Iluminista e pessimista. Assim foi Eric Hobsbawm até seu último suspiro, na segunda-feira 1º. Marxista convicto, o historiador britânico defendia um mundo melhor e mais justo, mas não acreditava que isso seria possível. Para um judeu europeu que viveu na pele as revoluções políticas e econômicas do século 20, fugiu do nazismo e testemunhou a falência do comunismo e do neoliberalismo, ele tinha conhecimento de sobra para ser cético. Os fantásticos avanços sociais e tecnológicos dos últimos dois séculos não foram suficientes para acabar com a desigualdade crônica da humanidade – além dos miseráveis mundo afora, pelo menos 910 milhões de trabalhadores pobres ainda vivem com menos de US$ 2 por dia, segundo o Banco Mundial. 

 

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Eric Hobsbawm, historiador (1917 – 2012 ): “É extremamente importante

que o Brasil tenha o primeiro presidente que nunca foi para a universidade

e venha da classe trabalhadora e também seja seguido

pela primeira presidente mulher”

 

A dramática saga humana, que Hobsbawm tão bem relatou em sua tetralogia A era das revoluções (1789-1848), A era do capital (1848-1875), A era do império (1875-1914) e A era dos extremos (1914-1991), continua a ser escrita com sangue, suor e lágrimas. Isso tudo não quer dizer que Hobsbawm e seu pessimismo sepultaram a esperança de um futuro mais digno para a maioria das pessoas e dos países. Ao contrário, as grossas lentes críticas do historiador nunca ofuscaram a centelha utópica de seu olhar. Aos 95 anos, ainda trazia dentro de si a alma romântica do garoto órfão que, aos 14 anos, se filiou ao Partido Comunista em Berlim, onde morou com o tio antes de mudar-se para a Inglaterra para sobreviver ao delírio de Hitler. 

 

Recentemente, em uma entrevista na qual previu que dias piores virão nos próximos 30 anos, defendeu a busca incessante pela evolução do pensamento e das políticas públicas. “O mundo não vai melhorar se não lutarmos para isso”, afirmou. “Mesmo que não sejamos bem-sucedidos em eliminar a desigualdade, devemos tentar, ou não seríamos humanos.” Contentar-se com as formas dominantes do capitalismo não é uma opção: “Há muita injustiça a ser remediada.” Mas qual é o melhor caminho? A resposta pode estar no meio-termo entre a economia planejada pelo Estado e a liberalização excessiva dos mercados, os dois extremos que deram a tônica do debate desde a Revolução Russa de 1917 – ano em que Hobsbawm nasceu, no Egito – até a crise global de 2008. 

 

É o que ele chamava de economia mista, em que o Estado tem algum controle sobre os excessos do livre mercado. Se a globalização é inevitável, os Estados têm de ser fortes para conter a ganância dos capitalistas que George Soros classificou de “fundamentalistas de mercado”. “O capitalismo pode ser justo, se for feito para isso”, disse. Não por acaso, suas palavras encontram eco no Brasil. A presidenta Dilma Rousseff tem incentivado os investimentos no setor privado, ao mesmo tempo que coíbe excessos no setor financeiro, com a redução dos juros e das tarifas bancárias, força a queda dos preços da energia elétrica e estimula a indústria a investir em carros mais avançados e menos poluentes. 

 

“O Brasil foi o último almoço grátis no mundo para os bancos”, afirmou Dilma na semana passada. Hobsbawm acompanhava com interesse o que acontecia por aqui. Em 1978, em entrevista à IstoÉ, disse que “o Brasil é o melhor país do mundo para se viver, se você é rico”. “Vivo me perguntando como alguém pode ser brasileiro sendo pobre…”. Falta muito para acabar com a desigualdade no País, mas o avanço da classe média nos governos Lula e Dilma faz a diferença a favor dos brasileiros no cenário global. “É extremamente importante que o Brasil tenha o primeiro presidente que nunca foi para a universidade e venha da classe trabalhadora e também seja seguido pela primeira presidente mulher”, afirmou. É verdade. O historiador pessimista se foi, mas há boas razões para sermos otimistas sobre o futuro do País.