08/07/2016 - 20:00
A aprovação das modificações do Supersimples pelo plenário do Senado, no final de junho, teve um duplo sabor de vitória para Jorginho Mello (PR-SC). O deputado é presidente da Frente Parlamentar da Micro e Pequena Empresa e, nas últimas semanas, dedicou a maior parte do seu tempo tentando convencer a relatora do projeto, Marta Suplicy (PMDB-SP), e um grupo de 54 senadores sobre a importância das alterações nas regras atuais do regime simplificado de tributação, como a elevação do teto do faturamento de R$ 3,6 milhões para R$ 4,8 milhões ao ano.
O corpo a corpo com os parlamentares buscava garantir apoio de outros nomes além dos 27 senadores que compõem a bancada dos pequenos empreendedores, mais alinhada ao tema e cujos integrantes tinham maior propensão de votar a favor. A maratona deu certo. O texto, aprovado por unanimidade, autorizou ainda a inclusão de fabricantes de bebidas alcoólicas no Simples, uma matéria defendida por outra bancada liderada pelo mesmo deputado catarinense: a da indústria de bebidas.
O exemplo acima é a parte mais visível de um movimento que vem tomando conta do Congresso: em menos de dois anos da atual legislatura, que começou no ano passado e terminará em janeiro de 2019, foram criadas 239 bancadas, número superior ao de cada uma das três legislaturas anteriores completas. Os temas ligados a economia ganharam força. Pouco mais de 30% das frentes parlamentares estão relacionadas a algum setor empresarial, como a das concessionárias de veículos, criada no final de 2015.
Nas outras legislaturas, o percentual ficava próximo de 20%, segundo levantamento feito pela DINHEIRO. O peso delas nas decisões aprovadas no Congresso é cada vez maior. A Frente Parlamentar em Defesa da Indústria de Bebidas, por exemplo, conta com 216 deputados e nove senadores, de dez partidos. Na bancada da micro e pequena empresa, são 192 deputados e 27 senadores. Nem todos participam de maneira ativa, mas a associação em torno de um tema aumenta as chances de que recebam mais informações sobre o setor, o que pode fazer a diferença nas votações e na proposição de projetos.
Em geral, um grupo mais restrito de integrantes abraça a bandeira da causa e trabalha por atingir os objetivos definidos em debates periódicos. Intensificam-se a interlocução com setores específicos da sociedade e a possibilidade de aprofundar o embasamento técnico sobre as matérias a serem tratadas tanto no Legislativo como no Executivo. “É dar cara e corpo a um tema, dar voz”, diz Mello. “A frente funciona se você tem um tema e consegue pacificar cabeças no Congresso para além do tempero político.”
Ter corpo e voz bem definidos no Congresso é estratégico sobretudo num momento de crise política, em que o Legislativo ganha protagonismo. “A forma antiga, de levar pleitos ao Executivo, não estava dando resultado”, diz João Velloso, presidente-executivo da Associação Brasileira de Máquinas (Abimaq). “Percebemos que a participação do Legislativo passou a ser muito mais importante.” A Frente Parlamentar da Indústria de Máquinas e Equipamentos foi criada em 2014 e relançada em agosto do ano passado com a presença de 100 empresários no Congresso.
Antes de sua criação, o foco do setor em Brasília estava mais concentrado nos ministérios e a atuação no Legislativo se dava de maneira dispersa. Segundo Velloso, a bancada, composta por 204 deputados e 16 senadores, ajudou a intermediar uma reunião recente com o presidente Michel Temer. Assim como Abimaq, a Abinee, da indústria elétrica e eletrônica, já coletou assinaturas e deve lançar em breve a bancada do setor. “A frente permite que a entidade possa cooperar com deputados e senadores na elaboração de propostas que contribuam para a competitividade da indústria”, afirmou a Abinee, em nota.
Na bancada da indústria química, constituída em 2013, os trabalhos estão mais maduros. A secretaria-executiva foi delegada à Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) e uma comissão com 17 parlamentares foi criada, cada um responsável por um subtema da cadeia química. Tornaram-se frequentes os cafés-da-manhã em Brasília com representantes de trabalhadores, empresas e governo, além da participação dos parlamentares em apresentações na sede da entidade e visitas técnicas a indústrias.
“O que estamos fazendo é levar as informações do setor aos parlamentares que estão discutindo as matérias e às vezes não têm informações”, afirma Marina Mattar, diretora de Relações Institucionais da Abiquim. “Se tem algum projeto a ser votado, entregamos uma nota técnica ou levamos um grupo de técnicos para mostrar a importância do tema.” Entre os resultados da Frente, Marina destaca a criação de grupos de trabalho interministeriais do setor e a sensibilização para votar a favor do regime especial de tributação.
Por vezes, as bancadas acabam sendo um fórum de pressão para assuntos que extrapolam a pauta setorial, como na votação do impeachment, na qual a frente ruralista exerceu um papel definitivo. Para a maior parte dos setores, a bancada ligada ao campo é a grande referência. A Frente Parlamentar Agropecuária é vista como uma das mais organizadas e capazes de influenciar a pauta do Legislativo. Por meio do Instituto Pensar – corpo técnico formado por um conjunto de associações do agronegócio para acompanhar e analisar temas de interesse –, o setor consegue focar uma pauta de forma mais eficaz.
O Código Florestal é apontado como uma das crias das discussões temáticas do grupo. De tão grande, a frente acaba funcionando como guarda-chuva para outros subgrupos, como o do sucroenergético, que tem como uma das pautas atuais frear o projeto do automóvel à diesel, segundo o seu presidente, Sergio Souza (PMDB-PR). O deputado paranaense também lidera a recém-criada bancada da mineração, ainda em fase de maturação. “A ideia é fazer um trabalho parecido com o que é feito na Frente Agropecuária, chamando o setor para a atividade parlamentar e subsidiando com dados”, afirma Souza.
A formalização das frentes parlamentares passou a ser obrigatória a partir de um ato normativo de 2005. São necessárias as assinaturas de 1/3 dos parlamentares (198 deputados e senadores) para oficializar uma bancada. Embora a força de interlocução seja menor que a dos partidos, elas acabam servindo como um foro de atuação independente dos parlamentares em temas que recebem menos atenção das legendas. Para os políticos, costuma ser uma chance de projeção e uma forma de atender demandas da base eleitoral.
Os especialistas veem um avanço democrático na crescente busca pelo tema, porque traz mais transparência do que a forma como o lobby vinha sendo feito. Muitas das conexões no passado deram origem a casos de corrupção que hoje estão na mira da Justiça. “Os interesses econômicos têm legitimidade para fazer os pleitos”, diz o cientista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores. “É melhor que seja feito às claras, de forma aberta.”
Com o monopólio de temas no Legislativo, as bancadas não deixam de ser um instrumento para institucionalizar o lobby. Parlamentares e representantes dos setores, porém, afastam a avaliação pejorativa e ressaltam a “convivência republicana” por meio das frentes. “É uma forma séria de organizar e tornar legítimo e público o seu pleito”, afirma Marina. “É uma maneira de exercer o lobby de forma séria, ética e legítima.”