Desde 2009, quando a crise internacional fez o preço do petróleo desabar de US$ 145 para US$ 34 dólares o barril, a imprensa mundial não dava tanto destaque à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), com sede em Viena, na Áustria. Apenas na semana passada, o barril do óleo tipo WTI, negociado em Nova York, caiu quase 10%, negociado a US$ 59 – nos últimos seis meses, a queda acumulada é de 40%. Apesar das previsões de ambientalistas de que o mundo será dominado por combustíveis renováveis, o “ouro negro” está longe de se tornar dispensável e é cada vez mais usado como insumo industrial.

Com a oferta crescendo num ritmo superior ao da demanda, reflexo de um mundo em desaceleração, a tendência de queda no preço do petróleo é inexorável, o que modifica o quadro de forças entre as nações produtoras e consumidoras. Na nova geografia do petróleo, há perdedores e ganhadores, com transferência de renda dos países produtores para os compradores do produto. Entre os primeiros, figuram países como a Rússia, que corre o risco de recessão com a queda da receita do petróleo, e a Venezuela, cuja economia deve encolher 3% neste ano, sob risco de dar calote na dívida pública.

O Irã, sétimo maior produtor mundial, com uma economia muito dependente do petróleo, também será afetado assim como os principais integrantes da Opep. O tamanho do impacto, no entanto, depende do custo de extração. Do lado dos vencedores estão algumas das principais nações mais desenvolvidas, que hoje enfrentam dificuldade para sair da crise, como a Alemanha, com baixo crescimento em 2014, e o Japão, em recessão após o fracasso do plano lançado no início do ano pelo governo para tentar tirar o país da estagflação.

Para os Estados Unidos, os benefícios são menores por causa da exploração do petróleo e gás de xisto, o que reduziu enormemente a dependência do produto importado e elevou o país ao posto de terceiro maior produtor mundial, atrás apenas da Arábia Saudita e da Rússia. Não é pouco para um país que, no século passado, promoveu guerras no Oriente Médio para garantir o suprimento de combustível fóssil. Outro grande importador, que desempenha hoje parte do papel que já foi dos Estados Unidos, é a China, cuja desaceleração é um dos fatores por trás da queda de preço.

O efeito positivo do petróleo barato no PIB chinês é estimado em cerca de 0,5 ponto percentual, em 2015. “Haverá um deslocamento de renda dos países produtores para os consumidores, mas o saldo é positivo para o mundo, já que a principal commodity internacional será vendida a um preço mais baixo”, diz o economista Artur Manoel Passos, do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do Banco Itaú. É redução de custos na veia. Nessa gangorra, o Brasil tem um pé de cada lado. No curto prazo, a queda do petróleo permite ao governo retomar a cobrança da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide), sem maiores preocupações com os efeitos sobre a inflação.

O preço praticado pela Petrobras poderia até ser reduzido, agora que a empresa lucra na importação da gasolina. Em tempo de ajuste fiscal, a Cide renderia anualmente até R$ 14 bilhões aos cofres do governo. De quebra, a cobrança pode ajudar os produtores de etanol, que fica mais competitivo perante a gasolina na bomba. No longo prazo, porém, a baixa cotação do petróleo pode ser danosa para o País, pois contraria as previsões otimistas feitas pelo governo durante a descoberta do pré-sal, em 2006. Na época, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a comemorar a entrada em breve do Brasil, no clube dos grandes exportadores de petróleo.

No fim de novembro, por mais estranho que possa parecer, a Opep lavou as mãos e descartou um corte na oferta, para aumentar o preço. Como os países árabes, que dominam o cartel, têm custos de produção menores do que outras regiões, na prática eles continuam lucrando, embora menos, e tiram concorrentes do mercado. Um desses concorrentes é a Petrobras, a “dona” do pré-sal. Com o barril valendo US$ 60 e custos de produção estimados em U$ 45, cai bastante a margem de lucratividade das empresas de petróleo, como a Petrobras (leia reportagem aqui). Para a maioria dos analistas, a extração do pré-sal ainda é viável.

Mas isso pode mudar se a queda continuar. “Estimamos um preço do barril entre US$ 50 e US$ 60 para estimular novos investimentos, mas no patamar atual eles já são arriscados”, diz o economista Walter de Vitto, analista da Tendências Consultoria. O apetite dos investidores poderá ser testado no ano que vem, quando for lançada a 13ª rodada de leilões. A queda no valor do petróleo também atrapalha a arrecadação. E não apenas da União, mas também dos Estados e municípios, que recebem parte dos royalties e participações especiais. Só os royalties somaram R$ 17 bilhões, até novembro. Na balança comercial, por seu turno, o benefício é apenas de curto prazo, pois o Brasil é importador de petróleo e derivados.

“A partir de 2016 ou 2017, quando o Brasil deixar de ser um importador líquido para se tornar um exportador, teremos de torcer para que o preço aumente”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). No ano passado, a conta petróleo ficou negativa em US$ 20,3 bilhões. Para este ano, a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) projeta um déficit um pouco menor, de US$ 15 bilhões. Mas ninguém arrisca previsões para 2015. Setores como a indústria petroquímica e o agronegócio, que usam derivados de petróleo como insumos, comemoram o novo patamar de preços.

“É muito bom para a petroquímica, pois 60% do setor utiliza a nafta como matéria-prima”, diz Fernando Figueiredo, presidente da Associação Nacional da Indústria Química (Abiquim). Além da China, o setor vem sofrendo a concorrência das empresas americanas, que ganharam competitividade com a queda no preço do gás extraído do xisto. Já no caso do agronegócio, os custos devem cair, já que muitos fertilizantes, embora importados e com custos crescentes em dólar, são derivados de petróleo. Uma boa notícia, já que o preço das commodities agrícolas também está em queda. No jogo de ganhadores e perdedores, o balanço final vai depender do novo patamar de preço do “ouro negro”. Mas uma coisa é certa: o poder não está mais apenas nas mãos dos produtores de petróleo.

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“O petróleo barato não reduzirá a produção do gás de xisto”

Devido ao baixo custo, o shale gas, ou gás de xisto, que passou a ser explorado extensivamente nos últimos cinco anos, nos Estados Unidos, está viabilizando o renascimento da indústria americana, afirma Cal Dooley, presidente do American Chemistry Council (Conselho Americano de Química), que esteve no Brasil participando de congresso das empresas do setor.

Qual a importância do gás de xisto para o setor químico e petroquímico dos EUA?
Esse insumo tem sido vital, não apenas para o nosso setor, como também para a indústria americana em geral. Graças ao gás e ao petróleo extraído dessas formações conseguimos voltar a ser competitivos, pois não dependemos mais do petróleo importado como fonte energética.

As reservas não são tão generosas como se imaginava?
De fato, algumas formações rochosas não se mostraram tão produtivas quanto o volume imaginado nos estudos iniciais, especialmente em alguns campos da Califórnia. Contudo, a análise leva em conta a tecnologia atual e temos reservas provadas substanciais em diversas regiões dos EUA e do Canadá.

A exploração do xisto é criticada por ambientalistas, devido ao potencial poder poluente da água usada no processo. Como resolver isso?
Mais uma vez, caberá à tecnologia dar uma resposta a esses desafios. O governo americano e suas agências reguladoras estão de olho e têm trabalhado para minimizar ou mesmo zerar os riscos associados a essa atividade econômica.

A queda do preço do petróleo para um patamar abaixo de US$ 70, por barril, não pode inviabilizar esses empreendimentos?
A abrupta queda das cotações se deve a uma iniciativa da Arábia Saudita que, acredito, não logrará êxito. Isso não significa dizer que não haverá impactos para o setor de xisto ou mesmo para o setor químico, como um todo. Já ficou evidente que países que dependem fortemente da exportação de petróleo, como a Venezuela, a Rússia e a Nigéria, deverão sofrer bastante. O mesmo vale para alguns empreendimentos baseados no xisto. Mas posso garantir que o objetivo dos que desejam reduzir a produção americana de gás e petróleo de xisto não será alcançada.

Qual é o futuro da indústria química americana e mundial neste cenário, já que seus principais insumos são derivados do petróleo?
O setor ganhou um novo impulso com o gás de xisto, que viabilizou, inclusive, a retomada dessa indústria nos EUA. Mas os produtos petroquímicos continuarão importantes na produção de compostos químicos em geral.

A chamada química verde, feita a partir de etanol, por exemplo, deve sofrer um baque com a queda no preço do petróleo?
O preço do petróleo em queda tornará mais difícil a vida dos produtores de insumos verdes, é verdade. Contudo, é preciso analisar a realidade de cada mercado e de cada país.

O Brasil, que possui um amplo projeto de etanol, ganha ou perde?
É inegável que o Brasil leva vantagem em relação aos produtos químicos baseados em insumos renováveis.