Depois de uma campanha política estridente e de fazer um discurso de vitória mais moderado, a incerteza quanto aos impactos para os negócios das empresas brasileiras dá o tom da percepção do que pode ser a era Donald Trump. Como segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China, os Estados Unidos têm importância como mercado importador e exportador. “Do ponto de vista comercial, embora possamos ter de aguardar um prazo mais longo por um acordo, muito provavelmente os EUA continuarão a ocupar uma posição importante como parceiro”, diz Deborah Vieitas, presidente da Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos.

São US$ 70 bilhões investidos por americanos no Brasil e US$ 22 bilhões por empresas brasileiras na terra do Tio Sam. A Braskem é um exemplo. Com cinco fábricas nos EUA, a empresa construiu o complexo petroquímico no México, ao custo de US$ 5,2 bilhões, para suprir a demanda americana. Um eventual protecionismo pode afetar os planos da unidade. O próximo grande investimento em discussão na empresa é a produção de polipropileno nos EUA, algo que pode ser decidido até o fim deste ano. “Ainda existe muita incerteza de políticas, ações e prioridades para a sua presidência, visto que, durante o processo de eleição, ele fez comentários muito genéricos”, diz o presidente da empresa, Fernando Musa. “O discurso de melhoria da economia americana é muito bom para a nossa operação, mas há a retórica prejudicial ao México, que precisamos aguardar.”

A incerteza traz preocupações para a economia global. “A eleição foi uma surpresa, e acordamos todos menos calmos na quarta-feira”, afirmou Pedro Moreira Salles, presidente do conselho de administração do Itaú. “Eu acredito que o banco não será afetado, mas o prognóstico para a economia mundial não é positivo.” A importância do cargo que Trump ocupará pesa. “A responsabilidade dele é grande dada a inserção da economia americana no mundo”, afirma Luiz Carlos Trabuco, presidente do Bradesco. “Haverá reflexos na economia brasileira, mas os desafios no País são maiores do que o impacto com a mudança no presidente americano.”

Mesmo causando um clima de instabilidade global, a vitória de Trump trouxe um efeito positivo para alguns setores: o aumento do dólar. A valorização da moeda americana, que fechou a quinta-feira 10 cotada em R$ 3,36, o maior patamar desde julho, animou João Carlos Marchesan, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos. “Em dois dias, o Trump nos ajudou mais que o governo brasileiro”, afirma. “Se o preço se mantiver, podemos voltar ao jogo.” Para ele, mesmo a possível adoção de políticas protecionistas por Trump pode representar oportunidades para os empresários brasileiros. “Com tanto para fazer no Brasil, poderemos trazer mais investimentos”, afirma. Essa percepção contrasta com outro cenário.

Além do México, a China pode ser mais uma vítima do protecionismo de Trump. “Se ele dificultar as importações, haverá uma sobra muito grande de produtos chineses”, diz Eudes Martins de Araújo, consultor em gestão e sócio da Ucon Advisors. “É uma população de 1,5 bilhão de pessoas que precisa produzir, e essa sobra pode inundar o mercado brasileiro.” Os setores mais afetados podem ser o têxtil e o de calçados. Além deles, há outros impactos possíveis para setores que costumam exportar para os EUA, como o de alimentos e de aço. “Por causa de uma política de subsídios à produção americana, a Gerdau, em 1999, precisou se instalar lá para continuar vendendo para o país”, afirma o consultor.

Porém, o discurso adotado pela companhia gaúcha, que possui 35% de sua receita vinculada à América do Norte, é otimista. “Há uma necessidade muito forte de investimentos em infraestrutura e isso estava no programa do presidente Trump”, disse André Gerdau Johannpeter, presidente da Gerdau. “Esperamos que ele faça investimentos e isso afeta o setor de aço.” Uma percepção mais pessimista poderia ser encontrada num mercado em que um terço da demanda global vem dos Estados Unidos.

É o caso da Embraer, que estima que, até 2035, 32% de todas as encomendas de aviões médios, segmento em que atua, terão como destino os EUA. Seria algo para se temer, correto? Mas para o presidente da companhia, Paulo Cesar Silva, o impacto das eleições de Trump terá efeito apenas no curto prazo, com a instabilidade cambial. Após os primeiros momentos turbulentos, segundo ele, tudo se normalizará. “O segmento aeroespacial é global e possui ciclos de negócios de longo prazo”, diz. “Isso se reflete em projetos e investimentos, que são menos suscetíveis a aspectos conjunturais.” 

O multiempreendedor Carlos Wizard Martins, dono da rede de franquias Mundo Verde, além das marcas de tênis Rainha e Topper, entre outros negócios, acredita que nada vai mudar com Trump na Casa Branca. Não à toa, Martins anunciou a aquisição de 16% da fabricante de cadarços Hickies, sediada em Nova York. O aporte de R$ 20 milhões está em linha com a estratégia de reviver as marcas compradas da Alpargatas em 2015. “A maioria das propostas do Trump foi apenas para chamar a atenção”, diz ele. “Não existe possibilidade de retrocesso, o mercado é mais poderoso.”

Colaboraram: Paula Bezerra e Cláudio Gradilone

—–

Leia mais em “Presidente da Amcham fala sobre vitória de Trump e negócios com Brasil

—–

Confira as demais matérias do Especial: EUA – Eleições presidenciais 2016

• O empresário que assusta o mundo
• Nova ordem mundial 
• “Com fronteiras fechadas, mais pobres perderiam 60% do poder de compra”
• Paradoxo global
• O fim de uma era
• Quanto vale o dólar de Trump?