05/02/2016 - 17:00
Para se referir ao nível de maturidade da economia japonesa, especialistas costumam ressaltar que lá já estão construídas todas as pontes, metrôs, trens e meios de infraestrutura de que se possa precisar. O que costuma ser uma boa notícia, transforma-se num enorme desafio a um país à procura de alternativas de crescimento. Há mais de duas décadas, o Japão, terceira maior economia global, enfrenta períodos de estagnação, combinados com um cenário de preços estáveis e, por vezes, em queda.
De certa forma, o sistema tornou-se vítima do próprio sucesso. Um país próspero, com padrão de vida invejável, mas incapaz de gerar novas riquezas. A mais recente tentativa de mudar esse quadro atende pelo nome de Abenomics, um plano de estímulos que leva o título de seu criador, o primeiro-ministro Shinzo Abe, e que acaba de incorporar a sua aposta mais ousada: taxa de juros negativa. A partir de agora, os bancos que deixarem o dinheiro parado no Banco Central receberão, um ano depois, um montante 0,1% menor do que o depositado.
Ou seja, uma forma de penalizar as instituições que relutam em oferecer crédito a empresas e consumidores. Segundo o presidente do banco central japonês, Haruhiko Kuroda, a medida busca sustentar a confiança e a batalha pela meta de inflação anual de 2%, que ficou em 0,1% em 2015. Ao contrário do Brasil, o Japão deseja uma correção de preços que possa incentivar o consumo. Quando há deflação, consumidores tendem a postergar gastos na expectativa de encontrar produtos mais baratos no futuro.
A adoção de juros negativos é uma medida pouco usual no receituário de políticas econômicas clássicas, mas deixou de ser inédita desde que o Banco Central Europeu a adotou para afastar o fantasma da deflação. Por ser uma medida pouco experimentada, há dúvidas sobre sua eficácia e suas consequências. No Japão, pode ser insuficiente para levar os consumidores às compras e forçar empresas a investir. Outra hipótese é que a população opte em guardar dinheiro debaixo do colchão para evitar a correção negativa em suas economias.
Por outro lado, o risco é o de gerar uma corrida por ativos mais atraentes e fomentar bolhas em setores específicos. “A primeira etapa do Abenomics teve algumas respostas positivas, mas o Japão não saiu da inércia econômica”, diz Leonardo Correia, professor de economia da PUC-SP, que pesquisa o tema. “O banco central quer ver o dinheiro circular e a única maneira de conseguir isso é fazer com que se invista mais e se consuma mais.” A proposta inicial de Abe para tirar o Japão do marasmo era divida em três eixos: gerar inflação, crescimento e fazer reformas.
A estratégia inicial para conseguir colocar em prática as duas primeiras foi concentrada num relaxamento monetário semelhante ao adotado pelos EUA no pós-crise de 2008. Em ambos, a batalha continua, como se pode notar pela medida de juros. Falta avançar no terceiro eixo, o ponto que realmente pode surtir efeito, na visão dos analistas. São reformas por mais abertura, com maior intercâmbio comercial, disposição para receber investimentos estrangeiros e um relaxamento no mercado de trabalho, para atrair imigrantes.
“O Japão atingiu um grau de sofisticação industrial e nos serviços que não propicia crescimento”, diz Silvio Miyazaki, professor de economia da USP. “Se o país se abrir mais às empresas que querem investir e facilitar a imigração, poderia ser uma solução.” No final de janeiro, a Ford justificou sua saída do Japão por considerar o mercado um dos mais fechados do mundo. O país é o terceiro maior consumidor global de automóveis.
Um passo importante para avançar na questão da abertura foi dado com a adesão ao acordo transpacífico (TPP), que ampliará o intercâmbio com os EUA. Mas falta aprimorar o estímulo à entrada de estrangeiros, para compensar o envelhecimento e a baixa taxa da natalidade, que reduzem o dinamismo da economia e sobrecarregam as contas da Previdência. Diante de tantos desafios, os juros negativos talvez sejam insuficientes para que o Japão possa, enfim, voltar a sorrir.