03/12/2021 - 11:15
A recuperação recente do mercado imobiliário foi interrompida pela alta da Selic. Os juros mais altos trouxeram o calote de volta. Considerando-se apenas os empréstimos com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), a inadimplência subiu 35% no primeiro semestre ante 2020. E o crescimento foi de 14,5% nas operações com recursos da poupança, principal meio de financiamento imobiliário no País. Esse cenário poderia ter sido ainda pior se as autoridades não tivessem permitido mais negociações em função da pandemia. Mesmo assim, a estimativa dos especialistas é que os bancos retomem 200 mil propriedades por ano de mutuários inadimplentes. Para conter essa onda, o governo anunciou na sexta-feira (26) um pacote de estímulo ao crédito imobiliário. A medida mais importante, que estará em um Projeto de Lei que o Executivo enviará ao Congresso, permite aos proprietários usarem os imóveis como colateral em mais de um financiamento. O presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, disse que a decisão pode destravar até R$ 10 trilhões em financiamentos.
Pelas novas regras, quem comprou um imóvel financiado poderá contrair outro empréstimo antes de ter quitado sua última prestação. Quem já pagou todo o bem vai poder usá-lo como garantia para dois ou mais empréstimos. A proposta amplia essa possibilidade para veículos, máquinas e créditos a receber. Para colocar as medidas em prática, o BC vai criar novos agentes financeiros, chamados de Instituições Gestoras de Garantias (IGG). Quem quiser dinheiro terá de procurar uma IGG para registrar suas garantias, que serão fracionadas para permitir várias operações de crédito. Por exemplo, o proprietário de um imóvel que vale R$ 1 milhão pode tomar R$ 100 mil emprestados sem ter toda a casa atrelada ao banco.
R$ 10 trilhões é a estimativa do BC para o crescimento do financiamento
INTERESSE DOS BANCOS Milhões de proprietários de imóveis têm pouco acesso ao crédito e poderiam usar seu patrimônio como garantia, reduzindo os juros. No entanto, vale lembrar que a multiplicação de financiamentos levou à bolha do subprime nos Estados Unidos. Para o analista da Top Gain Matheus Lima existe uma linha tênue entre a possibilidade de facilitar a obtenção de empréstimos garantidos e inflar uma bolha imobiliária. “Mesmo assim não era justo uma hipoteca de R$ 100 mil ter como garantia um imóvel inteiro no valor de R$ 1 milhão”, disse. Para os especialistas não há de faltar banco querendo emprestar. O empréstimo com garantia imobiliária é um dos créditos mais desejados pelas instituições financeiras, segundo o CEO da fintech de projetos imobiliários Captal, Leonardo Vianna.

“A situação no Brasil é diferente da dos Estados Unidos, em função da cultura de baixa alavancagem com imóveis e do conservadorismo do mercado de capitais” Vitor Bidetti, fundador da Integral Brei.
Não por acaso o home equity avançou bastante nos últimos tempos, mesmo limitando o empréstimo a 60% do valor do imóvel. No caso de inadimplência, o proprietário perdia o imóvel inteiro. A analista Nelly Colnaghi, da Levante Ideias de Investimentos, afirmou que essa modalidade já existe, de modo que as mudanças vão apenas ampliar o escopo da lei. “Ao que parece, o governo só quer liberar o uso do imóvel se tiver espaço para garantir outro empréstimo, dando mais flexibilidade para quem toma”, disse. No caso de financiamento de imóvel, por exemplo, haverá limites para o número de novos contratos.
35% foi o aumento da inadimplência nos créditos com base no FGTS
Há riscos de subprime? Segundo o sócio-fundador e CEO da Integral Brei, Vitor Bidetti, há muitas diferenças, tanto legais quanto de mercado, entre o projeto brasileiro e as condições que levaram à criação da bolha do subprime americano. Em primeiro lugar, o mercado é menor. Pelas contas do Banco Mundial, nos Estados Unidos, o total do crédito corresponde a 216% do Produto Interno Bruto (PIB). No Brasil, considerando-se o PIB de 2020, esse total é de cerca de 61%. Em segundo lugar, tanto bancos quanto proprietários são muito mais conservadores por aqui quando o assunto é o teto sobre a cabeça. Para Bidetti, o subprime foi um risco, uma vez que as regras permitiam contrair endividamento de até 130% do valor do imóvel, prevendo a valorização. Quando os preços pararam de subir, a bolha estourou. “Os bancos americanos concederam crédito para pessoas com histórico ruim e baixa capacidade de pagamento.” No Brasil, disse ele, o financiamento chega no máximo a 70% do valor total para aquisição e na média a menos de 50% nos empréstimos baseados em imóveis quitados, o home equity. “Por isso, mesmo com as novas medidas, o crédito imobiliário deve continuar saudável.”