13/07/2011 - 21:00
Os últimos dias não têm sido fáceis para o economista Luciano Coutinho, presidente do BNDES, o principal banco de fomento brasileiro. Na berlinda, por ter engajado o banco na controvertida e intrincada proposta de fusão envolvendo os grupos franceses Carrefour e Casino, com o Pão de Açúcar, Coutinho deverá ser convocado para prestar contas ao Congresso sobre esse envolvimento. O presidente do BNDES foi rápido no gatilho ao oferecer até R$ 3,9 bilhões para apoiar as planos do empresário Abilio Diniz de impor goela abaixo ao seu sócio Casino um casamento com o Carrefour.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, quer um varejo mais forte,
o que explica o interesse na fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour
Com a mesma velocidade, deixou a cena quando a temperatura da disputa societária – que incluiu uma visita do presidente do Casino, Jean-Charles Naouri, na segunda-feira 4, à sede do BNDES no Rio de Janeiro, para reclamar da postura do banco – chegou ao ponto de fervura. A saída à francesa de Coutinho, porém, pode ter sido apenas um freio de arrumação. Até as lajes de granito da entrada do edifício do banco sabem que, a depender de Coutinho e de seus superiores em Brasília, a ordem é apoiar operações semelhantes, cujo fruto sejam empresas brasileiras de porte global. Incluindo as de varejo.
Imbróglios societários à parte, a boa vontade de Coutinho em participar da polêmica operação Pão de Açúcar revelou um pouco da ansiedade do banco em recuperar o atraso em relação aos investimentos do setor, avaliam especialistas. O fortalecimento das empresas brasileiras varejistas tornou-se uma necessidade premente, na visão do BNDES, como forma de alinhamento à tendência mundial de concentração do varejo. Perto das maiores empresas do setor, as brasileiras ocupam uma posição muito tímida, ao contrário de companhias nacionais de segmentos industriais, como siderurgia, ou petróleo.
Luiza Trajano, do Magazine Luiza: a empresária obteve R$ 80,4 milhões do BNDES em 2008.
A rede Marisa teve aportes totais de R$ 397 milhões, entre 2007 e 2010
Num ranking das 200 maiores varejistas globais, preparado pela consultoria americana Kantar Retail, o Brasil só aparece uma única vez, na posição número 87, com o grupo Pão de Açúcar. O americano Walmart, em primeiro, e o Carrefour, em segundo, estão no topo. O Casino, sócio de Abilio Diniz, ocupa o 27° lugar. A título de comparação, na ponta do lápis, o Walmart tem muito mais peso para a economia americana do que o maior varejista do Brasil. A empresa fundada por Sam Walton em 1962 é a maior companhia dos Estados Unidos e fatura US$ 421 bilhões, o equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos, com a rede de 8,4 mil lojas espalhadas por 16 países.
Grande parte do crescimento da Walmart, e da maioria das potências supermercadistas, deu-se por intermédio do movimento de fusões e aquisições – no caso da companhia de Bentoville, no Estado americano do Arkansas, foram mais de 15 internacionalmente, desde 1980. No Brasil, a rede absorveu, por exemplo, a partir de 2005, o pernambucano Bompreço e o português Sonae, entre outros. O Carrefour, por seu turno, conquistou a vice-liderança mundial por meio da compra de outras bandeiras, como sua conterrânea Promodes, e de 15 redes brasileiras, nos últimos 14 anos – a mais recente delas foi o Atacadão, em 2007.
O Pão de Açúcar, por sua vez, fez 12 aquisições até hoje, incluindo o Ponto Frio e a Casas Bahia, em 2009. Ainda assim, seu faturamento de US$ 22 bilhões, no ano passado, representa menos de 1% do PIB brasileiro. Para Fabio Pina, economista-chefe da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), a oferta do banco de fomento, no caso da fusão do Pão de Açúcar, faz sentido pelo peso estratégico do setor na economia. “O BNDES já deveria ter começado a estruturar seu apoio à consolidação do varejo há tempos”, diz Pina. Na realidade, a preocupação do banco em ampliar o espaço das varejistas em sua carteira de clientes se torna evidente ao avaliar a evolução dos financiamentos para os maiores varejistas.
De quatro anos para cá, os desembolsos para financiar operações no varejo deram um salto em progressão geométrica. Em 2007, as empresas do setor contraíram um total de R$ 1,7 bilhão em empréstimos do BNDES. No ano passado, esse número chegou a R$ 4,56 bilhões, um aumento de 160% no período. Só de janeiro deste ano até abril, o BNDES desembolsou outro R$ 1,6 bilhão para o varejo nacional. Além do Pão de Açúcar, nomes como Magazine Luiza, Lojas Marisa e Carrefour bateram às portas do banco estatal em busca de dinheiro barato. O Carrefour, por exemplo, obteve, entre 2007 e 2010, R$ 1,4 bilhão do BNDES, 40% a mais do que o atual amigo desde criancinha, Pão de Açúcar.
Pina, da Fecomercio, observa que o banco tem mudado seu rumo a conta-gotas, e é por isso que o apoio financeiro à eventual fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour causou estranheza. “O mercado ainda não digeriu o fato de que a economia como um todo passa por um deslocamento de forças, no qual o comércio ganha mais peso do que no passado”, afirma Pina. A indústria, lembra ele, representa um terço do PIB, ficando o comércio e os serviços com os restantes dois terços. “Ou seja, faz todo sentido ampliar o espaço do varejo na economia.” Seja qual for a estratégia do banco, ela precisa ser mais debatida publicamente, avalia Arthur Barrionuevo, doutor em economia e professor da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.
“Com a concorrência internacional, o varejo precisa ganhar força e escala”
David Kupfer, economista da UFRJ
Isso porque o dinheiro do banco é oriundo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que é um recurso público. “Uma política de fusões é algo que merece muita discussão, portanto seria interessante que houvesse uma orientação clara para a sociedade sobre quais empresas têm de ser priorizadas pelo BNDES”, diz Barrionuevo. A grande crítica ao banco presidido por Coutinho é a eleição de algumas companhias de grande porte, que poderiam buscar recursos no mercado financeiro e acabam por ter recursos a juros subsidiados. “Nos Estados Unidos, só os varejistas de pequeno porte têm recursos garantidos pelo governo, a juros subsidiados, para empréstimos”, diz Frank Badillo, vice-presidente da consultoria Kantar Retail, especializada em varejo.
Ao fim e ao cabo, observa o economista David Kupfer, coordenador do grupo de indústria do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), não haverá como fugir de uma mudança estrutural no mercado, em que o varejo ganha poder, inclusive de organizar a cadeia industrial, como acontece em outros países. “É o varejo que estabelece as características de produtos das empresas”, diz Kupfer. Em sua opinião, o baixo crescimento da economia, nas décadas de 1980 e 1990, atrasou o desenvolvimento de um número mais expressivo de grandes varejistas no País. “À medida que a concorrência internacional se acirra, o varejo precisa ganhar força para assumir mais o ganho de escala”, afirma Kupfer.