15/02/2012 - 21:00
O tempo é o melhor remédio para apagar um evento desagradável, diz o senso comum. A sabedoria popular, no entanto, não está funcionando para a americana Dow Chemical. A segunda maior fabricante de produtos químicos do mundo, que encerrou 2011 com faturamento recorde de U$ 60 bilhões, está enfrentando a ira de centenas de indianos que protestam contra sua inclusão entre os patrocinadores da Olimpíada de Londres, neste ano. O motivo? A Dow Chemical é a atual dona da Union Carbide, que operava uma fábrica na cidade de Bhopal, na Índia, palco de um dos maiores acidentes industriais da história. Em 1984, a subsidiária da empresa americana foi responsável pelo vazamento de pesticidas tóxicos que mataram cerca de 25 mil pessoas ao longo dos anos.
Marcados pela tragédia: no início do mês, vítimas do acidente químico de Bhopal foram
às ruas contra o patrocínio da Dow Chemical nos Jogos Olímpicos de Londres.
Em 1989, a Union Carbide fez um acordo com o governo local para pagar US$ 470 milhões pelos danos causados. A Dow Chemical só adquiriu a companhia em 1991 – à exceção da filial indiana, que foi adquirida pelo governo do Estado de Madhya Pradesh. Agora, quase 30 anos depois, ela ainda sofre com as acusações das vítimas de omissão no caso pela Union Carbide. A delegação olímpica da Índia exige a retirada do patrocínio da Dow Chemical dos Jogos Olimpícos. Caso isso não aconteça, o país ameaça não comparecer ao evento. Desde julho de 2010, quando a empresa anunciou seu patrocínio, os indianos vêm protestando. A Dow Chemical bateu o pé e afirmou que nada mudaria, já que nunca operou ou possuiu unidade industrial em Bhopal.
“Somos solidários à situação das vítimas da tragédia. A solução para os envolvidos, no entanto, está nas mãos do governo indiano”, posicionou-se a companhia americana, por meio de um comunicado. O episódio levanta uma questão: até quando as empresas devem pagar pelos erros do passado, seus ou cometidos por terceiros, como é o caso da Dow Chemical? “A marca é um pacote”, afirma José Roberto Martins, consultor da paulista GlobalBrands e autor do livro O Império das Marcas. “Quando você compra uma empresa, leva também os prejuízos da marca.” Nesse caso, portanto, não importa que a Dow Chemical tenha comprado a empresa depois do acidente. Com a aquisição, a população indiana vê a companhia como responsável pelos danos provocados pela Union Carbide.
Destaque indiano: o atirador Abihnav Bindra levou a primeira medalha de ouro
individual da história da Índia na Olimpiada de 2008, em Pequim.
Com o boicote, ela pode continuar como a única.
“Talvez a empresa não tenha medido o potencial de desgaste da marca”, diz Marcelo D’Emídio, chefe do departamento de marketing da Escola Superior de Propaganda e Marketing, de São Paulo. “Não basta deixar claro que a Dow Chemical nada tem a ver com o acidente. É preciso melhorar a maneira de comunicar isso.” A ameaça de boicote indiano não foi o único entrevero enfrentado pela Dow Chemical em seu patrocínio à Olimpíada de Londres. Como se trata de uma empresa química, muita gente não a considera apropriada para patrocinar os próximos Jogos Olímpicos, que tem como meta ser os primeiros sustentáveis da história moderna.
A inglesa Meredith Alexander, uma das 13 integrantes da organização do megaevento, se afastou do cargo exatamente por ser contra o patrocínio. Meredith pertencia à comissão responsável por avaliar se o material fornecido pela companhia era realmente sustentável. (leia quadro ao final da reportagem). A discussão é bastante relevante. Na quinta-feira 9, Lord Moynihan, presidente do comitê organizador da Olimpíada de Londres, fez um entusiasmado discurso no parlamento britânico sobre a importância da ética nos Jogos Olimpícos. “É necessário um código de conduta universal”, disse o dirigente. Moynihan referia-se a fraudes esportivas. Os indianos, no entanto, esperam o mesmo rigor para o patrocínio da Dow Chemical.