Como dizem os farmacêuticos, a diferença entre o remédio e o veneno é apenas o tamanho da dose. O raciocínio também vale para o momento certo em que um medicamento será ministrado. Se aplicado com atraso, ele envenena o paciente. Pois foi isso o que fez o Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na semana passada, ao elevar em 0,25 ponto percentual a taxa de juro básica da economia, para 7,5% ao ano. Foi a primeira alta desde maio de 2011, quando o BC iniciou o seu segundo ciclo de queda dos juros, desde a crise de 2008. A decisão, tomada para segurar uma inflação que bateu em 6,59% nos últimos 12 meses até março, vem tarde para o que se propõe e, portanto, é inócua. 

 

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Alexandre Tombini: depois de ser criticado por deixar a inflação estourar

a meta em março, o presidente do BC decide pelo aumento da Selic

 

O preço dos alimentos, que pressionou o índice desde o fim do ano passado, já começa a ceder, com a entrada da safra agrícola e a queda das cotações das commodities no mercado internacional. Por outro lado, a alta no custo dos serviços, que também vêm subindo muito, está relacionada ao nível do emprego e da renda – e não é razoável imaginar que o BC prefira um arrocho salarial a ter um pouco mais de paciência para tourear a inflação. Uma prova de que o BC não estava 100% convicto de que há mesmo o risco do descontrole inflacionário é que a votação pela alta dos juros não foi unânime. Dos oito integrantes do Copom, seis optaram pela elevação – entre eles, o presidente do BC, Alexandre Tombini –, e dois diretores votaram pela manutenção da taxa em 7,25%. 

 

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Dilma antecipa a ação do Copom: um dia antes do anúncio,

a presidenta sinalizou a alta dos juros “num patamar bem menor”

 

O comunicado já deu as pistas das razões que nortearam a decisão do colegiado. “A inflação mostra resistência e enseja uma resposta da política monetária”, descreve o texto oficial, ao mesmo tempo que promete “cautela” para lidar com as incertezas. A explicação foi lida pelos especialistas como um sinal de que novas altas virão, mas em doses homeopáticas. Contrariando o silêncio que deveria preceder as decisões do Copom, Tombini e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já vinham sinalizando a mudança na política monetária. Na terça 16, foi a vez de Dilma. “Hoje temos uma taxa de juros bem baixa”, disse. “Qualquer necessidade para combate à inflação será possível ser feito, num patamar bem menor.” Quando fez a afirmação, Dilma estava sob o impacto da histeria que tomou conta de parte da opinião pública no que ficou conhecido como “a inflação do tomate”. 

 

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Pulso firme?: contaminado pela “inflação do tomate”, Guido Mantega

também sucumbiu aos clamores do mercado

 

E deu o sinal verde para o BC agir. Se, em maio de 2011, a presidenta usou o patrimônio que conquistou nas urnas ao iniciar um ciclo de queda da Selic, agora ela deu sinais de que cedeu ao mercado financeiro. Se juros menores são bons para quem investe na produção, a taxa mais alta é um prato cheio para quem prefere fazer aplicações financeiras. O aumento da Selic, neste momento, surpreende porque a inflação, que vinha numa perigosa trajetória de alta desde o fim do ano passado, começa a ceder. Os primeiros sinais já aparecem no Índice Geral de Preços-10 (IGP-10) de abril, que teve alta de 0,18% e foi inferior ao índice de março, de 0,22%. O IGP-10 mede a inflação num período entre o dia 11 de um mês e o dia 10 do mês seguinte e serve como prévia dos índices mensais. 

 

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Na sexta 19, a divulgação do IPCA-15 de abril, que veio em 0,51%, mostra que as altas de sete dos nove grupos analisados já começam a perder força. “A inflação já está em trajetória de queda e vivemos um processo de desaceleração”, diz o economista André Perfeito, da corretora Gradual Investimentos. “Subir os juros agora para quê?” O economista-chefe do Bradesco, Octávio de Barros, que considera acertada a decisão de subir os juros, também projeta uma redução do índice nos próximos meses, fechando o ano em 5,4%. Se é anódina para a curva de inflação, a alta dos juros manda uma mensagem confusa aos empresários ansiosos pela retomada mais consistente da economia. “O setor industrial será afetado com o esfriamento da demanda, mas a inflação está justamente no setor de serviços”, diz o economista Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de política econômica da Confederação Nacional da Indústria. 

 

O varejo também está preocupado. “Aumentar os juros é um remédio a ser usado em último caso, porque reduz o consumo, diminui os investimentos e piora a situação das famílias endividadas”, diz o presidente da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, Roque Pellizzaro Junior. Se desagradou fortemente o setor produtivo, a alta “cautelosa” da Selic também não satisfez totalmente ao mercado financeiro, que pedia uma taxa mais elevada. “Ficamos com a impressão de que o objetivo é manter a inflação sob controle, não matá-la de verdade”, diz o banco BNP Paribas. Em outras palavras: caso não recupere a habilidade na execução das políticas anti-inflacionárias, o BC corre o risco de acabar com a febre, ma com o custo colateral de matar o doente.

 

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