acontece com o tempo. Eficiência é uma coisa que sempre demora quando se fala da porta da fábrica para fora. Da porta para dentro, nosso nível de eficiência é benchmark (referência) global.
DINHEIRO – Dá para fazer as reformas que o Brasil precisa durante um governo de apenas dois anos e meio e que tem sua legitimidade questionada por uma parcela da população? Haverá ambiente político para aprovar a reforma da Previdência?
ZARLENGA – É muito cedo para responder. Estamos acompanhando. Todas as reformas em discussão nesse momento são bem vistas pela comunidade internacional, pois têm a ver com o melhor desempenho da função do governo, com eficiência, e coisas que vão ajudar a competitividade do Brasil no futuro.
DINHEIRO – Que conselhos daria ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
ZARLENGA – Tudo o que contribui para a competitividade, a estabilização e a clareza das regras no longo prazo é bem recebido. Até agora, é isso que eles estão mostrando.
DINHEIRO – O crédito é um problema para a venda de veículos hoje em dia?
ZARLENGA – O crédito é fundamental para o nosso negócio. É uma questão de expectativa sobre o futuro. Há muitos consumidores com linhas aprovadas que estão resistentes a tomar empréstimos. Mas o nível de confiança já está melhorando. O segundo ponto é o custo. As taxas de juros têm sido reduzidas e devem cair ainda mais. Isso vai ajudar nossa indústria a ter um pouco de crescimento no ano que vem.
DINHEIRO – Qual é sua meta na GM? Onde quer chegar no curto e no médio prazo?
ZARLENGA – Como a indústria flutua e não temos controle sobre isso, uma boa métrica é a participação de mercado. Gostaríamos de manter nossa fatia, em torno de 16% no acumulado deste ano. Em setembro, estamos em 17,8%. Como este é um número que não controlamos, nosso foco é na qualidade de produto, na rede de concessionárias, na marca. Market share é consequência.
DINHEIRO – Os carros chineses não são mais uma ameaça no Brasil?
ZARLENGA – O impacto recente não foi muito forte. Mas a indústria na China está crescendo e desenvolvendo bons produtos. Estive no Salão de Xangai e vi carros de qualidade. Não é difícil pensar que eles conseguirão uma participação internacional importante. Temos concorrentes de vários países e competimos com todos.
DINHEIRO – A GM está investindo muito na prestação de serviços ao consumidor, em transporte compartilhado e em outras inovações que vão além da simples fabricação e venda de carros. Como vê o futuro da indústria no Brasil, em meio à guerra entre o transporte individual e o compartilhado?
ZARLENGA – Vai ter espaço para ambas as coisas. Serão complementares por um período longo. A participação dos carros no Brasil é pequena, são 30 unidades em cada 100 habitantes, comparadas a 80 e poucas unidades nos Estados Unidos. Vendemos menos carro per capita que na Argentina, ainda tem muito espaço para crescer. Há muitas oportunidades para as novas formas de utilização de veículos. Basta olhar o que está acontecendo com empresas como 99Taxi, EasyTaxi, Uber, etc. Elas fazem 250 mil, 300 mil viagens por dia. A economia compartilhada tem espaço para crescer também. Nosso programa de veículos compartilhados, o Maven, é um sucesso entre nossos empregados no Brasil. Tem gente que possui carro, mas pega outro no final de semana. O futuro vai ser interessante de se ver, com a entrada de novas tecnologias.
DINHEIRO – O que vai mudar na indústria automotiva?
ZARLENGA – A principal mudança é a energia elétrica como meio de propulsão. No futuro, o carro elétrico não será o meio alternativo, será o principal. A eletrificação, a conectividade e os veículos autônomos vão mudar nossa indústria significativamente. Isso é uma tremenda oportunidade para fazermos coisas novas. Nosso serviço On Star (de auxílio remoto ao motorista) vai fazer 20 anos e tem dez milhões de usuários conectados. O Maven já está em quase 20 cidades nos EUA.
DINHEIRO – Como funciona?
ZARLENGA – Tem três grandes produtos de compartilhamento. Um é o car sharing direto entre os clientes da marca. O cliente combina tudo no OnStar, deixa a chave no carro e pronto. Também tem o pacote com frota de carros para aluguel. E os motoristas do Lyft, que usam nossos carros. Nossa parceria com o Lyft está sendo muito interessante, há muitas informações sobre a utilização de uma grande frota de veículos. Estamos bem posicionados para o que está vindo em termos de condução autônoma.
DINHEIRO – Quando o carro elétrico Bolt virá para o Brasil?
ZARLENGA – Logo. Estará no Salão do Automóvel, em novembro. Estamos muito interessados em trazer essa tecnologia. A autonomia do Bolt foi confirmada em 238 milhas (380 km). Isso tem um impacto real sobre a “ansiedade da quilometragem” por parte dos consumidores. Ainda não há preço definido, mas será bem competitivo.
DINHEIRO – O que impede a venda de carros elétricos no Brasil? Preços muito altos?
ZARLENGA – Sim. Ainda é difícil. Um incentivo para um carro elétrico competir com um veículo a combustão teria de ser muito alto, não há programa nesse sentido no Brasil. Ao mesmo tempo, a renovação da frota atual teria muito mais impacto positivo no meio ambiente, com a redução da poluição, do que a venda de carros elétricos nesse momento. Os motores estão menores e menos poluentes. Se conseguíssemos crescer e os carros velhos saíssem das ruas, o benefício no curto prazo seria ainda maior no Brasil do que o das tecnologias alternativas.
DINHEIRO – Até que ponto a demanda do consumidor por carros mais sustentáveis determinam o ritmo da indústria?
ZARLENGA – Até nosso carro de entrada, o Onix, teve um ganho muito importante de eficiência. O consumidor está pedindo isso, sem dúvida. O cliente sempre procura melhorias em consumos e emissões. Toda a indústria está correndo atrás disso