09/09/2016 - 20:00
O policial paranaense Newton Ishii, celebrizado como o japonês da Federal, ganhou notoriedade nacional por aparecer escoltando empreiteiros, operadores financeiros, políticos e funcionários públicos presos na operação Lava Jato. Devido a essa fama repentina, Ishii virou personagem de uma marchinha de Carnaval, com direito a máscaras vendidas por camelôs, e foi recebido no Congresso como um herói, posando para “selfies” com nobres parlamentares, que queriam “faturar” em cima de sua popularidade. Mas a dura realidade bateu à porta do policial.
Descobriu-se que sua ficha corrida não era nada exemplar e que respondia na Justiça a um processo em que era acusado de envolvimento com uma quadrilha de contrabandistas que atuava em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai. Condenado a quatro anos e dois meses, o dublê de homem da lei e meliante foi preso em junho deste ano, em Curitiba. Logo depois, passou para o regime semiaberto harmonizado e retornou à obscuridade. Na semana passada, no entanto, Ishii retornou aos holofotes.
Como nos velhos tempos, ele voltou à ativa, participando novamente da escolta de presos de mais uma das fases da Lava Jato, batizada de Greenfield, como o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, e o pecuarista José Carlos Bumlai. Detalhe, assim como Bumlai, o japonês da Federal porta uma tornozeleira eletrônica, que o monitora 24 horas por dia. Apesar de não haver nenhuma ilegalidade – Ishii tem o direito de trabalhar por estar no regime semiaberto – não há símbolo mais eloquente dos problemas da Justiça brasileira.
Não é possível que o comando da Polícia Federal desconheça o embaraço de ter um condenado pela própria Justiça conduzindo outros réus e suspeitos ao xadrez. O caso de Ishii mostra que, no País da piada pronta, ainda falhamos em aplicar a Justiça. Às vezes, somos duros demais e usamos métodos pouco convencionais para conseguir confissões e delações premiadas. Em outras situações, somos coniventes com a impunidade. Observe-se o caso do Foro Privilegiado, que garante aos políticos o direito de serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Mostra a experiência que essa norma apenas assegura a impunidade, dado as dificuldades enfrentadas pela Corte máxima do Brasil em avaliar e resolver os processos envolvendo os políticos. Não por acaso, recentemente, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, veio a público reclamar que o andamento da Lava Jato está mais lento no STF, na comparação com o juizado de primeira instância.
Janot tem razão em ficar preocupado com a morosidade do STF. Segundo um levantamento realizado pela revista Congresso em Foco, divulgado no ano passado, 500 parlamentares foram investigados pelo STF desde 1998.
Desse universo, apenas 16 congressistas que estavam no exercício do mandato foram condenados por crimes de corrupção. A primeira condenação ocorreu só em 2010. Entre os considerados culpados, apenas o ex-deputado Natan Donadon (RO) está atrás das grades. Quatro parlamentares estão sob prisão domiciliar. Dos 513 deputados federais da atual legislatura, nada menos que 148 respondem a ações penais e a inquéritos criminais, segundo a publicação. Dos 81 senadores, 31 estavam na mesma situação. O presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL), é alvo de nove inquéritos no âmbito da Lava Jato.
O Foro Privilegiado cria, de fato, uma casta de cidadãos que segue impune, graças à morosidade da Justiça. O ministro do STF, Marco Aurélio Melo, recentemente, mostrou-se contrário a manutenção desse tratamento diferenciado a um pequeno grupo de brasileiros. “Penso que todo e qualquer cidadão, independentemente de cargo ocupado, deve ser julgado pelo juiz de primeira instância, como ocorre nos Estados Unidos”, afirmou. Tem razão: está na mais do que na hora de acabarmos com essa aberração jurídica.