Você pagaria à vista por um produto ou serviço que poderá usufruir plenamente só a partir de 2019? De uma forma bastante simplificada, isso é o que pode ocorrer com o leilão do serviço de internet de quarta geração (4G), na faixa de frequência de 700 megahertz, marcado para 30 de setembro deste ano, para desconforto das operadoras de telecomunicações. De acordo com edital publicado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), as empresas de telefonia terão de desembolsar no mínimo R$ 11,86 bilhões, contando o valor de outorgas e de outras obrigações.

A urgência do governo federal para realizar o leilão neste ano tem uma única justificativa: usar os recursos para atingir a meta de superávit fiscal, de 1,9% do Produto Interno Bruto, prevista para este ano. Do ponto de vista lógico, no entanto, não há nada que sustente esse leilão absurdo. Um levantamento feito pela consultoria especializada em telecomunicações Teleco mostra que o serviço só estará disponível para 93,8% dos municípios brasileiros no fim de 2019, se tudo sair conforme o planejado e não ocorrerem atrasos. Não bastasse isso, as operadoras que comprarem os lotes vão ganhar uma autorização de uso da frequência por 15 anos, dos quais só estarão utilizando efetivamente cerca de dez anos.

Essa demora acontece em razão da faixa de frequência de 700 megahertz, utilizada pela tevê analógica, que será desativada a partir de 2016. A “limpeza” desses espaços de transmissão, antes da instalação do 4G, é apontada por especialistas como um dos aspectos mais delicados do processo. O alto valor pago pela outorga pelas vencedoras da licitação reduzirá ainda mais sua capacidade de investimento, o que pode retardar a implantação da banda larga móvel no País, na avaliação da Teleco. Soma-se a esses fatores o fato de as operadoras de telefonia já oferecerem o serviço de internet de quarta geração na faixa de frequência de 2,5 gigahertz, com metas de cobertura estabelecidas pela Anatel.

Com isso, a adoção do 4G tem sido mais rápida do que o 3G. No fim de 2014, devem existir seis milhões de smart­phones 4G no Brasil, mais do que os 4,1 milhões de aparelhos 3G em igual período de existência da tecnologia. Em 2019, a estimativa da consultoria Teleco é de que a base de assinantes que usem a internet de altíssima velocidade 4G atinja 100 milhões de celulares. As empresas de telefonia estão ainda no meio de um novo processo de consolidação. A Telefónica, por exemplo, negocia a compra da GVT com a Vivendi, em um negócio que ultrapassa os R$ 20 bilhões em dinheiro e em ações. A Oi informou que pretende fazer uma proposta de compra pela TIM, controlada pela Telecom Italia, numa transação que também deve ser bilionária.

Posteriormente, deve fatiar a companhia com suas concorrentes. A Embratel, Claro e NET, companhias do grupo mexicano América Móvil, estão unindo suas operações. E a combalida Nextel, da americana NII Holding, pode ser vendida para sanar os problemas financeiros de sua controladora. Se em vez de forçar as teles a gastar bilhões de reais em um leilão que encherá os cofres do Tesouro Nacional, o governo federal as obrigasse a investir esse dinheiro na melhoria dos serviços, este sim um problema de calamidade pública, faria, enfim, algo de bom para os consumidores brasileiros. Mas isso seria o triunfo da esperança sobre a experiência.