21/03/2012 - 21:00
A agenda atribulada do urbanista baiano Jorge Hereda, presidente da Caixa, ficou ainda mais ocupada na semana passada. Um único assunto, porém ,pautou as reuniões no 21º andar da sede arredondada da instituição, em Brasília: a ordem da presidenta Dilma Rousseff para reduzir as margens de ganho (os spreads) embutidas nos empréstimos dos bancos oficiais. A ideia da presidenta e do ministro da Fazenda, Guido Mantega, é reduzir os juros cobrados pela Caixa e pelo Banco do Brasil para aumentar a competição e forçar os bancos privados a baratear o custo final do crédito no País, um dos mais altos do mundo.
Jorge Hereda, presidente da Caixa: “A Caixa quer ser o banco da nova classe média”
Depois de mobilizar uma força-tarefa de nove diretores e quatro vice-presidentes por três semanas, Hereda mergulhou nos números e os levou na quarta-feira 14 para Dilma e Mantega. Ao lado do colega Aldemir Bendine, do Banco do Brasil, despachou com o ministro na Fazenda e, no fim da tarde, com a presidenta, no Palácio do Planalto. O tamanho dos cortes deverá ser anunciado nesta semana. À frente da Caixa desde março de 2011, Hereda está à vontade com a nova missão. Ele imprimiu agressividade na expansão dos empréstimos e não pretende parar por aí. No ano passado, enquanto o mercado de crédito cresceu 19%, o volume de financiamentos da Caixa aumentou 42% e a fatia de mercado pulou de 10,3% para 12,3%. Agora, a Caixa quer repetir o movimento.
Num mercado que estima crescer 17% até dezembro, ele espera aumentar a carteira de empréstimos em 34%, para R$ 332 bilhões. Além de reduzir os juros, a estratégia é turbinar as atividades da Caixa, uma instituição tradicionalmente voltada para clientes de baixa renda, transformando-a no banco da classe social que mais cresce no País. “A Caixa quer ser o banco da nova classe média”, afirma Hereda, que rompeu o silêncio e recebeu a DINHEIRO em seu gabinete (leia entrevista ao final da reportagem). O objetivo, bastante ambicioso, é ultrapassar o Bradesco e chegar à terceira colocação no ranking de crédito entre o fim deste ano e o início de 2013.
Novos negócios: em sociedade com o BTG Pactual, de André Esteves (acima),
no Banco PanAmericano, a Caixa busca lucros em segmentos não tradicionais,
como o crédito a veículos e o SFI. Abaixo, obra do PAC, do qual participa.
Os dois primeiros são BB e Itaú Unibanco. “Há muito espaço para crédito neste país: 48% do PIB ainda é muito pouco”, afirma o executivo. A Caixa subiu um degrau no ranking de crédito em 2009, quando os bancos privados se retraíram e os públicos trilharam o caminho oposto. Naquela época, contudo, bastava ter recursos disponíveis para garantir os clientes. Desta vez, o esforço será maior, já que os concorrentes privados também estão capitalizados e não estão dispostos a abrir mão de seu espaço. Fundada em 1861 por dom Pedro II, a Caixa terá de lutar contra seu DNA de gigante estatal, ou seja, precisará ganhar mais velocidade nas operações, avalia Erivelto Rodrigues, sócio da consultoria Austin Asis.
“A Caixa melhorou muito nos últimos anos, a gestão ficou mais profissional e eficiente. Mesmo assim, ainda é um banco lento e não tem a agilidade necessária para competir nos mercados dominados pelos concorrentes privados”, diz. Hereda não se intimida diante do desafio. Sua tática é colocar mais linhas de crédito e serviços na prateleira e baratear os custos dos empréstimos para os clientes já existentes, aumentando a presença onde não é tão forte, como no segmento das grandes empresas. “Hoje, um banco tem de ter um portfólio completo, senão perde clientes”, afirma Hereda. A carteira de pessoas jurídicas, que já cresceu 55,2% no ano passado, deve crescer mais 46% este ano.
Agência em São Paulo: Caixa quer ampliar o relacionamento e virar o primeiro banco dos clientes
do crédito imobiliário e da poupança, com os quais convive por até 20 anos.
Investimentos em infraestrutura já estão sendo feitos por meio do FI-FGTS, um fundo com recursos do Fundo de Garantia, com desembolsos de mais de R$ 16 bilhões nos últimos quatro anos. A Caixa também criou, há dois anos, uma superintendência para atender especificamente o setor de petróleo e gás, que já liberou R$ 10 bilhões em financiamentos e analisa projetos na ordem de R$ 12 bilhões. Também foram criados departamentos específicos para atender os setores de construção civil, energia elétrica e varejo. O banco também quer fortalecer sua presença em áreas em que já é líder, como o crédito imobiliário.
No ano passado, apesar do aumento de 41%, com um volume de R$ 152,9 bilhões, e da liderança folgada, a Caixa perdeu participação no mercado, de 76% para 73,7%. “O crédito imobiliário está crescendo, tem espaço para todo mundo”, diz Hereda. Ele lembra que o segmento ainda é pequeno, o equivalente a apenas 5% do PIB, enquanto em países como Chile e México a participação chega ao dobro. A outra ponta da estratégia é aproveitar o potencial dos clientes pessoa física, especialmente a nova classe média. Hereda lembra que eles serão em breve 60% da população brasileira, com um potencial de consumo superior ao das classes A e B.
É para esse público que a Caixa quer oferecer cada vez mais financiamentos de imóveis, dentro dos programas de moradia oficiais, como Minha Casa Minha Vida e o Sistema Financeiro da Habitação, com recursos da poupança. A parceria com o BTG Pactual no PanAmericano vai atender um outro mercado, o do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), de imóveis com valor acima de R$ 500 mil, com recursos próprios e juros livres e mais lucrativo do que o mercado regulado pelo governo. Mesmo com a obrigação de atender o único acionista, Hereda garante que abrir mão do lucro está fora dos planos da instituição. Mesmo com a ordem de Dilma para reduzir os spreads, o lucro líquido de R$ 5,2 bilhões, obtido no ano passado, será ultrapassado em 2012, promete Hereda. Sem dúvida, uma tarefa e tanto.
“A sociedade com o BTG é um casamento perfeito”
O presidente da Caixa, Jorge Hereda, recebeu a DINHEIRO na segunda-feira 12 para falar sobre a estratégia de crescimento da instituição. Confira alguns trechos da entrevista:
Qual é a estratégia para ampliar o crédito?
Temos três milhões de clientes com crédito imobiliário. Para muitos, a Caixa não é o primeiro banco. Temos 40 milhões de clientes de poupança. Estamos pesquisando seus hábitos para aprofundar nosso relacionamento, que dura de 15 a 20 anos. A Caixa também tem uma vocação grande para atender a nova classe média. E vamos entrar em crédito rural.
Dá para reduzir o spread?
Estamos analisando cada carteira e contando com o aumento da base. Os juros básicos podem cair ainda mais, para 9% ou 8,75% no fim do ano.
O lucro será mantido?
Somos um banco público com um papel social a cumprir, mas não há possibilidade de um resultado negativo.
Com a fraude bilionária do PanAmericano, a Caixa pensou em desistir do negócio?
A fraude foi uma surpresa, descoberta depois da compra e do pagamento da primeira parcela. Não podíamos mais sair. Inclusive, a Caixa já fazia parte da empresa, podia ser responsabilizada legalmente. E fizemos a coisa certa. O banco se fortaleceu. O PanAmericano está ganhando mercado e daqui a dois anos ele vai dar muito resultado.
Como é a relação com o sócio BTG Pactual?
É excelente. Eles têm que respeitar o nosso timing. Um pouco de ponderação ajuda. E agilidade também ajuda muito. Eu acho que é o casamento perfeito. Um banco público é um banco como outro qualquer, nós também precisamos de agilidade. Mas é lógico que se o André (Esteves, presidente do BTG/Pactual) resolver comprar uma empresa, ele vai fazer isso com os sócios dele ali. Eu não, eu tenho que pensar.
Colaborou: Cláudio Gradilone