23/12/2011 - 21:00
A presidenta Dilma Rousseff já deu o tiro de largada para a corrida rumo aos juros reais de 2%. Na raia principal, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, tem a missão de superar obstáculos para cruzar a linha de chegada até 2014. Se o País subir ao pódio, significará sua saída definitiva do topo da lista dos maiores juros do mundo. “Não se justifica mais pagar esse prêmio de risco, simplesmente porque o Brasil não oferece mais esse risco”, diz Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). Tingas prevê a possibilidade de que os juros reais cheguem a apenas 3% em 2012, ante os atuais 5,1%. A crise internacional abriu a janela de oportunidade para o Brasil começar a rota descendente dos juros. Com a redução da atividade econômica no Exterior, houve menos pressão sobre preços de commodities, por exemplo, o que reduziu o impacto sobre a inflação. Desta forma, o BC conseguiu dar início ao ciclo de redução da taxa Selic em agosto deste ano. Além de promover três cortes de meio ponto percentual – o último deles no fim de novembro –, o Comitê de Política Monetária (Copom) sinalizou que outras reduções virão em 2012.
Alexandre Tombini, do Banco Central (à esq.), tem a missão de pular os obstáculos que
impedem a redução consistente dos juros reais no Brasil
Mas no percurso para chegar ao “jurinho da Dilma”, há uma série de ajustes que ainda precisam ser feitos a partir de 2012. O primeiro obstáculo, que está sendo superado, é o controle dos gastos públicos. O excesso de despesas do governo pressiona a inflação e atrapalha o esforço do BC pela derrubada dos juros. A presidenta garantiu a manutenção da política fiscal austera, priorizando os investimentos. Além da contenção dos gastos, o economista-sênior do BES Investimento, Flávio Serrano, defende uma estrutura orçamentária menos rígida e indexada. “Atualmente, quando a arrecadação cresce, automaticamente sobem alguns gastos fixos”, diz Serrano. “Isso diminui o espaço para fazer superávits maiores.” Outro grande desafio é eliminar de vez a palavra indexação do dicionário brasileiro de economia. Para isso, é preciso apagar a memória inflacionária, a começar por contratos e negociações salariais que preveem a reposição da inflação passada e não levam em consideração os ganhos de produtividade da economia.
O governo pode dar o exemplo, eliminando alguns indexadores dos contratos de concessão. “O que a tarifa de pedágio tem a ver com o Índice Geral de Preços ao Mercado, que considera preços do atacado, do varejo e da construção?”, questiona Antonio Corrêa de Lacerda, professor do departamento de Economia da PUC-SP. Para Lacerda, quanto menos indexada for a economia, mais fácil será o controle de preços pelo BC, o que permitirá juros menores. Do lado dos investidores, também será necessário uma profunda mudança de mentalidade de curtíssimo prazo. Esse comportamento remete ao período anterior ao Plano Real, quando os preços se multiplicavam e as aplicações no “overnight” brilhavam. Eram investimentos remunerados de um dia para o outro, de acordo com a inflação em alta. Segundo Roberto Luis Troster, economista especializado em bancos, é preciso incentivar a poupança de longo prazo, tornando pouco lucrativos os resgates relâmpagos.
Luciano Coutinho, do BNDES (à dir.), defende a criação de um mercado privado de longo
prazo no Brasil; atualmente, as operações são concentradas no banco estatal
“A remuneração da caderneta de poupança deveria ser trimestral ou semestral, o que motivaria a postergação das decisões de consumo, aumentando a potência da política de juros”, diz Troster. O tema mais espinhoso, no entanto, envolve a regra da poupança e seu impacto direto no bolso da nova classe média emergente. O cálculo atual da correção da caderneta (0,5% ao mês, mais TR) cria um piso para a queda dos juros nominais. “Se a Selic cair a 9%, outras aplicações acabam ficando mais atraentes”, diz André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, autor de uma tese de mestrado intitulada “Limites Institucionais para a Queda dos Juros no Brasil”. “E se todo mundo migrasse para a poupança, o governo não teria comprador para os seus títulos públicos, o que obrigaria o Banco Central a elevar os juros.” Esse debate já ocorreu em 2009, no auge da crise, quando a Selic caiu para o nível recorde de 8,75% ao ano, contra os 11% atuais. Agora, a equipe econômica elabora diversos estudos que estabelecem a indexação dos ganhos da poupança a um percentual da Selic.
O Brasil ainda tem outras particularidades que precisam ser revistas para sair do topo do ranking mundial dos juros altos. “São as jabuticabas do mercado de crédito”, afirma Troster, que cita a tributação sobre os empréstimos, que encarece os juros ao consumidor e às empresas, e o crédito subsidiado, cujo principal agente é o BNDES. Em tese, quanto maior o volume de dinheiro emprestado a juros baixos, mais o BC precisa elevar a Selic para controlar a inflação geral da economia. Portanto, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que remunera o BNDES, atualmente em 6% ao ano, gera uma distorção no mercado, já que é imune às oscilações da Selic. Uma saída é a criação de um mercado privado de longo prazo, algo que o próprio presidente do BNDES, Luciano Coutinho, já defendeu publicamente. Para isso, dizem os economistas, é preciso continuar desonerando o mercado de títulos privados, como aconteceu no segundo semestre deste ano, além de facilitar a intermediação dos bancos, reduzindo os compulsórios. Daqui por diante, se não tropeçar nos obstáculos, até o fim do mandato da presidenta Dilma, o País tem tudo para sair vitorioso nessa corrida.