27/11/2015 - 20:00
A Casa Fasano, um dos espaços mais requintados de eventos da cidade de São Paulo, amanheceu na quinta-feira 26 sob intenso burburinho. Os mais importantes investidores, que haviam sido convidados para conhecer as perspectivas econômicas do banco BTG Pactual para 2016, estavam mais interessados em saber qual seria o futuro da instituição. No dia anterior, o anfitrião do evento, o fundador e CEO André Esteves, 47 anos, o 13º homem mais rico do Brasil, havia sido preso pela Polícia Federal, no Rio de Janeiro, acusado pela Operação Lava Jato de obter documento sigiloso sobre a delação de Nestor Cerveró e de participar, ao lado do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), de um plano de fuga do ex-diretor da Petrobras.
Bernardo, filho de Cerveró, gravou, no dia 4 de novembro, uma conversa com Amaral na qual o senador discutiu rotas de fuga do executivo condenado, e disse que Esteves havia obtido cópias da sua delação, um documento sigiloso. Ainda segundo Amaral, o banqueiro havia prometido R$ 4 milhões e mais uma mesada de R$ 50 mil para a família de Cerveró. Não foram apresentadas ao público provas materiais dessas acusações, mas o diálogo suspeito bastou para a Procuradoria Geral da República e o Supremo Tribunal Federal determinar a detenção de Esteves.
Além dele, foram presos o senador Delcídio e seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, e o advogado Edson Ribeiro. Defensor do banqueiro, o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, protestou. “O Ministério Público adotou pesos e medidas diferentes para um fato único. O senador Delcídio menciona os nomes de quatro ministros do STF, da presidente Dilma, do vice-presidente Michel Temer. Tudo o que ele fala sobre essas pessoas foi tratado como fanfarronice. E as coisas que ele falou sobre o André Esteves foram tratadas como verdades absolutas. Está errado”, afirmou.
“André não foi ouvido, nem gravado, não conhecia essas pessoas.” Em depoimento à Polícia Federal, o presidente do BTG Pactual negou as acusações e admitiu ter se reunido com o senador Delcídio no máximo cinco vezes nos últimos doze meses para tratar de temas da atual conjuntura econômica brasileira, segundo a agência O Globo. O maior desafio do banqueiro e de seus sócios será reconquistar a credibilidade da marca que fez do BTG Pactual um gigante na América Latina.
O ex-presidente do Banco Central Persio Arida, sócio do banco e dono de sólida reputação internacional – é um dos formuladores do Plano Real, que acabou com a hiperinflação nos anos 1990 – assumiu interinamente a posição de principal executivo para comandar a árdua tarefa de resgatar a confiança dos clientes e investidores. O estrago foi grande: as ações do BTG Pactual chegaram a cair 40% na quarta-feira, fechando com baixa de 21%, e os fundos de investimento tiveram saques de R$ 3,3 bilhões em dois dias.
A principal dúvida dos grandes clientes institucionais é se haverá a necessidade de encerrar os negócios com o BTG Pactual, por motivos regulatórios, até que o caso seja totalmente esclarecido. Na abertura do evento da Casa Fasano, que teve a participação do economista-chefe do banco, Eduardo Loyo, e de Guillermo Ortiz, ex-presidente do BC do México e recém-contratado pela unidade mexicana do BTG Pactual, Arida foi direto ao assunto: “Os negócios continuam. O que aconteceu foi um equívoco, não acreditamos no que está sendo falado. O Esteves é a cara do BTG, mas o banco vai além dele, com pessoas competentes e talentosas.
É uma partnership e vai continuar dessa maneira”. Na noite do dia anterior, Arida tentara transmitir confiança aos clientes que participaram de evento semelhante, no Rio de Janeiro. “Ninguém parece preocupado se o banco vai quebrar, mas com o tamanho da perda de credibilidade”, afirmou um participante do encontro. No Brasil, prisão de banqueiro causa comoção pela raridade. Kátia Rabello foi condenada pela participação do Banco Rural no escândalo do Mensalão e cumpre pena de 16 anos e oito meses em Belo Horizonte.
No caso de Esteves, o caso chama a atenção não somente pela importância do BTG Pactual no sistema financeiro, mas também pela trajetória vitoriosa de seu principal personagem, considerado inteligente demais para se envolver numa armadilha como a fuga mirabolante de um corrupto como Cerveró, difícil de esconder em qualquer lugar do mundo. Graduado em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele começou a carreira no Banco Pactual, em 1989, quando tinha 21 anos e ainda estava na faculdade.
Em 1993 tornou-se sócio da instituição e, em 1995, assumiu a chefia da área de renda fixa, passando a presidir o banco em 1999. Seis anos depois, vendeu o Pactual para os suíços do UBS por US$ 3,1bilhões e, em 2008, deixou o banco para fundar o BTG. A sigla teria dois significados possíveis: “Back to The Game” (de volta ao jogo) ou ainda “Better Than Goldman”, numa referência ao Goldman Sachs, mítico banco de investimentos americano. Aos 37 anos, Esteves era o mais jovem bilionário brasileiro.
Na esteira da crise internacional de 2008, ele deu sua maior tacada. Recomprou o Pactual dos suíços por US$ 2,5 bilhões e criou o BTG Pactual. Moldado no esquema de “partnership”, em que os principais executivos tornam-se sócios e são remunerados de acordo com o desempenho individual e da instituição, o BTG Pactual cresceu rapidamente e hoje é o sexto maior banco brasileiro. Nas palavras do seu fundador, é “um banco de investimentos que investe”. Ao lado de atividades tradicionais como a gestão de recursos em tesouraria, a administração de fortunas e a estruturação de operações entre empresas, o BTG também investiu diretamente, ou por meio de fundos, em atividades tão díspares como hospitais, redes de farmácia e o setor petrolífero.
Admirador confesso de Jorge Paulo Lemann, fundador do banco Garantia e um dos homens mais ricos mundo, Esteves guarda, porém, uma diferença fulcral com seu ídolo. Ao contrário de Lemann, que fica longe do governo, o fundador do BTG Pactual se aproximou do poder em Brasília. A primeira grande transação desse tipo foi em março de 2011, quando assumiu, em parceria com a Caixa Econômica Federal, o encrencado PanAmericano, do empresário Silvio Santos. O BTG Pactual foi um dos principais financiadores da Sete Brasil, empresa criada em 2010 para financiar a construção de sondas para a exploração do óleo do pré-sal, além de ter adquirido metade das operações da Petrobras na África, em 2013.
Outro caso foi a compra de postos de gasolina em 2008 que receberam a bandeira da BR Distribuidora. Arida afirma que o investimento foi ruim, declarado como prejuízo integral, mas que realizado pelos sócios do BTG Pactual e não tem nada a ver com o banco. Ele classifica a Sete Brasil como o pior investimento da história do banco. O principal problema para o BTG Pactual, nas próximas semanas, será lidar com o risco de imagem. As três principais agências de classificação de risco colocaram a nota de crédito do banco em perspectiva negativa.
Nenhuma delas questionou a solidez da instituição. No balanço do terceiro trimestre, a posição de caixa era de R$ 40 bilhões. Ao todo, o BTG é responsável pela gestão e administração de R$ 653 bilhões em recursos de terceiros. DINHEIRO conversou com um dos investidores, que decidiu retirar R$ 100 mil imediatamente após a notícia da prisão de Esteves. “Os fundos são bons, mas não sei se vale a pena correr o risco”, afirmou ele, que pediu anonimato. Todas essas dúvidas fizeram brotar uma série de boatos. Uma delas é que os sócios do BTG Pactual teriam saído a procura de compradores, na tarde de quarta-feira.
Os consultados teriam sido o UBS e o Bradesco. Extraoficialmente, as duas instituições negaram. Houve rumores de que os sócios comprariam a parte de Esteves, para que nenhum respingo chegasse à instituição. Arida negou essa hipótese. Com quase 29% do capital da holding, Esteves tem a chamada golden share, a ação que o coloca como responsável final pelas decisões. Nos corredores do banco, essa notícia era creditada ao presidente de um banco médio, inimigo declarado de Esteves. Mesmo que prove inocência e volte ao comando do BTG Pactual, como esperam seus sócios, o banqueiro terá um longo caminho de reconstrução de imagem pela frente.