Nos últimos meses, Paulo Rogério Caffarelli, vice-presidente do Banco do Brasil, vinha liderando discussões com bancos privados para a elaboração de novas modalidades de financiamento das obras de infraestrutura. Na quinta-feira 6, Caffarelli foi chamado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para uma reunião em seu gabinete, no quinto andar da sede do Ministério, em Brasília. Saiu da Esplanada como o número 2 da Fazenda. Novo secretário-executivo da pasta, foi encarregado de melhorar o diálogo do governo com o sistema financeiro e com os empresários. 

 

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Caffarelli: o executivo esportista tem a missão de melhorar o diálogo do governo

com o mercado financeiro e os investidores

 

De olho na reeleição, a presidenta Dilma Rousseff aproveitou a reforma ministerial, na qual substitui os ministros que deixam a função para disputar cargos locais, para dar uma mexida em posições estratégicas. Com o PIB crescendo em torno de 2%, o governo sabe que precisa acelerar o ritmo dos investimentos para manter o desemprego em baixa e a renda em alta – e aumentar suas chances no pleito de outubro. Paranaense, 48 anos, formado em direito, com mestrado em economia pela Universidade de Brasília, Caffarelli é funcionário de carreira do BB, onde entrou como menor aprendiz há mais de 30 anos. 

 

Corredor nas horas vagas, até quarta-feira passada comandava as áreas de atacado, negócios internacionais, private bank e mercado de capitais. No cargo atual desde 2012, anteriormente comandou as divisões de seguros, previdência privada, capitalização e cartões. Também participou da expansão do crédito, o que permitiu ao banco aumentar sua fatia nesse mercado nos últimos anos. No ano passado, comandou a abertura de capital do BB Seguridade, o maior IPO do mundo naquele ano. Caffarelli substitui Nelson Barbosa, que deixou o posto em maio do ano passado após divergências com o ministro Mantega sobre a política fiscal. 

 

Barbosa, que foi muito próximo à presidenta Dilma Rousseff, perdeu a disputa com o secretário do Tesouro, Arno Augustin, autor da “contabilidade criativa” das contas de 2012, que iniciou o processo de desgaste da imagem do governo brasileiro. Nesse período, o posto de secretário-executivo foi ocupado interinamente por Dyogo de Oliveira, que volta a ser secretário-executivo-adjunto. A escolha de Caffarelli foi recebida, no mercado, como uma indicação de que o governo quer conversar mais com o setor privado. “Ele é muito competente, tem amplos conhecimentos do mercado e entende como a economia deve funcionar”, diz Flavio Serrano, economista-sênior do BES Investimentos. 

 

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Novos ministros: (a partir da esquerda) Mercadante, na Casa Civil; Chioro, na Saúde;

Paim, na Educação; e Traumann, na Comunicação

 

No banco, ele já fazia isso. Participou, por exemplo, das discussões para viabilizar o financiamento privado nas concessões de rodovias. Ao mesmo tempo, tinha amplo trânsito com clientes no mercado de capitais e empresas em busca de recursos para seus projetos. Participou ainda do conselho de administração de diversas companhias. Nos últimos anos, o Banco do Brasil aumentou sua participação nos projetos de infraestrutura, tanto com recursos próprios quanto em repasses do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Um levantamento do BB mostra que todos os projetos de infraestrutura previstos até 2018 somam R$ 377 bilhões, dos quais R$ 260 bilhões são passíveis de financiamento. 

 

Desse total, o BB prevê participar com R$ 113 bilhões. Agora, Caffarelli terá como missão convencer os antigos concorrentes a investir no setor. Mas os desafios não se limitam ao trabalho dentro da Fazenda. Simpático e habilidoso no trato com as pessoas, Caffarelli terá de usar essas características nos outros desafios que encontrará na gaveta. Uma de suas missões será convencer os ministros do Supremo Tribunal Federal a não alterar a correção dos planos econômicos dos anos 80 e 90, que podem gerar um prejuízo de até R$ 150 bilhões para os bancos, boa parte desse valor para o Banco do Brasil e a Caixa. Também terá de negociar com o Congresso a mudança no indexador da dívida dos Estados e municípios e tentar barrar projetos que aumentam os gastos públicos.

 

DANÇA DAS CADEIRAS Outros ministérios passam por reformulações. Várias pastas terão seu titular substituído. Algumas escolhas serão técnicas e outras, políticas. Tudo para garantir eficiência, de um lado, e um maior tempo de propaganda eleitoral, de outro. “A presidenta Dilma está muito preocupada em fazer o governo funcionar”, diz Antônio de Queiroz, consultor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap). “Por isso, o perfil dos próximos ministros tende a ser mais técnico, ainda que construído com o objetivo de garantir horário eleitoral na televisão.” Na semana passada, tomaram posse os novos ministros da Casa Civil, Aloizio Mercadante, da Saúde, Arthur Chioro, da Educação, José Henrique Paim, e da Comunicação, Thomas Trauman. 

 

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Negociação difícil: na Casa Civil, Mercadante (à esq.) tenta evitar derrotas no STF,

de Joaquim Barbosa (ao centro), e na Câmara, presidida

por Henrique Eduardo Alves (à dir.)

 

Antecipando o debate que deverá ganhar força nos próximos meses, Mercadante falou sobre a economia no discurso de posse, reafirmando o compromisso do governo com o controle da inflação e o emprego. “Nesse novo Brasil, a responsabilidade com as contas públicas não está dissociada da responsabilidade social, como ocorria em outros tempos”, afirmou. Além da disputa política, uma dificuldade a mais na hora de preencher os cargos é o caráter de interinidade, num governo com menos de um ano de vida pela frente. É o caso do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Dilma gostaria de colocar um empresário no posto, repetindo a estratégia adotada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro mandato, quando teve como ministro Luiz Fernando Furlan, hoje presidente do Conselho de Administração da BRF. 

 

Até a semana passada, no entanto, ainda não havia encontrado uma pessoa disposta a deixar um cargo importante no setor privado para assumir o posto de Fernando Pimentel, que disputará o governo de Minas Gerais. O presidente do grupo têxtil Coteminas, Josué Gomes da Silva, foi convidado e recusou a oferta, pois pretende disputar um cargo legislativo. Também cotado, o atual ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa, Afif Domingos, disse que prefere manter-se onde está. Além do prazo curto de validade – se Dilma for reeleita em outubro, espera-se que comece o segundo mandato com uma reformulação na equipe – o empresário que aceitar o Desenvolvimento terá de abdicar dos vantajosos financiamentos do BNDES, já que seria presidente do conselho de administração do banco. 

 

Além disso, o futuro ocupante do posto terá o desafio de colocar em prática uma política industrial capaz de aumentar a produção nacional e estimular as exportações, num momento em que, apesar do real desvalorizado, a balança comercial começou o ano com déficit de US$ 4 bilhões em janeiro. As negociações que buscam, no final das contas, garantir a reeleição de Dilma giram em torno do mesmo problema enfrentado por ela no primeiro ano de mandato: o embate entre aliados e governo por cargos, poder e verbas (leia quadro “O que está em jogo”). O PMDB viu na aproximação das eleições e na saída do PSB, de Eduardo Campos, um momento oportuno para aumentar sua influência. 

 

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Por isso, cobiça o Ministério da Integração Nacional. Mas outros partidos, com destaque para os recém-criados Pros e PSD, tiveram a mesma ideia. Por tocar obras de apelo eleitoral na região Nordeste, a pasta da Integração Nacional vem sendo disputada pelo senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), ligado ao presidente da casa, Renan Calheiros, e pelo Pros do governador do Ceará, Cid Gomes. Com um orçamento de R$ 26,3 bilhões e um plano de investimento de R$ 7,6 bilhões para este ano, o ministério é o responsável por obras como a transposição do rio São Francisco e projetos de irrigação do semiárido. Além de um orçamento de R$ 14,5 bilhões, o Ministério da Agricultura é considerado crucial e sempre esteve ligado à bancada ruralista. 

 

Já o Turismo, apesar de um orçamento pequeno, de R$ 1,5 bilhão, vai ganhar visibilidade no ano da Copa do Mundo. Além disso, o ministério é um tradicional endereço de emendas parlamentares, que destinam verbas para projetos em suas cidades. Ao abdicar das suas indicações, o PMDB da Câmara também se isenta da obrigação de votar nas pautas de interesse do governo. Outra pasta que vem sendo disputada pelo PMDB é a Secretaria Especial dos Portos, ocupada interinamente pelo ex-secretário de Acompanhamento Econômico da Fazenda, Antonio Henrique da Silveira, e disputada também pelo PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, e pelo PTB. Os portos são estratégicos para a presidenta, que não quer notícias sobre atrasos no escoamento da safra em ano eleitoral. 

 

Para evitar esse cenário, que prejudicou exportadores no ano passado, o novo ministro terá a função de implementar a Lei dos Portos, que prevê novos terminais privados e arrendamentos, mas ainda caminha a passos lentos. Os novos ministros também devem encontrar um governo mais austero, preocupado com a perda de confiança do mercado financeiro e com a ameaça de rebaixamento da nota de crédito do País. O tom dessa mudança vem sendo dado pelo ministro Mantega, que até pouco tempo atrás incentivou a concessão de desonerações fiscais e mandou para o Congresso um projeto que mudava o indexador das dívidas dos Estados e municípios. 

 

Na semana passada, ele foi ao Senado para pedir “prudência e cuidado”. Na Câmara, onde o governo tem mais dificuldades para controlar a própria base aliada, a pauta está trancada há meses pelo marco civil da internet, que mexe com interesses das poderosas empresas de telecomunicações e conta com a ferrenha oposição do líder do PMDB, Eduardo Cunha. Mas, ainda que esse projeto fosse votado, a pauta continuaria trancada por projetos como a destinação de 10% da multa do FGTS para o programa Minha Casa Minha Vida. Sem dúvida, um início de ano agitado e desafiador, na Esplanada dos Ministérios e no Congresso.

 

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