Nascido e criado no interior do Brasil, o empresário José Carlos Bumlai, 74 anos, cultivava a discrição como uma de suas principais características. Mesmo com as pessoas mais próximas, Bumlai era moderado nas palavras e evitava expor algumas ideias antes de sentir segurança em seu interlocutor. Era como se seguisse o conselho do primeiro presidente dos EUA, George Washington: “A verdadeira amizade é como uma planta que cresce lentamente, e deve resistir aos choques e adversidades antes de receber o nome amizade”.

Mas, contrariando a natureza, outro presidente conquistou a confiança de Bumlai antes que as raízes ficassem profundas. Luiz Inácio Lula da Silva foi apresentado a ele durante a campanha presidencial de 2002. A empatia foi imediata e Lula passou quatro dias hospedado em sua fazenda Cristo Rei, no Mato Grosso do Sul, que chegou a abrigar mais de 150 mil cabeças de gado no início dos anos 2000. “Todos os dias nós ficávamos conversando até as três, quatro da manhã”, disse Bumlai, em 2009, para a revista DINHEIRO Rural, numa rara entrevista.

A partir daquele dia, uma relação de confiança entre eles foi criada e parecia que não vergaria. Até a última terça-feira, 24. Preso pela Polícia Federal em Brasília, onde prestaria depoimento na CPI do BNDES da Câmara dos Deputados, na 21ª fase da Operação Lava Jato, intitulada “Passe Livre”, acusado pelo juiz Sérgio Moro de ter participado de esquema de fraude para financiar o PT, a amizade entre Bumlai e Lula passou a ser questionada por pessoas próximas ao ex-presidente. Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, afirmou: “O Bumlai frequentava as festas e aniversários, mas não era ‘aquele’ amigo do Lula que todo mundo está falando”.

Desde fevereiro deste ano, quando a revista IstoÉ revelou o relatório do Banco Central confirmando a irregularidade no empréstimo de R$ 12 milhões contraído por Bumlai, em 2004, com o banco Schahin (que foi um dos argumentos utilizado por Moro para colocar o empresário no cárcere), Lula tem buscado, nos bastidores, se afastar do amigo que um dia foi chamado de conselheiro pessoal e participou do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Para a família do pecuarista, porém, o maior problema está em quebrar publicamente esse vínculo de confiança, um desrespeito por quem depositou tamanha importância na relação.

Antes, ninguém se ligava em falar da amizade entre eles. Agora, Bumlai passou a ser taxado de aproveitador. “Ele entrou na barca furada de ser amigo do presidente e deu no que deu”, diz uma pessoa próxima aos Bumlai, que pediu para não se identificar. Antes de se encantar por Lula, Bumlai era considerado um dos mais importantes pecuaristas do País. No auge dos seus negócios, em meados de 2005, sua fortuna chegou a ser estimada em cerca de US$ 5 bilhões. Sua família já era proprietária de terras nos arredores de Corumbá, o que permitiu que ele se formasse em engenharia.

O diploma abriu as portas da empresa de construção pesada Constran, que pertencia a Olacyr de Moraes – hoje, a empresa é do empreiteiro Ricardo Pessoa, delator da Lava Jato. Com o então rei da soja, Bumlai foi um dos responsáveis pelas obras da Ferronorte, utilizada para o escoamento de grãos. Olacyr admirava a inteligência de Bumlai, que, em paralelo à sua atividade como engenheiro, incrementou os negócios da família com a compra de gado de corte. Seus quatro filhos – Fernando, Guilherme, Maurício e Cristiane – e sete netos moram no bairro de Itanhangá, em Campo Grande.

A rua Beatriz de Barros Bumlai, onde estão localizadas as cinco mansões, é uma homenagem à esposa de José Carlos, falecida precocemente. Hoje, Bumlai tenta salvar os últimos bens que possui, como as fazendas Santa Inês e São Marcos. Desde 2013, quando a usina São Fernando entrou com pedido de recuperação judicial por uma dívida de R$ 1,2 bilhão com o BNDES e outros bancos, ele tem vivido espartanamente – inclusive com saques de altos valores na boca do caixa para evitar que o dinheiro seja utilizado para pagar os credores.

Depois que a Justiça aceitou a renegociação das dívidas, estima-se que Bumlai teria acumulado outros R$ 350 milhões em dívidas na região. Um novo plano de pagamento aos credores está sendo apresentado para evitar que o patrimônio da família, dado como garantia, entre na massa falida. Supersticioso, dificilmente Bumlai aceitaria voltar no tempo para rever seus erros. Na Constran, ele aprendeu como funciona a máquina pública. Em 1998, quando foi procurado por Zeca do PT, eleito governador do Mato Grosso do Sul, sabia como era importante fazer pontes.

Para socorrer financeiramente o político, Bumlai contatou o economista Roberto Campos para conseguir um empréstimo para o Estado no Banco Interamericano de Desenvolvimento. O sucesso da improvável união entre um ultraliberal e um petista mostrou ao pecuarista que a boa vontade cabia na política. Quando Zeca do PT o apresentou a Lula, alguns anos mais tarde, Bumlai teve a certeza de como o poder poderia ser transformador. “É um privilégio e um motivo de orgulho (a amizade com Lula)”, disse Bumlai, em 2009. “Quando o conheci, apresentado pelo governador Zeca do PT, fiquei impressionado com a sua visão sobre todos os problemas brasileiros.”

A crença de Bumlai nas amizades só é menor que sua devoção religiosa. Ele está sempre com uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na lapela ou no bolso e todas as suas propriedades foram batizadas com nomes santos. A proteção divina, porém, não o afastou das tentações e dos problemas. Em 2005, a fazenda São Gabriel, em Corumbá, foi adquirida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária por R$ 21 milhões.

O Ministério Público Federal (MPF) apontou supervalorização de R$ 7,5 milhões pelos 4,6 mil hectares – Bumlai havia pago R$ 2 milhões. A Justiça ainda tenta recuperar o prejuízo. Em 2012, a fazenda Cristo Rei, que hospedou Lula 10 anos antes, foi vendida para o BTG Pactual, de André Esteves, para quitar uma dívida do empresário com o banco. O mercado estima que a propriedade de 116 mil hectares foi negociada por R$ 600 milhões. Esteves também foi preso pela Polícia Federal sob acusação de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato (leia reportagem aqui).

Abatido pela prisão, Bumlai tenta se agarrar à Bíblia, que foi pedida aos seus advogados, para se manter forte e tranquilo. As primeiras 24 horas, porém, foram difíceis e ele tentou conter as lágrimas a todo o instante. Seu estado emocional é o que mais preocupa os outros presos acusados pela Operação Lava Jato: ele seria o mais sensível a aceitar uma delação premiada – ainda mais agora que ele sabe que a amizade com o presidente não passou de um conto de fadas.