Caminhar pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) é participar de uma aula em silêncio. Ali, o barroco passa longe, dando lugar a linhas simples e técnicas construtivas manipuladas bem diante dos olhos de todos que por lá passam. Uma grande caixa de concreto aparente, sem portas ou grades, com andares ligados entre si por rampas e uma iluminação natural capaz de aclarar todos os espaços internos da escola, deixa evidente, de maneira proposital, os termos estruturais do edifício. Não por acaso, quem a planejou foi Vilanova Artigas, o arquiteto professor que fazia de suas próprias obras uma ode ao uso do espaço coletivo.

Nascido em Curitiba, João Batista Vilanova Artigas foi mais do que um arquiteto. Foi um pensador teórico apaixonado pela profissão e fomentador da escola paulista. Quem assistia às suas aulas ou participava de seus círculos de amizade costuma descrevê-lo até hoje com deferência, entre eles, ninguém menos do que Paulo Mendes da Rocha, seu discípulo e ganhador do Prêmio Pritsker, o Oscar da arquitetura. Artigas faleceu aos 69 anos. Se estivesse vivo, completaria 100 anos em junho, mês que começam a acontecer os eventos em homenagem à data. Na agenda do centenário, já constam um site oficial (no ar, mas com apenas parte do acervo virtual disponível), uma cinebiografia, dois livros (um deles voltado para o público infantil, com desenhos feitos pelo arquiteto para os netos) e uma exposição promovida pelo Itaú Cultural, em São Paulo.

Apesar da supremacia de Niemeyer no imaginário popular brasileiro, Vilanova Artigas foi um dos arquitetos modernistas mais importantes na história do País. Formado engenheiro-arquiteto pela Escola Politécnica da USP, em uma época que não haviam cursos especializados em arquitetura, Artigas foi o líder da escola paulista e acreditava ser essencial impulsionar a reflexão sobre a função social do arquiteto. Ganhou dois prêmios da União Internacional dos Arquitetos (UIA): Jean Tschumi, por sua contribuição para o ensino da arquitetura, e Auguste Perret, pelo apoio ao desenvolvimento da técnica.

Além da fundação da FAUUSP, colaborou com a criação do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), na capital paulista, batalhou pela regulamentação da profissão quando era confundida com engenharia e fundou, juntamente com outros de sua geração, o Sindicato dos Arquitetos de São Paulo. Ainda na FAU, foi responsável pela mudança no currículo escolar do curso, para que abordasse também design e urbanismo, além da forma arquitetônica. Sua biografia, entretanto, não pode ser desvencilhada do contexto político da época. Nascido em 1915, Artigas passou pela ditadura com sobressaltos, que causou até mesmo o afastamento de sua adorada FAU, onde lecionou por quase duas décadas até a aposentadoria compulsória por força do AI-5, em 1969, devido a sua afiliação ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Volta para a FAU em 1980, após a anistia, na condição de professor auxiliar e mostra-se um pouco desencantado com a arquitetura do país. “No final da vida, ele considerava que a arquitetura moderna brasileira havia se transformado numa pacata academia de formas, sem a capacidade inovadora dos primeiros anos e que cedera aos apelos do mercado imobiliário”, diz Rosa Artigas, historiadora e filha do arquiteto. Em vida, Artigas fez somente um projeto grande voltado para o mercado imobiliário, o edifício Louveira, localizado no bairro de Higienópolis, em São Paulo. E ainda assim fez dele um bom exemplo do uso do espaço coletivo.

A fachada do prédio, toda voltada para apenas um lado, não permite que algum morador tenha uma vista mais privilegiada do que a de outros. Já o piso térreo, por não conter nenhum tipo de barreira visual ou física, assume um caráter de extensão visual e física do espaço público, fazendo da praça Vilaboim uma ampliação do jardim do edifício e vice-versa. “É interessante perceber que nenhuma pessoa se vê intimidada de entrar no espaço do jardim interno do edifício, seja morador ou não. Paradoxalmente, o edifício não apresenta nenhuma manifestação de violência ou insegurança.

Pelo contrário, sua devassidão visual garante a integridade tanto de dia como à noite”, explica Alvaro Puntoni, arquiteto e professor da FAUUSP e da Escola da Cidade. “Artigas e o edifício Louveira ensinam que a cidade pode existir e fruir independentemente dos limites dos lotes.” O arquiteto projetou também algumas residências para intelectuais paulistanos usando o mesmo senso de coletivo que tanto faz parte de seu DNA, além de impor uma nova forma, menos aristocrata, de convivência social em uma São Paulo ainda semirrural. São elas as casas Olga Baeta, Rubem de Mendonça (casa dos triângulos), Elza Berquó e as duas casas usadas como morada pelo arquiteto, conhecidas como Casinha e Casa do Arquiteto.

Já os projetos feitos para o governo do Estado de São Paulo marcam o início das relações entre o modernismo e o poder público paulista. Entre as colaborações, estão a Escola Estadual de Itanhaém, o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado (Parque Cecap), em Guarulhos, a estação rodoviária de Jaú e o estádio do Morumbi. Para Rodrigo Queiroz, professor da FAUUSP e arquiteto, os projetos de Paulo Mendes da Rocha, como o Museu Brasileiro da Escultura e a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo, fez com que o mundo voltasse novamente os olhos para a arquitetura brasileira, agora em um vetor alternativo à hegemonia de Niemeyer: a escola paulista.

“Justamente a partir da fama tardia de Mendes da Rocha que a escola paulista e as obras do mestre Artigas ganharam a atenção da cultura arquitetônica internacional”, afirma Queiroz. Puntoni, por sua vez, diz que costuma pensar que os arquitetos de São Paulo, diferentemente dos arquitetos do Rio, fizeram escolas duas vezes. “Escola como espaços físicos e escolas como ideia para formação de novos arquitetos, espaços de pensamento, discussão e crítica que transformam a realidade e, consequentemente, a arquitetura”, conta.