13/04/2012 - 21:00
O dia 13 de janeiro de 1999 foi uma das datas mais marcantes do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Na manhã daquela quarta-feira, o governo anunciou uma mudança radical no comando do Banco Central. Saíam o presidente, o economista carioca Gustavo Franco, e o regime de câmbio fixo, adotado no Plano Real como uma das principais armas de combate à inflação. O modelo foi fundamental nos primeiros anos do real, mas não resistiu a um ataque especulativo fulminante à moeda brasileira. E no lugar de Franco, entrou o mineiro criado no Rio de Janeiro e também economista Francisco Lopes, cercado de esperanças generalizadas de que a situação entraria nos eixos.
Repetição: mais uma vez, o BC, de Tombini, enfrenta o problema da desvalorização da moeda.
O motivo é o excesso de dólares.
Foi uma decepção: Chico Lopes, como era mais conhecido, levou na bagagem uma nova e confusa modalidade de controle cambial, chamada de “banda diagonal endógena”, que em poucos dias mostrou-se uma solução desastrosa, derrubando o real em quase 100%. Menos de um mês depois, Lopes era substituído pelo jovem financista Armínio Fraga, executivo que fez carreira nos Estados Unidos a serviço do megainvestidor George Soros. O novo posto colocou Fraga, pela primeira vez, na capa da DINHEIRO, na edição de 10 de fevereiro de 1999. Em dezembro, ele foi eleito Empreendedor do Ano pela revista. O País começava ali a desenhar um novo rumo para sua economia: daquele momento em diante, a cotação do dólar passou a obedecer às forças do mercado.
Gustavo Franco, ex-presidente do BC: o câmbio fixo, que vigorou até 1999,
foi uma das âncoras do combate à inflação, nos primeiros anos do Plano Real.
O câmbio flutuante foi um divisor de águas para o Brasil. O sistema contribuiu para a melhora da situação da balança de pagamentos, que registrou superavit já em 2001 (veja gráfico ao final da reportagem). Ao mesmo tempo, foi fundamental para promover uma redução drástica do endividamento externo e acabar com a necessidade de se manter juros estratosféricos como forma de atrair investidores estrangeiros, tal como acontecera durante as crises financeiras como a asiática, em 1997, e a russa, em 1998. A economia ficou mais estável e o País, um lugar menos arriscado para investimento de longo prazo. Também foi crucial para absorver os choques da crise financeira internacional de 2008.
Passados 13 anos, no entanto, hoje sob comando de Alexandre Tombini, seu primeiro funcionário de carreira a ocupar a presidência, o BC vive, paradoxalmente, uma situação similar à do passado: embora o câmbio não seja fixo, enfrenta mais uma vez o problema da sobrevalorização da moeda. Mas, agora, o motivo é outro: o excesso de dólares sendo injetados na economia. Em janeiro do ano passado, em entrevista ao jornal inglês Financial Times, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, criou polêmica ao acusar os países desenvolvidos, os Estados Unidos à frente, de provocar uma suposta “guerra cambial”. Segundo Mantega, a quantidade maior de dinheiro despejada no mercado para reativar a economia daquele país produz efeitos devastadores sobre o Brasil, já que desvaloriza o dólar e favorece as exportações de produtos americanos.
Nos últimos meses, a presidenta Dilma Rousseff surgiu com a expressão “tsunami monetário”. Era uma crítica às ações dos países em crise, que despejaram alguns trilhões nos bancos. Em resposta ao “tsunami”, o governo vem tomando medidas para proteger a indústria local e barrar a entrada maciça de dólares, o que, na visão de alguns economistas, são medidas paliativas. Para o economista-chefe do Itaú Unibanco e ex-diretor do BC Ilan Goldfajn a questão da valorização cambial que o país vive hoje independe do regime cambial. “A situação está parecida com a de antes porque a gente quer investir mais do que poupa”, diz Goldfajn. “O governo ‘despoupa’ e o setor privado poupa muito pouco.” Essa diferença, segundo ele, acaba sendo coberta com a poupança externa, que acaba apreciando o câmbio. “No fundo, quando você olha em uma década, a valorização do câmbio depende mais das condições macroeconômicas do que do regime cambial”, diz Goldfajn.
“O País precisa adotar medidas que mexam no fundamento, e não no sintoma.” O perfil das contas externas começou a mudar a partir de 2008. Enquanto, de um lado, o superávit comercial ia caindo (com o aumento das importações em ritmo acelerado), uma enxurrada de capital, por outro lado, passou a inundar o Brasil – entre 2008 e 2011, o investimento estrangeiro direto saltou de US$ 24,6 bilhões para US$ 66,6 bilhões. Resultado: o saldo de transações correntes voltou a ficar deficitário, atingindo US$ 52 bilhões no ano passado. “Curiosamente, hoje vivemos situação similar à época do câmbio fixo”, afirma o professor de economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Rogério Mori. “O Brasil depende de atração de capital externo para fechar suas contas.”