Uma das vitrines da revolução econômica no Brasil, nos últimos 15 anos, é a agenda do ministro da Fazenda. Guido Mantega dedicou a maior parte do seu tempo, desde o agravamento da crise na Europa, na metade do ano passado, para estimular o crescimento reduzindo os custos do crédito e impostos sobre o setor produtivo e tentar conter a apreciação do real, valorizado pelo excesso de investimentos estrangeiros no País. Mantega está há seis anos no cargo: faltam dois para atingir a marca do ex-ministro Pedro Malan, o mais longevo de todos os ocupantes da principal pasta econômica, na história republicana. 

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Mantega: compromisso com a estabilidade e fim dos pedidos de socorro ao FMI.

 

Mas se os dois estão próximos quanto ao tempo de permanência no poder e ao compromisso com a preservação das bases da estabilidade iniciada em 1994, no governo do presidente Itamar Franco, as diferenças são gritantes em relação aos problemas  enfrentados por ambos no governo e às prioridades da gestão de cada um. Durante seu mandato, Malan, que por sinal foi o personagem de capa da primeira edição da DINHEIRO, lidou com ameaças à estabilidade de preços que havia sido recém-conquistada com o Plano Real. Quase sempre na defesa, o ministro enfrentou negociações difíceis, como a da dívida dos Estados, fundamental para garantir o ajuste fiscal, além da criação do Proer, que evitou uma crise bancária de grandes proporções. O sistema de câmbio fixo usado como âncora contra a inflação deixava a economia mais vulnerável a turbulências externas. 

 

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Palocci: compromisso com a estabilidade e fim dos pedidos de socorro ao FMI.

 

E elas não faltaram: a crise do México em 1994, da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998. A última fez o País, cujas reservas eram praticamente inexistentes, adotar o câmbio flutuante e recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), em busca de socorro. Dez anos depois, em 2008, Mantega também teve de enfrentar uma crise financeira de grandes proporções, nada menos do que a maior desde a Grande Depressão dos anos 1930. A diferença é que pôde fazê-lo numa situação bem mais confortável do que Malan: os US$ 200 bilhões em reservas internacionais de então (hoje chegam a US$ 350 bilhões) tornaram o País muito mais resistente, capaz de caminhar com as próprias pernas sem precisar da ajuda do FMI. Em outras palavras, Mantega, assim como Antônio Palocci, seu antecessor no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve a boa estrela de poder jogar muito mais tempo no ataque do que Malan. 

 

Para o economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, o Brasil beneficiou-se da expressiva mudança de preços relativos das commodities na última década. “Só na segunda metade da década de 2000 a alta dos preços dos produtos básicos acrescentou US$ 100 bilhões aos resultados comerciais”, afirma Barros. A reação positiva do Brasil e de outros países emergentes à crise nos países desenvolvidos aprofundou a mudança no debate econômico. Uma das principais lições dos últimos anos, diz o economista do Bradesco, foi colocar em xeque o receituário econômico tradicional. “A ortodoxia vai tirar um período sabático longo”, brinca Barros. “A política econômica mundial está de pernas para o ar.” A fase atual, segundo ele, é de “heterodoxia disciplinada”, na qual é possível ousar em medidas econômicas, mas com responsabilidade. 

 

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Malan: negociações difíceis da dívida dos Estados e a criação do Proer

para evitar uma crise bancária.

 

Não que na atual agenda de Mantega não existam desafios a serem enfrentados. “É urgente melhorar a competitividade da economia”, afirma o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola. Em termos macroeconômicos, reduzir a rigidez do orçamento público tornaria mais fácil a tarefa de diminuir a carga tributária sobre as empresas, sem prejuízo das metas fiscais. Mas boa parte da discussão, agora, concentra-se na seara microeconômica. Por isso, Mantega tem tido uma interlocução muito mais frequente com empresários do setor produtivo do que Malan. Uma mudança expressiva nos últimos anos é a recuperação  das políticas voltadas a setores que o governo considera prioritários. “As políticas setoriais estavam desaparecidas pelo menos desde a década de 1980”, afirma o professor Tiago Berriel, da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro.  

 

Um efeito colateral do maior contato com os empresários tem sido o aumento de medidas consideradas de certa forma protecionistas, como o aumento do IPI para carros importados e com menor conteúdo nacional. A arma poderosa nas mãos do governo é o forte crescimento do consumo das famílias alavancado pelo crédito, em particular da classe média emergente, que atrai multinacionais de todo o mundo, sedentas de crescimento econômico. Detalhe de pé de página:  nos 17 anos decorrentes desde o início do governo FHC, o País teve apenas três ministros da Fazenda – Malan, Antônio Palocci e Mantega. Situação bem diferente da vivida nos 17 anos anteriores: como mostra o quadro ao lado, nada menos de 15 cidadãos passaram pelo cargo. 

 

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