Aos 48 anos, o americano Dave McClure cultiva hábitos que sugerem uma vida pacata. Entre as partidas de bilhar e de pebolim, ele encontra tempo para assistir aos seus desenhos animados favoritos e colecionar chapéus. Na maior parte das horas, no entanto, sua cabeça está ocupada com uma verdadeira compulsão: a participação em startups de tecnologia. Existem empreendedores chamados de seriais, pela quantidade de investimentos que realizam. Este termo não é adequado para definir McClure.

À frente do fundo de venture capital e aceleradora 500 Startups, com sede em Mountain View, na Califórnia, ele pode ser considerado um investidor megalomaníaco. Não é exagero. Desde a sua criação, em abril de 2010, o 500 Startups fez aportes em mais de 1,3 mil empresas, de mais de 50 países, sendo 35 delas no Brasil. A cada 36 horas, McClure está comprando uma empresa. A postura agressiva do 500 Startups não passou incólume no Vale do Silício. McClure, criador do fundo, ganhou fama de polêmico e desbocado.

Suas palestras pontuadas por piadas, palavrões e críticas ao modelo tradicional de venture capital reforçaram essa visão. “Quando começamos, parecia uma ideia louca. E ainda ouvimos esse discurso de alguns investidores”, disse McClure à DINHEIRO. “Mas os resultados mostram que o nosso modelo está funcionando.” Para captar os recursos, o 500 Startups tem dezenas de parceiros, entre eles, fundos como o americano Sequoia Capital, um dos mais importantes do Vale do Silício. Atualmente, seu portfólio abriga três startups unicórnios, como são chamadas as novatas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.

A relação inclui a Credit Karma, de serviços online de análise de crédito, que vale US$ 3,5 bilhões; a GrabTaxi, conhecida como “Uber asiático” (US$ 1,6 bilhão); e o Twilio, que criou uma ferramenta para integrar recursos de mensagens de texto, voz e vídeo em sites e em aplicativos. Com clientes como Coca-Cola e Walmart, a startup vale US$ 1 bilhão. Outro destaque são as 30 empresas no estágio conhecido como centauro, com valor entre US$ 100 milhões e US$ 1 bilhão.

Entre elas, está o portal imobiliário brasileiro VivaReal, cuja avaliação gira em torno de US$ 200 milhões e US$ 250 milhões. Segundo McClure, os três fundos geridos pelo 500 Startups têm um retorno de mais de 20% e somam mais de US$ 200 milhões. O prazo para cumprir os investimentos em cada um deles não é revelado pelo investidor. O resultado inclui as vendas da MakerBot, de impressoras 3D, para a Stratasys, por US$ 400 milhões, e da Wildfire, de software de marketing, para o Google, por US$ 350 milhões.

O apetite insaciável de McClure e sua trupe não significam, no entanto, que os aportes são feitos sem uma lógica. Como o próprio investidor costuma afirmar, “há um método nessa loucura”. A tese é simples. Criar um grande portfólio com uma série de pequenas apostas dilui os riscos. “Ter mais espaço para falhar é essencial”, diz McClure. Ao mesmo tempo, esse modelo amplia as chances de investir na próxima grande sensação. Sob essa abordagem, o 500 Startups trabalha com a expectativa de vender operações numa variação de US$ 25 milhões a US$ 250 milhões em 5% a 10% dos casos. “A possibilidade de investir em uma futura ‘unicórnio’ é de 1% a 2%”, diz.

Segundo a consultoria americana CB Insights, em 2014, das empresas que captaram investimentos na faixa de US$ 25 mil a US$ 20 milhões nos EUA, apenas 0,15% tornaram-se unicórnios. O 500 Startups compra participações minoritárias, entre 1% e 10%. As startups ainda em fase de validação do produto são prioridade. Nessa faixa, os aportes variam de US$ 25 mil a US$ 100 mil. Caso a novata ganhe tração, o fundo pode investir em novas rodadas, totalizando até US$ 10 milhões por empresa. No radar estão startups de comércio eletrônico, computação em nuvem, mobilidade, vídeo e internet das coisas.

O escopo compreende ainda setores como educação, finanças e logística. Um ponto comum nos projetos é a existência de um modelo que comporte a distribuição online do produto ou serviço. “Essa abordagem permite acessar um volume substancial de usuários e ganhar escala rapidamente, com poucos custos”, afirma McClure. A tese de investimentos do 500 Startups foi desenhada ao longo dos 25 anos de McClure no Vale do Silício. Ele começou como programador. Em 1994, fundou a Asian Computing, consultoria de comércio eletrônico, comprada posteriormente pela Servinet, por valor não revelado.

Após três anos como diretor de marketing do PayPal, iniciou sua carreira de investidor-anjo em 2004, com um capital de US$ 300 mil. Investiu e foi conselheiro de 15 startups. De 2008 a 2010, trabalhou no Founders Fund, empresa de venture capital, ao lado de nomes como Peter Thiel, fundador do PayPal, e Sean Parker, criador do Napster, serviço de download de música pirata, e fundamental para atrair investimentos no início do Facebook. No mesmo período, foi diretor do fbFund, fundo e aceleradora da rede social de Mark Zuckerberg. “Cometi uma série de erros, mas toda essa experiência foi fundamental para chegar ao 500 Startups”, diz.

Uma das lições foi expandir os horizontes para além do Vale do Silício. Mais de 300 empresas do 500 Startups são de fora dos Estados Unidos. No Brasil, são 35 startups. Entre elas, ContaAzul, Descomplica e Emprego Ligado. “Existem muitas oportunidades inexploradas em outras geografias”, diz McClure. A diversidade também dá o tom na hora de gerenciar tantos projetos. A 500 Startups tem uma equipe de 100 pessoas distribuídas em 18 países e 20 idiomas. O mapa passa por mercados como Brasil, Vietnã, Malásia, China e Noruega.

Cerca de 30% do time é formado por profissionais de fora dos EUA. Essa rede é reforçada por 250 mentores de empresas como Apple, Google e Facebook. As startups têm à disposição especialistas em marketing, design e mais de 70 temas. “O acesso a referências em praticamente qualquer assunto é muito fácil”, diz Marco Fishben, CEO e fundador do Descomplica. Lançado em 2011 e com 12 milhões de usuários mensais, o portal oferece conteúdos em vídeo para vestibulandos. O 500 Startups participou de duas rodadas de investimento na empresa.

Além dos contatos periódicos, Fishben se encontra com McClure a cada três meses. “Como investem em muitas empresas e países, eles têm uma visão muito clara e consistente sobre a dinâmica de qualquer segmento”, afirma Fishben. O 500 Startups também oferece programas de aceleração em sua sede. Em 2011, a ContaAzul, de sistemas de gestão na nuvem para pequenas e médias empresas, participou de uma das edições. “Para nós, foi um divisor de águas”, diz Vinicius Roveda, CEO e cofundador da startup.

Desde então, a ContaAzul vem registrando crescimentos anuais de receita de 100% e recebeu cinco rodadas de investimento. O 500 Startups participou em quatro delas. O primeiro contato com a ContaAzul aconteceu durante uma edição do Geeks on a Plane. Na iniciativa criada por McClure, um avião lotado de investidores pousa em algum país para conhecer os empreendedores locais. O Brasil já recebeu três visitas dessa comitiva. A turnê é apenas um exemplo do comportamento irrequieto do investidor, que se define como um “caipira de West Virginia”.

Mas como é comum no Vale do Silício, essa trajetória comporta alguns fracassos. Recentemente, o canal americano de TV Paga SyFy cancelou o reality-show de startups “The Bazillion Dollar Club”, estrelado por McClure. A série teve apenas um episódio piloto. “Acho que não vou aparecer na TV. Melhor continuar no venture capital”, diz ele, bem humorado. Em gestação em algum canto do planeta, as próximas ‘unicórnios’ agradecem.

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“Estamos bem otimistas com o Brasil”

O investidor Dave McClure fala sobre seus planos para o Brasil:

Quais são os próximos passos do 500 Startups?
Estamos levantando um novo fundo e esperamos captar entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões. Acabamos de fechar cerca de 200 investimentos no terceiro trimestre e devemos encerrar o ano com um total de 500 aportes. Vamos seguir com a nossa estratégia. É preciso construir um grande portfólio.

Como o Brasil se encaixa nessa estratégia?
Estamos bem otimistas com o Brasil. É um país grande, com uma população jovem e enorme expansão em internet, comércio eletrônico e redes sociais. Novatas como ContaAzul, VivaReal e Descomplica estão ganhando muita tração.

Há planos de ampliar os investimentos no Brasil?
Estamos pensando em criar fundos menores e específicos para o Brasil e os países de língua espanhola na América Latina. Ainda não sabemos se serão fundos separados ou integrados, mas a ideia é captar entre US$ 10 milhões e US$ 30 milhões, e assinar cheques menores, de US$ 10 mil a US$ 20 mil.