14/12/2011 - 21:00
O executivo Cleber Morais tinha o que muita gente poderia chamar de o emprego dos sonhos. Além de se sentar desde 2006 na cadeira da presidência da unidade brasileira da americana Avaya, uma das maiores empresas globais de equipamentos de telecomunicações, ele foi eleito o melhor entre os CEOs de todas as filiais da companhia, em 2009. O salário também era compatível com o cargo. No entanto, em maio deste ano, Morais surpreendeu muita gente ao trocar o patrão estrangeiro por um brasileiro, quando deixou a Avaya para assumir a presidência da paranaense Bematech, empresa de capital nacional que atua na área de automação comercial. Foi um movimento calculado. “Como os acionistas da empresa são daqui, não estou sujeito às decisões da matriz, como ocorria anteriormente”, diz Morais. “Agora tenho mais poder de decisão e sou responsável por analisar os cenários dos mercados em que vamos investir”. O paulistano Mário Anseloni também gerou espanto ao trocar a subsidiária local da gigante HP, uma das maiores empresas de tecnologia dos EUA, pela Itautec, controlada pelo grupo Itaú, há um ano e meio.
Cleber Morais: ao trocar a Avaya pela Bematech, o executivo ganhou mais independência e poder de decisão
E não se arrepende. “Não acho que tenha sido uma perda de prestígio”, afirma Anseloni. “Embora ainda tenham muito o que crescer, as companhias brasileiras já são mais competitivas.” O que demonstra uma pesquisa, publicada com exclusividade pela DINHEIRO, é que as decisões de Morais e de Anseloni, além de ser baseadas na autonomia que obtiveram ao administrar uma companhia local, podem ter tido também outro fator: o bolso. Estudo realizado pela consultoria de recrutamento britânica Michael Page, com 1,5 mil executivos, revela que os presidentes de empresas brasileiras ganham mais do que os CEOs de multinacionais instaladas no País. Em corporações muito grandes, cujo faturamento anual é superior a R$ 1 bilhão, a remuneração média do principal executivo está na faixa de R$ 2 milhões por ano – somando salários, bônus e incentivos, aproximadamente R$ 700 mil a mais do que pagam as estrangeiras instaladas no Brasil.
“Há uma mudança no patamar de prestígio no mercado”, afirma Fernando Andraus, diretor da Michael Page. De acordo com a consultoria, esse resultado foi em parte influenciado pelo fator cambial, com a valorização do real em relação ao dólar. Afinal, mesmo que paguem em reais, as multinacionais procuram fazer um nivelamento salarial com a estrutura de suas matrizes. Segundo Andraus, esse não é o fator principal. “Muitas companhias nacionais estão precisando de lideranças profissionais”, diz. A razão é simples. Nos últimos tempos, um número apreciável de empresas familiares abriu o capital ou profissionalizou a gestão. Esse amadurecimento gerou uma demanda forte por CEOs, o que levou as companhias nacionais a oferecer um pacote de remuneração mais agressivo.
Soma-se a esses fatores a contenção de custos das matrizes internacionais em razão da crise nos EUA e na Europa. Isso também se refletiu nos cargos de diretores, gerentes e engenheiros. Em outra pesquisa, essa comparando os mesmos postos em diferentes países, a Michael constatou que o rendimento dos brasileiros chega a ser 85% maior do que o dos estrangeiros. A pesquisa mostra também que o salário nas empresas médias nacionais é muito próximo daquele pago nas de grande porte. Isso reflete o fato de que são empresas nessa faixa que mais estão demandando CEOs para profissionalizar a gestão. Já a remuneração variável, especialmente os Incentivos de Longo Prazo (ILP), ainda tem uma importância menor para a composição dos salários em todos os níveis. Exceto nas de grande porte, em que já representa quase metade dos rendimentos.
O estudo também constata que a contratação via prestação de serviços – a chamada pessoa jurídica (PJ) – é uma tendência forte por causa dos encargos trabalhistas impostos pela legislação brasileira. “Para os cargos mais altos e com melhor remuneração, não há como fugir disso”, diz Andraus. Esses fatores têm levado um número cada vez maior de executivos a trocar a carreira em uma multinacional por outra em uma empresa brasileira. Observe a história de Alexandre Delmanto. Por 15 anos, ele trabalhou na americana Johnson & Johnson. “Chega uma hora em que você não consegue de jeito nenhum implantar seus projetos”, diz Delmanto. Por esse motivo, ele deixou para trás o cargo de gerente de contas pela liderança da unidade de negócios da fabricante paulista de alimentos Gold Nutrition.
Com a mudança, o executivo diz ter enfrentado um verdadeiro choque na cultura de negócios. “Nas nacionais, você tem que fazer tudo acontecer”, afirma “As ações dependem diretamente de você.” No caso dele, a incursão deu tão certo que nunca mais cogitou voltar a trabalhar para um patrão estrangeiro. Hoje, Delmanto é superintendente da produtora mineira de laticínios Catupiry. A tendência, de acordo com Andraus, da Michael Page, é que o novo prestígio atingido pelas nacionais tenha chegado para ficar. “Antes o executivo queria trabalhar no Banco do Brasil. Depois em uma multinacional estrangeira. Hoje, ele vê o trabalho numa brasileira como o máximo”, diz o consultor. “Você está no centro das decisões, tem acesso aos donos e ainda é muito bem remunerado.” Dá para querer mais?