Uma declaração do mega-investidor americano George Soros resume bem o cenário com que o mundo se depara, depois de a intransigência da oposição republicana quase colocar o governo do presidente Barack Obama de joelhos. “O dólar é a moeda mais fraca, exceto por todas as outras.” Desde a Primeira Guerra Mundial, quando desbancou a libra esterlina, é essa divisa que lidera o posto de porto seguro para os investidores, sejam eles empresas, sejam governos. No entanto, a recente queda de braço entre a oposição e o governo democrata em torno do aumento do teto da dívida dos Estados Unidos levantou uma dúvida: não está na hora de buscar uma moeda que possa servir de alternativa?

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A preocupação é pertinente. Em meio ao embate político, a agência de classificação de risco Fitch colocou o país em perspectiva negativa porque vislumbrou uma possibilidade real de que os compromissos não fossem honrados. Em bom português, que ocorresse um calote dos títulos da dívida americana. A nota atual é a máxima (AAA). Um novo rebaixamento (em agosto de 2011 Standard & Poor’s reduziu a nota para AA+) teria um potencial de desvalorização do dólar em si e, por consequência, de carteiras de investimento e de reservas internacionais mundo afora. Para Ricardo Molan, economista-chefe do banco Santander, ainda é cedo para tirar conclusões. 

 

 

 

“É prematuro falar em rebaixamento da nota da dívida”, afirma. Mas nem mesmo com o acordo provisório anunciado na quarta-feira 16 entre os líderes dos dois partidos no Senado a ameaça está completamente afastada, uma vez que é preciso encontrar um acerto definitivo até o início do ano que vem. “Apesar da força econômica do país, esse embate contínuo pode, progressivamente, corroer sua credibilidade”, diz o presidente da Inter.B Consultoria, Cláudio Frischtak. A fé na moeda americana pode ser constatada por sua hegemonia nas reservas mundiais contabilizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que totalizaram US$ 11,14 trilhões em junho. 

 

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Desgaste constante: embate entre republicanos e o governo do

democrata Obama atingem credibilidade dos EUA

 

Sobre a parcela em que há detalhamento das alocações, no valor de US$ 6,07 trilhões, 62% estavam aplicados em ativos atrelados ao dólar. No caso de alguns países, como o Brasil, a predominância é ainda maior, por volta de 80%. A segunda maior participação mundial pertence ao euro, com 23,8%.  Na avaliação de Frischtak, a cada problema que os Estados Unidos enfrentam, os gestores de carteiras de investimentos e os governos estrangeiros consideram a adoção de outras alternativas. O economista reconhece que no momento não há nenhuma economia com capacidade de preencher o posto de porto seguro para os investidores, mas lembra que, talvez, a hegemonia não dure para sempre. 

 

 

 

“Na próxima década, com as reformas econômicas na China mais encaminhadas, o yuan, juntamente com o euro, pode ganhar espaço tornando a competição mais equilibrada”, afirma. A economista Mônica de Bole, da Galanto Consultoria, concorda com seu colega da Inter.B. Para ela, não há, no curto prazo, uma potência que tenha capacidade de suprir a necessidade de quem busca ativos de baixíssimo risco. Mesmo economias consideradas estáveis, como a da Alemanha, não conseguem sozinhas suprir a demanda. A falta de opções também ajuda a explicar a facilidade com que os americanos conseguiram elevar a sua dívida nos últimos anos, que já ultrapassa o total do PIB do País. 

 

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Enquanto não surgem alternativas para a transição, Mônica acredita numa busca pontual por novos ativos. Ela cita como exemplo a China. Embora tenha a metade de suas reservas de US$ 3 trilhões atrelada à moeda americana, o país do presidente Xi Jinping tem investido pesadamente em ouro nos últimos anos. Ao ocupar a posição de maior detentor de títulos do Tesouro norte-americano, somente o gigante asiático poderia liderar uma mudança em menor espaço de tempo. Mas isso não ocorreria sem uma apreciação da moeda chinesa, o que está descartado enquanto Pequim não realizar as reformas necessárias para reduzir a dependência das exportações.

 

 

Uma outra alternativa, mas que também demanda tempo para ser implementada, são operações baseadas na cesta de divisas do FMI, chamada de Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês). No entanto, não há produtos financeiros que usem essa medida como referência. Por ora, o mundo vai continuar correndo para o mesmo lugar. “O dólar seguirá sendo a principal moeda de reserva, mesmo que fique meio capenga”, diz Mônica, da Galanto.