A disputa entre bancos e poupadores pode estar chegando ao fim. O Supremo Tribunal Federal (STF) colocou em pauta para a sessão da quarta-feira, dia 28, a decisão de quem tem razão na batalha judicial travada em torno da indenização bilionária pleiteada pelos investidores em cadernetas de poupança que se sentiram prejudicados pelos planos econômicos decretados pelo governo entre 1986 e 1994. A princípio marcada para novembro do ano passado, a sessão foi adiada sem data para agora voltar, sem aviso prévio, à pauta do Supremo.

O assunto é incandescente e os números são estratosféricos. Para entender o caso, é preciso voltar a 1986, quando a inflação rondava os 500% ao ano e o governo decretou o Plano Cruzado para tentar quebrar a dinâmica da indexação da economia. Entre as medidas, uma alteração no cálculo de rendimento da poupança, que rendia juros de 6% ao ano mais correção monetária. O Cruzado foi a primeira de seis intervenções destinadas a debelar uma inflação que chegou a 84% ao mês em março de 1990, época da edição do Plano Collor. Para deter a espiral inflacionária, os planos alteraram a forma de cálculo da poupança.

Sentindo-se lesados, muitos poupadores questionaram essas decisões judicialmente. Tarda, e frequentemente falha, a Justiça demorou 25 anos para levar o caso à última instância, o STF. As implicações sobre o sistema financeiro são profundas. Ao longo desse período, além da inflação elevada, a taxa Selic chegou, em alguns momentos, a 49% ao ano. Em 2013, a Febraban, entidade que representa os bancos, contratou a consultoria paulista LCA para avaliar o impacto de uma decisão favorável aos poupadores. No pior cenário, a perda poderia chegar a R$ 340 bilhões, quase metade do patrimônio de referência de todo o sistema bancário.

Se já não fosse ruim, na quarta-feira 21, em uma votação disputada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma decisão favorável aos poupadores. Ao julgar o período de cálculo dos juros para a indenização, o STJ determinou que eles têm direito à correção desde o momento em que entraram com a ação na Justiça, e não como pleiteavam os bancos, apenas a partir do momento da condenação. A diferença no período de cálculo pode chegar a vários anos e elevou a fatura a ser paga pelos bancos em pelo menos R$ 100 bilhões. Em uma lacônica nota divulgada na quinta-feira 22, a Febraban informou que “os bancos irão interpor embargos de declaração perante o próprio STJ e, também, poderão recorrer dessa decisão perante o STF”.

Se a Federação fala pouco, os banqueiros são mais diretos. Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, questiona a retomada dessa discussão. “Isso é uma coisa louca”, disse Setubal à Agência Estado. “Fizemos o que a lei exige, não tivemos nenhuma vantagem e, no fim do dia, estamos sendo solicitados a pagar uma conta que não faz sentido”, afirmou durante um evento em São Paulo. A situação dos bancos não é boa. Ao contrário do que fez no ano passado, quando mobilizou seus advogados para visitar os 11 ministros do STF e argumentar em favor dos banqueiros, desta vez o governo apenas monitora a questão.

A defesa está a cargo da Advocacia Geral da União (AGU) e do Banco Central (BC). Luís Inácio Adams, titular da AGU, visitou Ricardo Lewandowski na quinta-feira 22. No dia anterior, Murilo Portugal, presidente da Febraban, tratou do assunto com José Dias Toffoli. Adams e Isaac Sidney Menezes Ferreira, procurador-geral do BC, defendem que os bancos apenas cumpriram a lei e não lucraram com a medida. Previsto para fevereiro deste ano, o julgamento foi adiado para que os ministros do STF concluíssem a votação dos embargos infringentes dos réus do mensalão.

Nos bastidores, o governo fez um esforço para que o assunto não entrasse em discussão em um ano eleitoral, por causa do impacto devastador sobre a confiança dos empresários. Agora, Adams e Ferreira aguardam a resposta da petição que encaminharam ao Supremo em fevereiro, pedindo a realização de audiências públicas para discutir o impacto que as medidas teriam sobre os bancos. O governo acredita que esses pedidos serão votados no início do julgamento. Se forem aceitos, os interessados no adiamento ganham tempo. Outra hipótese é que algum dos 11 ministros, mais alinhado com o governo (ou com os bancos), peça vistas do processo, paralisando por tempo indeterminado a decisão.