Nos últimos 30 anos, a construtora paulistana WTorre ficou conhecida no mercado por duas características muito marcantes: a primeira é erguer empreendimentos comerciais gigantescos e a segunda é atuar com um modelo de negócios, no mínimo, peculiar. 

A companhia, que vai construir a Arena do Palmeiras, tem como prática se endividar para comprar terreno e levantar edifícios. Detalhe: em muitas ocasiões, constrói sem a garantia de que alguma empresa embarque no projeto. Ou seja, de uma hora para outra, o caixa pode receber uma bolada milionária.  

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Walter Torre Jr., presidente da WTorre

 

Mas os riscos crescem na mesma proporção. E, de tempos em tempos, isso se reflete nos números da empresa. DINHEIRO teve acesso ao balanço financeiro da companhia referente ao terceiro trimestre de 2010. Nele, observa-se que o ativo total da construtora saiu de R$ 4,5 bilhões, em 31 de dezembro do ano passado, para R$ 3,9 bilhões até 30 de setembro deste ano – queda de 13%. 

 

O patrimônio líquido encolheu 43,3% no mesmo período – saiu de R$ 808 milhões, em 2009, para R$ 458 milhões no encerramento do terceiro trimestre de 2010. Já o endividamento saltou de R$ 121 milhões, em 2009, para R$ 629 milhões no acumulado de janeiro a setembro deste ano. 

 

Um crescimento de 420%. “Esse é o nosso jeito, é o nosso modelo de negócios e dá resultado há mais de 30 anos”, diz Torre em entrevista exclusiva. “O nosso negócio é dívida.” 

 

Em um raro desabafo, o empresário, conhecido por sua ousadia, dispara contra os críticos. “Ou é dor de cotovelo ou é gente que não entende o que eu faço”, diz Torre, com um certo tom de revolta, para em seguida retomar a firmeza de seu discurso. 

 

Pode ser uma coisa ou outra, mas o mercado já deu sinais de incômodo com o modelo de negócios da WTorre. A empresa tentou abrir capital (IPO, na sigla em inglês) em duas ocasiões: em 2007 e em abril deste ano, mas acabou recuando quando os investidores sinalizaram disposição de pagar 30% menos do que ele pedia por ação. 

 

Novamente pesaram os números apresentados no balanço da companhia. A resposta dada por ele costuma vir na forma de uma grande tacada. Um negócio que, além de repor o caixa, permite que a WTorre continue construindo obras de grande porte Brasil afora. 

 

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Mãos à obra: da sede da WTorre (à esq.) saíram os projetos da torre que abriga o 
quartel-general do banco Santander (abaixo) e da reforma do estádio do Palmeiras (acima, à dir).  

 

Foi assim com a venda do edifício, no bairro da Vila Olímpia, em São Paulo, que abriga a sede do banco Santander. Ele foi comprado pela instituição financeira por R$ 1 bilhão, em junho de 2008. 

 

Recentemente, mais precisamente em outubro, a construtora passou adiante outras duas torres no mesmo endereço ao banco BTG Pactual, por R$ 165 milhões. Logo em seguida, vendeu por R$ 335 milhões o Estaleiro Rio Grande, o maior da América Latina, para a Engevix. 

 

A próxima tacada, diz Torre, é o lançamento de um fundo de investimento imobiliário lastreado no edifício que a empresa está construindo, no Rio de Janeiro, que abrigará a sede da Petrobras. O fundo já foi protocolado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que deve bater o martelo no próximo dia 15. 

 

A expectativa de Torre é captar algo entre R$ 1 bilhão e R$ 1,2 bilhão. Com este edifício especialmente, ele ganha duas vezes – com o aluguel para a Petrobras e com a captação do fundo. 

 

Apesar das apostas audaciosas, o balanço da WTorre apresenta um prejuízo de R$ 52 milhões (leia quadro). “Mas vamos encerrar 2010 com um lucro de, pelo menos, R$ 100 milhões”, diz Torre. “O mercado precisa aprender a olhar os nossos números e parar de nos comparar a incorporadoras tradicionais. Enquanto elas só têm um estande de vendas e a promessa de um edifício, nós temos terreno e a obra pronta”, completou. 

 

Na sede da empresa – um prédio de cinco andares de arquitetura moderna e arejada –, o empresário oscila entre a tensão imposta pelos prognósticos do mercado para seus negócios e a euforia com os projetos em andamento. “Vamos iniciar a construção do maior edifício comercial da América Latina. É um verdadeiro espetáculo. 

 

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É um terreno de 22 mil metros quadrados, com 96 mil metros de área locável. A torre comercial terá 32 pavimentos e cinco níveis de subsolo”, descreve, enquanto mostra os croquis do projeto que custará R$ 600 milhões e brotará na Marginal do Rio Pinheiros, em São Paulo.

 

Ao mesmo tempo que afirma não estar preocupado com os resultados do balanço da companhia, Torre, que tem o empresário Paulo Remy Gillet Neto e os bancos Santander e Votorantim como sócios, reconhece que as desconfianças acabam atrapalhando, como nas tentativas de abertura de capital. 

 

“IPO, nunca mais. Quando preciso fazer caixa, vendo um terreno e ponho dinheiro aqui sem ter que dar satisfação para sócio”, afirma Torre. Essa estratégia, porém, tem seu preço. No ano passado, a empresa encerrou o exercício com R$ 3,8 bilhões em estoque. 

 

Até setembro deste ano, porém, a disponibilidade já havia sido reduzida para R$ 2,9 bilhões. Para o professor de finanças do Insper Ricardo Almeida, recorrer a bancos ou vender ativos para fazer caixa é o maior erro do empresário. 

 

“Não sei se por orgulho ferido, por ver o mercado oferecendo menos por sua empresa do que ele acha que ela vale. O fato é que ele podia ter levantado o capital necessário sem se desfazer de seus ativos”, afirma o professor. Para Almeida, ao vender terrenos, a WTorre estaria fazendo algo similar a uma padaria em dificuldades que resolve vender o forno para fazer caixa.

 

 O perfil das aplicações financeiras da WTorre também mudou bastante. A empresa alongou sua dívida: a de curto prazo caiu 34%, ao passo que a de longo prazo avançou 32%. Os números parecem correspondentes, mas, na ponta do lápis, a WTorre trocou R$ 185 milhões de dívida curta por R$ 311 milhões de dívida de longo prazo, considerando apenas os empréstimos e financiamentos. 

 

“O custo aumentou por conta da variação dos índices de correção e porque mudamos o perfil dos empréstimos”, diz Paulo Remy, sócio de Torre na construtora. Torre e Remy garantem que o endividamento da empresa cairá pela metade em 2011.

 

Enquanto isso não ocorre, o faturamento cai. A receita líquida dos nove primeiros meses de 2010 foi de R$ 427  milhões, uma queda de 64% em relação ao R$ 1,18 bilhão do mesmo período do ano passado. 

 

Esses números não parecem tirar a tranquilidade do empresário. “Quando publicarmos o balanço integral da companhia, em 2010, verão que estamos longe, muito longe, do fim”, afirma Torre, com a concordância do sócio Remy.