O futuro ministro da Economia do México, Ildefonso Guajardo, ajeitou-se no púlpito, tomou o microfone e tratou de falar alto e bom som para que ninguém na plateia deixasse de escutar ou tivesse dúvidas sobre o teor da mensagem: “Vamos fazer um relançamento de nossas relações comerciais com o Brasil. Precisamos incrementar a balança de negócios entre os dois países. De cada US$ 100 de vendas externas que fazemos, só trocamos US$ 2 com o Brasil. É muito pouco.” Ninguém ignorou o recado. Ouvindo Guajardo estava uma delegação de quase 150 empresários brasileiros, além de CEOs de outras 20 companhias mexicanas, por ocasião do 17º Meeting, realizado anualmente pelo LIDE de João Doria Jr., dessa vez no balneário Punta Mita, dias atrás. 

 

127.jpg

Futuro ministro: Ildefonso Guajardo propôs um relançamento das relações econômicas 

 

Após mais de dez anos de ausência do poder, o PRI, partido de Guajardo, retomou o governo com a eleição de Enrique Peña Nieto – e a troca de comando representou sim um promissor sinal de que aquele mercado pode finalmente conceder maiores oportunidades a mercadorias e empreendimentos brasileiros. A plataforma do PRI contempla a América Latina como prioridade, e acenos de retomada como o de Guajardo tornaram-se frequentes desde então e estão indo bem além das intenções. Prova maior foi dada pelo próprio presidente eleito quando, antes mesmo de assumir em 1º de dezembro próximo, tratou de visitar o Brasil, onde despachou o assunto diretamente com Dilma Rousseff e com representantes do baronato da Fiesp. 

 

Na sede da indústria paulista antecipou, quase palavra por palavra, o tema da reaproximação levantado por seu subordinado. Deu contornos concretos da disposição em estreitar laços com a promessa do fim da exigência de vistos para a entrada e saída de brasileiros do seu país, ideia que pode virar realidade a partir de um documento a ser firmado já em janeiro de 2013. “A exigência de visto não é uma atitude amistosa, não revela confiança e não faz sentido na diplomacia moderna em um mundo tão globalizado como o de hoje. Tem que ser logo abolida”, observou Doria, saudando o gesto. Desde que as relações entre Brasil e México esfriaram por divergências entre os organismos multilaterais que regem as negociações, regras e contratos dos dois países não se via nada igual. 

 

128.jpg

Carlos Guzmán da Proméxico: 80% das exportações concentradas

em produtos manufaturados

 

Nesses novos tempos de aproximação, foi encaminhado também um protocolo batizado de “Acordo Estratégico de Integração Econômica Brasil-México” (AEIE), espécie de tratado bilateral contemplando áreas de aduanas, acesso a mercados, compras governamentais, intercâmbio de propriedade intelectual e aumento de investimentos. “Está mais do que na hora de os dois países assumirem algum risco e terem ousadia”, disse o ex-ministro do Desenvolvimento Luiz Fernando Furlan, presente ao Meeting. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, que retribuiu a visita de Peña Nieto integrando a caravana brasileira em Punta Mita, almeja incrementar a escala de faturamento nesse corredor de negócios para um valor anual médio da ordem de US$ 30 bilhões. 

 

“Temos de subir o patamar para algo ao menos três vezes maior do que é hoje”, diz Skaf. O momento não poderia ser mais oportuno. Atualmente a balança de comércio bilateral traz números pequenos, simbólicos da ausência de um maior diálogo entre as respectivas autoridades governamentais no passado recente. A cifra não passa de US$ 9,07 bilhões ao ano, considerada irrisória porque as duas economias mostram-se em franca ascensão no mundo e, juntas, somam mais de US$ 1 trilhão em exportações. No caso mexicano, cuja base de crescimento, tal qual um caixeiro-viajante, são as vendas aos mercados de vários continentes – onde faturou cerca de US$ 700 bilhões –, a conta com o parceiro brasileiro representa menos de 3% do seu resultado total. 

 

129.jpg

Convergência de ideias: Luiz Furlan quer mais ousadia comercial e Paulo Skaf fala em negócios de US$ 30 bilhões

 

Da pauta de exportações brasileiras que seguem para lá, 27% equivalem a máquinas e aparelhos elétricos. Já as importações trazidas na via contrária são concentradas, praticamente (44%), em automóveis e tratores. O leque de produtos desse intercâmbio nas duas praças pode, e deve, se ampliar consideravelmente. É no que acredita, em especial, o presidente eleito, Peña Nieto. Na conjuntura, o México ultrapassou com larga margem o Brasil e está dando olé, de acordo com o que se verifica nos resultados apresentados. Há dois anos consecutivos seus índices de crescimento do PIB são maiores que os do parceiro, após longa temporada (uma década) seguindo atrás. O país vem se mostrando mais competitivo e arrojado, com investimentos diretos de cerca de US$ 24 bilhões no mercado brasileiro, contra apenas US$ 6 bilhões em inversões do grande irmão do sul no seu território, segundo levantamento realizado desde 2002. 

 

Com uma carga tributária baixa (leia ao final da reportagem), o México também parece mais amigável aos olhos do mundo para a atração de capital produtivo. Planeja agora fortalecer sua posição no Nafta e arrecadar maiores dividendos do bloco a partir da recuperação do principal aliado na região, os EUA. O Brasil, por sua vez, vive momentos difíceis no âmbito do Mercosul devido à queda de desempenho de economias como a da Argentina, Venezuela e Uruguai, para ficar nos casos mais crônicos. Caminha para um tímido desempenho do PIB neste ano, da ordem de 1,6%, conforme estimativas oficiais. E empreendeu uma política protecionista que vem assustando alguns investidores. A diferença de postura e de políticas econômicas desses que são os dois mais representativos países latino-americanos não configura, porém, impeditivo para a busca de novas sinergias. 

 

130.jpg

Diplomacia: o organizador Doria entre os embaixadores do México, Alejandro De La Peña,

e do Brasil, Marcos Raposo

 

Durante o Meeting foi sugerido que o Brasil tem muito a aprender com o know-how mexicano para turbinar exportações. Esse, por sua vez, quer entender como fomentar o mercado interno nos moldes do parceiro, que viu crescer a população de consumidores a partir da ascensão das classes “C” e D”. Ao mesmo tempo que dá olé nas estatísticas, o México está claramente acenando com um olá para a volta dos bons tempos nesse corredor de negócios. O entrave maior recente foi o acordo dos carros, que sofreu um revés em março último com a determinação de cotas máximas por parte das autoridades brasileiras – agora as compras com desconto de tarifa estão limitadas pelo teto de US$ 1,45 bilhão ao ano.

 

Isso ocorreu porque, em 2011, o Brasil registrou um déficit comercial de US$ 1,2 bilhão na balança bilateral, quase dez vezes maior que os US$ 150 milhões verificados em 2009. A compensação vem gradualmente ocorrendo através de casos concretos de novos negócios, como o do investimento de mais de US$ 100 milhões da gigante Femsa (maior engarrafadora de Coca-Cola no mundo) em Minas Gerais e a possível união de esforços, ainda em estudo, das petrolíferas Petrobras e Pemex para a atuação conjunta no mercado internacional. De uma maneira ou de outra, o notável progresso conseguido pelos mexicanos no campo das relações internacionais, onde já dispõe de 40 acordos de cooperação, está sendo um bom aprendizado para o Brasil, que quer realizar voos mais altos. Para além do Mercosul. 

 

 

A LIÇÃO DA DESONERAÇÃO

 

Uma das maiores disparidades econômicas entre o Brasil e o México está na carga fiscal praticada pelos dois países. Enquanto o primeiro construiu uma barreira tributária que penaliza cidadãos, produtos e serviços com impostos da ordem de 36% do PIB, o outro vive uma realidade bem diferente com a taxação média girando em torno de 10% do PIB. O governo brasileiro é praticamente sócio da produção e sofre com o problema da informalidade, enquanto o mexicano acredita arrecadar mais com menos a partir da inclusão de novos contribuintes. 

 

131.jpg

Maia (acima) diz que o assunto impostos é complexo. Rabello tem a fórmula.

 

A diferença de postura também baliza o interesse dos investidores internacionais, que são atraídos pelas vantagens comparativas encontradas na terra da tequila. Indagado durante o Meeting sobre as chances de uma desoneração nos moldes da mexicana, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia, saiu pela tangente. Disse que o assunto é complexo porque envolve interesses distintos, inclusive dos governos estaduais. O economista Paulo Rabello de Castro lançou no Meeting uma fórmula em forma de proposta que reduziria a cinco categorias tributárias a quantidade de impostos necessários para o Brasil. Foi mais uma contribuição para a discussão do assunto que corre nas plenárias do Parlamento.